“A palavra de segurança é Vermelho.” Esse não é o tipo de coisa que você espera ouvir antes de entrar numa casa mal-assombrada. Mas esse não é um passeio de terror normal: é a Hell in the Armory, no porão de uma das maiores mansões pornôs do mundo. E eu fui até lá testemunhar a coisa em toda sua glória nua e sangrenta.
Quem me falou da Hell in the Armory foi Danielle Walker, uma das guias do show, que se apresenta como “uma casa mal-assombrada para adultos”. Na verdade, esse evento é o filho bastardo de um relacionamento entre a Kink.com, produtora pornô especializada em BDSM, e a Vau de Vire Society, uma trupe de teatro e circo de São Francisco. O espetáculo, que começou neste ano, acontece dentro do San Francisco Armory, uma reprodução de um castelo mouro de 18 mil metros quadrados adquirido pela Kink em 2006. Essa gigantesca sede pornô tem a iluminação, os cenários e o ambiente que Mike Gaines, cofundador da Vau de Vire, precisava para criar o que ele chama de “uma experiência teatral imersiva”.
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Tentando lidar com o conflito entre meu interesse por pornô de fetiche e minha aversão por coisas de terror, entrei na Hell in the Armory cheia de apreensão e com meu namorado a tiracolo. E eu ia precisar dos dois: minutos depois de descermos ao portão, fui vendada e amarrada junto com meu grupo de visitantes. Fomos empurrados por um corredor estreito, se enrolando e tropeçando, até um calabouço escuro e úmido onde fomos desamarrados. Empurrados contra a parede da câmara, fomos revistados por uma dominatrix loira e alta, que sussurrou: “Você vai ficar nua para mim?”. Sem se deixar abater pelas negativas e arrepios, a dominatrix abordou a garota que estava ao meu lado. Aí, bem diante dos nossos olhos, que tinham acabado de se ajustar à pouca luz, a mulher deu um passo à frente, foi despida, amordaçada e amarrada pela dominatrix. Eu estaria mentindo se dissesse que essa cena light de BDSM não foi sexy. E, julgando pela cara do meu parceiro – e pelos arquejos dos outros visitantes (de repulsa ou de delícia?) –, eu não era a única prestando atenção. Mas a cena ainda não tinha acabado: enquanto a dominatrix fechava a última corrente, a porta do calabouço se abriu, um lobisomem espumando pela boca se esgueirou ameaçadoramente até a voluntária amarrada, e a última coisa que vi antes de as luzes se apagarem foi a boca da besta no corpo dela e um jorro de sangue saindo do meio das pernas da moça.
Só para esclarecer, a “voluntária” era uma atriz e a cena toda foi consensual. Isso me pareceu óbvio, mas parece que os artistas já enganaram alguns visitantes: “A primeira cena costuma afetar profundamente as pessoas”, Gaines me disse mais tarde, “que realmente acreditam que alguém está em perigo”. Um punhado de gente sempre sai em defesa da atriz toda noite, dizendo que a ouviu pronunciar a palavra de segurança ou pedindo para a dominatrix parar a cena – nosso grupo era formado apenas por pessoas sem coração, acho. Por outro lado, Gaines mencionou que a “torturadora” “tem de lidar com muito sim” de visitantes que querem se envolver mais na cena – então, acho que nosso grupo também era chato. No final, ele afirmou que quis começar com essa cena controversa, “porque esta é uma casa mal-assombrada; as pessoas têm de ficar com medo mesmo”.
Essa primeira vinheta foi, sem dúvida, a parte mais assustadora do passeio, e eu fiquei com uma sensação persistente de que as coisas iam sair do controle, um sentimento que me deixou nervosa o tempo inteiro (pode perguntar pro meu namorado: eu só soltava da mão dele quando era forçada). Como num filme de terror, a Hell in the Armory usa uma combinação de choque e suspense, reforçada pelo alto valor de produção da Vau de Vire, para deixar os visitantes no limite. Por exemplo, na interação entre o médico demente e a paciente flexível, feita por uma contorcionista profissional. Apertados numa galeria de observação, eu fechava os olhos sempre que os membros dela se retorciam e esticavam em resposta ao bisturi e ao cutelo do cirurgião. Sendo uma hemofóbica autodiagnosticada, me senti tanto repelida como hipnotizada pela cena sangrenta.
