Música

Conversamos com o Royal-T Sobre o Passado, O Presente e o Futuro do Grime

Nos últimos tempos, fiquei fascinado com a produção do grime e a forma como seus ritmos oblíquos derivados do 2-step canalizam a energia feroz de jovens descontentes. Baseado em não muita coisa além uma linha de baixo crua e um sintetizador com gélidas ondas triangulares, as músicas do grime são o contrário do hip-hop maximalista da minha juventude. Tem alguma coisa sorrateira na sua simplicidade, como um capuz preto cobrindo o rosto para evitar a vigilância policial panóptica de Londres. Ávido por informações privilegiadas, fui me encontrar com o Mark “Royal-T” Taylor, produtor em ascensão de Southampton, cujo EP sensação “I Know You Want Me” acabou de ser lançado no Rinse.fm. Taylor oferece um esclarecimento crucial sobre o passado e o presente do Grime, além dos moldes do que está por vir.

Noisey: Como era sua experiência de balada na juventude? Como era a cena na qual você cresceu?
Mark Taylor: Tenho 22 anos, então a balada só entrou na minha vida nos últimos seis anos, mais ou menos. Produzo música para a maioria delas, então isso teve uma grande influência no meu trabalho. Eu saía para passar tempo com meus amigos, mas também para fazer lição de casa. Eu ficava lá parado observando como as pessoas reagiam a certas músicas e que elementos faziam com que elas reagissem, e isso me ajudou a desenvolver um gosto por como eu poderia interpretar isso na minha música. Apesar de Southampton ficar a umas duas horas de Londres, acho que é uma das cidades mais antenadas do sul da Inglaterra. Com certeza é uma das cidades mais industriais do sul. Muitas pessoas que moram em Londres acham que é só mato e fazendas, mas é totalmente o contrário. Tem um aspecto muito urbano nela. A cena noturna é animada e estudantil, o que com certeza é bom para uma cidade que não é tão grande quanto Manchester, Londres, Birmingham, etc. O UK Garage fez muito sucesso aqui na época, com o surgimento de artistas como Artful Dodger e Craig David, então sempre houve um relacionamento entre a minha cidade e o 2-step.

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Já ouvi muito sobre um ressurgimento da produção do Grime nos últimos anos. Como você caracterizaria esse ressurgimento e para onde você vê isso caminhando?
É, parece que tem o foco na produção do Grime cresceu muito nos últimos anos. Isso permitiu que pessoas como eu e outros produtores pudessem levar nosso som para um público diferente. Eu vejo que isso está se desenvolvendo, sim, como o Grime sempre faz. Sem dúvida. Mas acho que muitos estilos se esgotaram, então estou interessado em ver quais serão as próximas tendências. O bom do Grime é a liberdade que você tem de criar. Não existem limites definidos.

O que você acha da atual recepção do Grime nos EUA? Você acha que estamos prontos para ele?
O Grime já existe há uns dez anos, então acho que é tempo suficiente para digeri-lo. Acho que as coisas baseadas em MCs podem não dar certo já que não faz muito sentido encaixar um rapper no estilo, sendo o hip-hop algo tão importante. Acho que o público teria que procurar alguma coisa original e interessante, coisa que acho que os MCs de Grime batalharam para conseguir. Por isso o ressurgimento da produção é importante. Cabe a nós criar alguma coisa que seja aceitável por si só, mas que também enfatize a essência do Grime através do MC. O trap e o dubstep ensinaram o público a ouvir músicas a 140 bpm no ambiente da balada, então acho que a hora é mais que boa para as coisas se desenvolverem. Repito, precisaria haver uma coisa muito original e interessante para que tudo faça sentido, em vez de ser rotulado de “só mais um” gênero. Estou aí para ajudar nisso, mal posso esperar para voltar para a cena.

O que você acha da forma como a mídia tende a cobrir a produção do Grime?
Para ser sincero, acho que a cobertura que é feita não é suficiente. Acho que não tem muitos jornalistas que se interessaram por nos descobrir. Por isso essa música pode se perder ao longo do tempo, porque não existe exatamente uma plataforma para ela. Principalmente no Reino Unido, ainda existe uma grande fascinação com o MC, e ninguém está muito interessado em saber sobre o produtor. Por isso aconteceu o ressurgimento da produção, porque agora os produtores podem ser vistos como “artistas” e não somente como “o cara que fez aquela faixa”.

