Nos mais de dez anos em que me envolvi nesse rolê de sexo e tecnologia, a teledildônica existia como um pontinho ofuscado no horizonte; era, diziam os especialistas, a inovação técnica que mudaria o sexo como o conhecemos. Para mim, sempre pareceu uma idiotice.
Caso você não esteja familiarizado com o conceito, a teledildônica é o ramo da tecnologia cujo foco é a criação de brinquedos eróticos que podem ser controlados pela internet — o que permite que você possa, por exemplo, guiar os movimentos de um vibrador em Moscou com o poder de alguns toques num teclado em São Paulo.
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Os dispositivos mais elaborados envolvem brinquedos que podem ser controlados por outros brinquedos; permitem, sendo mais específica, que um masturbador masculino seja ativado por um outro usuário, que fica encarregado de chupar ou sentar em um vibrador interconectado.
Não é de hoje que os futuristas profetizam um mundo onde a teledildônica nos ajudaria a transar com alguém do outro lado do mundo; até agora, porém, essas previsões geraram pouco mais do que um bafafá insignificante.
Embora eu concorde que a ideia de dar prazer para seu parceiro sexual à distância soe legal, acho que, na realidade, existem poucas situações nas quais essa tecnologia seria de fato útil. Relacionamentos à distância não são tão comuns, né? E a maioria de nós não está disposto a gastar uma grana só pela possibilidade remota de que algum dia teremos a oportunidade de transar com alguém a quilômetros de distância. E isso sem contar que, quando analisamos os inúmeros problemas técnicos presentes na maior parte dos produtos que chegaram ao mercado, o futuro da teledildônica é meio nebuloso.
O objetivo é ter mais intimidade com uma pessoa que você nunca verá pessoalmente (muito menos transará)
Mesmo com todo esse meu pessimismo, consigo ver algo de promissor nessa tecnologia: não tanto como um novo tipo de sexo, mas sim como uma extensão dos cam shows (os shows eróticos via webcam), um tipo de serviço de sexo virtual que está, graças à criação dos brinquedos eróticos controlados à distância, se tornando cada vez mais interativo.
Alguns anos atrás, eu estava no meio do salão da Adult Entertainment Expo (Feira de Entretenimento Adulto, em português) enquanto um representante da Real Touch narrava as maravilhas do Real Touch Interactive, um dispositivo “biométrico” que usava um consolo turbinado (ou, eca, joystick) para controlar as vibrações emitidas por um masturbador masculino.
O representante descrevia um mundo onde casais em relacionamentos à distância poderia simular o ato sexual com a ajuda deste produto – contanto que o conceito de “ato sexual” se resumisse a alguém masturbando, chupando ou cavalgando um vibrador muito tosco em prol do prazer do pênis de seu parceiro.
O hoje esquecido Real Touch Interactive era completamente voltado para o público masculino.
O conceito me pareceu muito injusto e desagradável até o representante da Real Touch mencionar um aspecto particularmente inovador do seu produto. Os homens interessados em experimentar os prazeres do sexo interativo não estariam limitados às mulheres (ou homens) interessadas em fazer amor com um joystick sem graça. A Real Touch estava recrutando atrizes pornô para fazer cam shows interativos para aqueles que assinassem esse serviço pago.
De repente, tudo fez sentido. O Real Touch Interactive não era um substituto de sexo, e sim uma forma de melhorar os cam shows — uma forma de ter mais intimidade com uma pessoa que você provavelmente nunca verá pessoalmente (muito menos transará). Dentro do mercado do sexo pago, a faixa de preços da Real Touch não parecia mais tão absurda. E embora eu soubesse que aquele produto não chegaria tão cedo ao meu quarto, naquele momento eu pude vislumbrar uma trajetória de sucesso para o Real Touch Interactive.
A Real Touch e sua rede de webcams não existem mais, destruídas por péssimas escolhas administrativas e problemas relacionados à patentes. Mas a promessa de cam shows tecnológicos onde os clientes podem fazer mais do que olhar ainda existe, e hoje vários produtos preenchem o buraco (ou buracos) deixado pelo fim da Real Touch. Produtos de empresas como a OhMiBod e a We-Vibe ajudam as camgirls a aumentarem a intensidade e a interatividade de seus shows — e também a dar um empurrãozinho nos lucros, é claro. Para explicar como tudo isso funciona, e quais são as vantagens tanto para as camgirls quanto para os clientes, eu pedi ajuda para a auto-entitulada “camgirl nerd” Zander Storm.
Como ex-avaliadora de brinquedos eróticos, Storm já era uma velha habitante do bizarro e maravilhoso mundo dos brinquedinhos eróticos quando começou a trabalhar para o Chaturbate, um site de cam shows muito popular. Storm não tinha muita experiência com os produtos teledildônicos antes de se tornar uma trabalhadora da indústria do sexo, mas, no momento em que ela viu o quanto esses produtos eram populares entre as outras modelos do Chaturbate, inserí-los em suas perfomances se tornou uma decisão óbvia.