Aí nosso grupo de 28 pessoas foi separado pela voz autoritária da nossa guia. (“Você, entra logo aí”, Walker rosnou quando hesitei.) Eu me vi junto com alguns colegas numa sala acolchoada com um espelho. Uma luz estroboscópica começou a piscar, e me dei conta de que não estávamos sozinhos. Com a gente, estava uma moça perturbada e descabelada usando um avental sujo: do outro lado do espelho, estava uma criança macabra, visível apenas quando a luz piscava. Quando a mulher descabelada avançou na nossa direção, tentei me enfiar entre os outros visitantes – minha tática para minimizar o contato com os personagens assustadores –, mas foi difícil com apenas dez pessoas (ou escudos humanos) na sala. A mulher estava implorando por ajuda quando uma voz explosiva a fez parar. Era o médico da cena anterior carregando uma pesada corrente, que, apesar das minhas melhores tentativas de invisibilidade, foi fechada no meu pescoço. “Ele é seu namorado?”, ele zombou, nos separando. Ainda acrescentou: “Gostei do seu cabelo, namorado” enquanto me empurrava para fora da sala.
Arrastada pela coleira pesada, fui seguida pelo resto do grupo menor até um cenário com enormes portas francesas. “Veja a minha esposa!”, o médico ordenou. Olhei pelo vidro da janela e vi uma vampira nua se contorcendo embaixo de um corpo mutilado, o torso pingando sangue e o rosto congelado em êxtase. Torci meu nariz parcialmente, porque, como eu disse acima, não gosto de ver sangue, mas também porque senti uma umidade proveniente do ator que estava atrás de mim. “Por favor, que seja suor”, pensei comigo.
Se essa cena pareceu perturbadora, nossa próxima parada foi ainda mais nojenta: um depósito de carne, cheio de pedaços de corpos em decomposição e um Jesus pregado na cruz. Do crucifixo, ele nos encorajou a “ler os livros” e encontrar as pistas – havia uma pilha de Bíblias aos pés dele. Depois de ter sido assustada pelo médico, deixei os outros se distraírem enquanto corria os olhos pela sala, esperando a próxima surpresa que eu sabia que viria. Aí um açougueiro maníaco com uma motosserra veio correndo e enfiou a lâmina no corpo de Cristo. Essa foi a única cena que fez eu me encolher pelas razões erradas: ela era mais gratuita que assustadora, e eu acabei com sangue do Jesus no meu vestido.
Mas nem tudo é sangue e gore na Hell in the Armory. Cenas menos nojentas incluem uma visita a um bar clandestino assustador, uma rotina de vaudeville de humor feita por um trio de zumbis em vários estados de decomposição e um palhaço se masturbando numa cabine telefônica. “Fazemos 14 passeios por noite; são quatro horas de pau duro [para o ator]”, refletiu Gaines. “É um trabalho e tanto.” Também foi a primeira vez que meu namorado viu outro pênis ereto ao vivo.
A cena mais memorável aconteceu no jardim sinistro. Levados por uma rainha imponente interpretada por Shannon Gaines, cofundadora da Vau de Vire Society, nosso grupo fez parte de uma sessão que culminou na ressurreição da amante da rainha, Svetlana. De novo, fiquei me sentindo indefesa e assustada no nosso círculo desprotegido, um testemunho da habilidade performática dos atores. Sim, eu sabia que era só um show; mas os cenários, os atores e as histórias me distraíram o suficiente para que eu esquecesse que era tudo falso.
É essa sobreposição de elementos de fantasia e performance que ligam naturalmente sexo, interpretação e Halloween. A Hell in the Armory parece um parque temático adulto teatral e perverso (Gaines até chamou o porão do prédio da Kink de “uma Disneylândia abandonada”). Essa forma deliberada e calculada de perversão é característica da prática de BDSM, em que consenso, respeito e segurança são necessários para manter as coisas positivas (e legais) em relação ao sexo.
Com lotação esgotada para os últimos passeios, o experimento de terror erótico da Kink.com e da Vau de Vire se mostrou um grande sucesso com o público da cena de fetiche de São Francisco, além de ser “uma ponte ou túnel para quem veio à cidade para se sentir excitado e assustado”, descreveu Gaines. Se você vai achar a Hell in the Armory excitante ou assustadora, depende do seu fetiche, mas quem tem estômago para carnificinas fajutas e interação sexual ao vivo vai sair de lá entretido. Só não esqueça a palavra de segurança.
Hell in the Armory foi até 1º de novembro no San Francisco Armory. Para outros eventos e informações, acesse a página da Vau de Vire Society no Facebook.
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Tradução: Marina Schnoor