Você pode falar sobre algumas instrumentais clássicas do Grime que influenciaram seu estilo?
Posso falar sobre centenas, mas tem uma em particular com certeza, que é “Ice Rink” do Wiley. É uma produção muito bizarra e se comunicou comigo como ouvinte, escutando os MCs fluírem em uma faixa que não tem os ingredientes convencionais de uma música de balada. Não tem caixa nem bumbo, só sons muito abstratos que criam um ritmo. Foi isso que me cativou, é esse tipo de música que basicamente não tem fronteiras e tem espaço suficiente para o artista ser verdadeiramente criativo. Por isso consegui fazer faixas como “Gully Funk“, porque tenho a liberdade de tirar inspiração de outros gêneros ou usar sons esquisitos e ainda assim chamar de Grime. Se eu fosse produtor de dubstep, talvez as pessoas reclamassem de não ter muitos gritos sintetizados, ou só porque não preenche uma certa regra do gênero. Músicas como “Pulse X” do Youngstar e “Cha” do Plastician também me ajudaram a descobrir meu gosto em termos de criação.

Como você caracterizaria a paleta emocional do grime, principalmente em contraste com o hip-hop norte-americano? Tem alguma coisa nele que eu não consigo explicar, a não ser comparar com clássicos como “Functions on the Low“, que parecem diferentes de “British” na minha perspectiva norte-americana.
Acho que, no rap, muitas músicas foram criadas com uma fórmula já existente. Elas são construídas com um refrão cativante para o público repetir. O Grime nunca foi feito para ter apelo para o grande público. Muitas das músicas na época eram puramente para o DJ tocar numa rádio pirata, então não foram construídas com verso/refrão, era puramente pela vibe. Músicas como “Function on the Low” puderam ser criadas e reconhecidas porque tudo isso tem uma vibe real e sincera. Não que o rap não seja sincero, mas tem muita história e conteúdo nesse gênero, enquanto o Grime nunca teve nada para seguir, na verdade.

Você pode falar sobre suas experiências com rádio pirata?
Eu gostaria de poder dizer que eu era um desses antigos fãs de Grime que ouviam rádios piratas na adolescência, mas por causa da minha idade e localização, eu não pude me envolver com elas na época. A maioria das grandes rádios da época ficava em Londres, então eu não conseguia ouvi-las. Foi quando o Rinse passou a transmitir pela internet que eu pude, pela primeira vez, ouvir uma rádio pirata ao vivo, senão eu só teria ouvido através de fragmentos de rádio, sets gravados ou pilhas de fita cassete de raves e rádio.

Descreva seu processo criativo. Ele mudou muito ao longo dos anos?
Com certeza mudou ao longo dos anos, já que agora tenho mais um público para quem tocar. Discotecar abriu meus olhos e ouvidos para o que as pessoas gostam e até que ponto posso levar meu som. Nunca fui de seguir tendências – sempre preferi fazer as coisas com o elemento surpresa em vez de fazer alguma coisa só para agradar. Prefiro estar no começo da fila e ter seguidores atrás de mim do que atravessar a fila toda e servir a cada uma das pessoas. Isso me ajuda a manter a sanidade!

Sendo um produtor estabelecido, o que você acha da relação moderna entre artistas, mídias sociais e o consumo de música?
Minha carreira começou em uma época em que o MySpace estava bombando, então sempre estive cercado desses caminhos todos que levam minha música a ser ouvida. Sempre achei que tive uma vantagem se comparado ao período anterior às redes sociais. Por causa disso, penso que tenho um dever com o grime de sempre manter as coisas atuais. Coisas como o Soundcloud e o Twitter, quero usá-las por completo porque sei o valor de ter uma plataforma. Acho que é uma coisa que os novos produtores precisam compreender, porque embora hoje haja mais oportunidade de ter as suas coisas ouvidas, você pode ser deixado de lado com a mesma facilidade. Isso me deixa com os pés no chão, atento para criar uma música interessante e nova.

Há pouco tempo você lançou um mix de Eski fantástico. Você pode descrever sua experiência com o som do Eski?
A era do Eski é uma das partes mais importantes da história do grime. Ela se constituiu logo depois do período do garage, e embora tenha elementos dele, conseguiu dar personalidade para o grime poder existir. As batidas se fundiam com sons abstratos e tinham uma vibe fria. Fiz esse mix com o intuito de enxergar o gênero por todos os ângulos, e não só para incluir as faixas favoritas dos fãs. Ice Rink, como eu já disse, foi uma das músicas que se destacou no período, e é por isso que o Eski vai sempre ter uma importância para mim.

Se você dominasse o mundo, proibiria alguma tendência moderna da música em particular?
Não sei, eu ficava irritado com certas tendências, mas essas cenas e gostos se movimentam tão rapidamente que agora está difícil até de ter tempo para absorver tudo. Acho que, se é para achar alguma coisa, eu adoraria ver todos os DJs arrasando com picapes de vinil e CD nos sets. Não tenho nada contra DJs que usam controladores ou apenas um software e um laptop, mas o elemento feito ao vivo no set de um DJ é muito importante. Como frequentador de raves, sair de casa e fazer o esforço de ir ver uma apresentação vale muito mais a pena se você sabe que o show vai ter alguma coisa tocada fisicamente ao vivo.