Cones de trânsito, sopradores de folhas, e outras táticas incríveis que os manifestantes dos EUA estão copiando de Hong Kong

Protesters return to the Justice Center on the fifth night of action against police brutality in Portland, Ore., on June 2, 2020, after the death of George Floyd in police custody. (Photo by Alex Milan Tracy/Sipa USA)(Sipa via AP Images)

Quando uma bomba de gás lacrimogêneo aterrissou entre o caos de um protesto, uma equipe usou um cone de trânsito para conter a fumaça. Outro grupo de ativistas jogou água na bomba com uma garrafinha plástica.

Essa é uma técnica bem treinada que se tornou familiar no mundo todo através de vídeos de seu uso nos protestos de Hong Kong. Mas essa não é uma cena de Hong Kong – é uma cena de Portland, Oregon.

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Esse é só um entre incontáveis exemplos na turbulência recente nos EUA de manifestantes adotando táticas refinadas e popularizadas pelo movimento pró-democracia de Hong Kong, que vem rendendo manchetes desde que o ativismo começou no meio de 2019.

Manifestantes nas linhas de frente em Seattle esta semana foram vistos usando guarda-chuvas, que são tão usados como escudos contra gás lacrimogêneo e spray de pimenta da polícia em Hong Kong desde 2014, que se tornaram a marca registrada do movimento de protestos da cidade.

E sopradores de folhas, usados para desviar a fumaça das bombas e sprays, foram vistos em manifestações em Detroit:

Kansas City, Missouri:

E Madison, Wisconsin:

Jeffrey Ngo, estudante de Ph.D. em D.C. e estrategista chefe do partido pró-democracia Demosisto de Hong Kong, vem documentando como as táticas do movimento de protesto de seu país natal estão sendo adotados nos EUA.

Ngo, que apoia as manifestações nos EUA, disse a VICE News que as táticas parecem ter sido tiradas principalmente dos vídeos dos protestos em Hong Kong. Ele disse que um vídeo do Demosisto de outubro passado, de um hongkonguês de meia idade usando um soprador de folhas para redirecionar a fumaça de uma bomba de gás lacrimogêneo, de repente viralizou com o início da turbulência nos EUA semana passada.

“Agora o vídeo tem 10 milhões de visualizações”, ele disse. “Tenho certeza que os manifestantes americanos aprenderam a tática na internet.”

The Umbrella Union, um grupo de ativistas de Hong Kong no exterior, disse a VICE News que não sabia de nenhuma troca organizada de informação entre os movimentos.

Mas em alguns casos, hongkongueses estão abordando manifestantes americanos para passar as lições aprendidas com a experiência deles. Um ativista de Hong Kong criou um site chamado “Hkers Stand with Black Lives”, oferecendo dicas e truques para os manifestantes nos EUA – de como identificar um policial à paisana, suprimentos médicos para levar para uma manifestação, até os melhores aplicativos de mensagem criptografada para contornar a vigilância das autoridades.

E nas redes sociais, hongkongueses estão dando conselhos para americanos de como reagir às táticas da polícia. Abaixo do vídeo do cone de trânsito sendo usado numa bomba de gás lacrimogêneo em Portland, um usuário do Twitter ofereceu um “Anúncio Público dos Hongkongueses: para as pessoas apagando bombas de gás lacrimogêneo: use sempre máscara de gás, por favor. Gás lacrimogêneo VAI prejudicar seus pulmões se você continuar inalando diretamente”.

Outra pessoa se identificando como hongkonguês deu instruções para desarmar uma bomba de gás lacrimogêneo envolvendo luvas de solda e um saco de água, além de um vídeo da técnica em ação. “Como lidar com gás lacrimogêneo. Você precisa de 1. Saco plástico de 3 litros 2. Luvas Wonder Grip wg-318 / luvas de solda 3. água. Método: Coloque água no saco. Pegue a bomba de gás. Coloque no saco e chacoalhe. Seja água, meu amigo.”

“Correções construtivas de camaradas com experiência!”, disse AntiFash Gordan, um ativista americano.

E alguns ativistas nos EUA estão pedindo que os manifestantes copiem os hongkongueses e levem apontadores de laser potentes para distrair e confundir a polícia.

Mas outros apontaram que essa tática é extremamente perigosa no contexto de protestos nos EUA, já que a polícia pode achar que algum manifestante está usando uma arma com mira laser, que ajuda atiradores a mirar em condições de pouca visibilidade. Esse não é o caso em Hong Kong, que tem leis de porte de armas bem mais severas. Na noite de domingo em Raleigh, Carolina do Norte, um manifestante teria apontado um laser para os olhos de um policial e, em resposta, a polícia sacou suas armas contra a multidão.

Saques são uma diferença entre os protestos nos EUA e em Hong Kong. Em Minneapolis, que é o epicentro dos protestos desde que George Floyd, um homem negro, morreu depois que um policial ajoelhou no pescoço dele por oito minutos e 46 segundos, pessoas nos protestos arrebentaram portas do comércio, incendiaram prédios e roubaram produtos deles. Algumas pessoas em protestos de LA, Louisville e Nova York seguiram o exemplo.

Um vídeo viral mostrava manifestantes no Brooklyn tentando redirecionar a energia de uma multidão para longe de um Target, que alguns estavam tentando saquear.

Tentando ajudar os manifestantes americanos de longe, um ativista de Hong Kong elogiou os esforços para evitar saques. “Muito bom! Faça a coisa certa!”, ele escreveu, explicando que em Hong Kong, os manifestantes muitas vezes vandalizam negócios que apoiam o governo chinês, mas raramente os saqueiam.

A adoção de táticas familiares nas ruas americanas tem sido um tópico em fóruns como o LIHKG, que discute o movimento de protesto em Hong Kong. Um manifestante, que não quis ter o nome divulgado, disse que os comentaristas apontaram que algumas das táticas associadas com os protestos na cidade – como usar raquetes de tênis para devolver granadas de gás lacrimogêneo para a polícia – foram usadas antes em protestos na França.

Ele disse que os usuários do fórum especulam que os hongkongueses refinaram e desenvolveram técnicas adotadas dos protestos franceses, como usar água para neutralizar bombas de gás lacrimogêneo, considerando seus cenários específicos, onde multidões de manifestantes muitas vezes são encurraladas entre arranha-céus sem ter como escapar do gás lacrimogêneo.

Ngo, do Demosisto, disse que mesmo estando consciente dos paralelos entre as manifestações de Hong Kong e dos EUA, as causas por trás delas não são comparáveis, mas os dois movimentos compartilham “um desejo comum por dignidade e direitos humanos básicos”.

“Estando na linha de frente global contra a violência policial, ficamos felizes em ver que nossa experiência e criatividade estão se mostrando úteis”, ele tuitou.

Imagem do topo: Manifestantes retornam para o Justice Center pela quinta noite seguida de ação contra a violência policial em Portland, Oregon, em 2 de junho de 2020, depois da morte de George Floyd sob custódia da polícia. (Foto por Alex Milan Tracy/Sipa USA)(Sipa via AP Images).

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