“O cliente tem controle completo e direto sobre meu vibrador”
De acordo com Storm, os produtos mais populares são os da OhMiBod: o Club Vibe 2.Oh e o Freestyle G. Embora eles não sejam brinquedos teledildônicos no sentido técnico — ambos produtos respondem a estímulos sonoros locais ao invés de estímulos remotos transmitidos pela internet — as camgirls conseguiram hackeá-los, fazendo com que eles respondam ao som gerado pelas gorjetas dos clientes. Quanto mais dinheiro uma camgirl recebe, mais intensa é a vibração de seu vibrador, o que significa que quanto mais clientes estão dispostos a pagar, mais excitante a perfomance fica.
Para as camgirls do Chaturbate que passam boa parte de seu tempo correndo atrás de gorjetas em salas de bate-papo “gratuitas”, esse é um jeito bem fácil de conseguir mais dinheiro. Como Storm me explicou, os brinquedos da OhMiBod “deixam os clientes mais generosos.”
Os produtos da We-Vibe, que podem ser controlados por um app, são direcionados para casais — mas com alguns ajustes, eles podem ser utilizados pelas camgirls.
O único produto “verdadeiramente” teledildônico é o We-Vibe 4 Plus, que Storm diz já ter usado com alguns clientes. Criado como um brinquedo erótico para casais, o We-Vibe é um vibrador que pode ser conectado a um app, o que permite que o vibrador seja controlado de qualquer lugar do mundo. O We-Vibe dá muita mais liberdade para os clientes de Storm do que o Club Vibe ou o Freestyle.
“O cliente tem controle completo e direto sobre meu vibrador — ele pode controlar a intensidade de vibração de cada um dos dois motores do brinquedo, e também o padrão de pulsação de cada um dos motores”, disse Storm. Os clientes interessados nesse tipo de interação compram um período de tempo no qual eles controlam o vibrador, começando com uma sessão de cinco minutos.
“Sinto que muitas empresas de brinquedos eróticos teledildônicos têm medo de criar produtos voltados para as camgirls”
Como ele não depende das gorjetas, o We-Vibe pode ser uma fonte de renda mais segura. Mas como o produto é voltado para casais presumidamente monogâmicos, o We-Vibe não se adequa perfeitamente às necessidades de uma camgirl. É difícil conectar o brinquedo ao telefone de um novo cliente; para tanto, o app deve ser deletado e reinstalado no telefone da camgirl. Mas mesmo com todos esses problemas, o produto é interessante o suficiente para que Storm queira usá-lo com mais frequência, chegando até a pedir que um amigo criasse um app personalizado para que as camgirls do Chaturbate usem o We-Vibe.
É claro que Storm não precisaria criar seu próprio app se empresas como a We-Vibe estivessem dispostas a admitir que seus produtos são mais importantes para o futuro dos trabalhadores sexuais do que do sexo em si.
“SInto que muitas empresas de brinquedos eróticos teledildônicos têm medo de criar produtos voltados para as camgirls. Eles querem dominar o mercado, e para isso eles direcionam seus produtos para as massas através do marketing voltado para casais monogâmicos, e ao mesmo tempo buscam se distanciar da indústria de entretenimento adulto”, disse Storm.
Mas nem todas empresas são tão pudicas: a Kiiroo — que, assim como a Real Touch, oferece um masturbador masculino conectado a um vibrador para uma experiência sexual simulada — se associou à diversas empresas e estrelas do entretenimento adulto, incluindo a VirtualRealPorn e atriz pornô Lisa Ann. O design do Kiiroo é muito mais compatível com as necessidades desse mercado do que o We-Vibe, que é voltado para casais monogâmicos. (Entre várias outras funções, o vibrador do Kiiroo pode mandar sinais para múltiplos masturbadores ao mesmo tempo).
Mas seu preço ainda deixa a desejar. Para aproveitar todas as regalias do Kiiroo, tanto a camgirl quanto o cliente precisam desembolsar uma quantia significativa; é difícil imaginar que um cliente esteja disposto a gastar US$250 em um masturbador de silicone quando não há garantia de que sua camgirl favorita também terá o equipamento necessário para fazer o produto funcionar.
Mas embora o Kiiroo não seja um produto perfeito, está claro que eles estão no caminho certo. Se outras empresas estivessem dispostas a criar produtos voltados para as necessidades das camgirls, o resultado seria um enorme fluxo monetário — tanto para as empresas quanto para as camgirls que comprassem o produto. A OhMiBod já reconheceu a popularidade de seus produtos entre os clientes do Chaturbate, dando assim um passo à frente no ramo da teledildônica. É cedo demais para dizer se esse investimento será vantajoso — mas se ele for, é bem provável que as responsáveis serão suas fiéis clientes, as camgirls.
Tradução: Ananda Pieratti