Música

Como um engenheiro criou o Auto-Tune e revolucionou a história da música

“Believe”, da Cher, lançada em 1998, foi a primeira música a utilizar os efeitos vocais do Auto-Tune, recurso que se tornou onipresente nas produções atuais e que tem rendido enorme sucesso comercial. O mais memorável disso tudo não eram os vocais soarem mecânicos ou sintetizados (algo que certamente já foi feito antes), e sim a forma como os vocais se movimentavam saltando de tom para tom.

Desde que o Auto-Tune da Antares Audio Technology foi criado, a marca se tornou uma referência no mundo da correção e entonação de um som — assim como a Jacuzzi é referência no mundo, err, das jacuzzis. E para muitos, o software também se tornou uma parábola moderna para a música produzida em massa e vendida a um público sem discernimento.

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Se já não bastasse, o Auto-Tune continua a ser usado em todos os gêneros musicais (você os conhecendo ou não). O James Blake tem incorporado um personagem caloroso graças a ele; outros artistas, como o Aphex Twin , apontam para aspectos sobrenaturais e não muitos humanos da maneira mais perturbadora.

Não era algo que você esperava ouvir, uma espécie de pegadinha musical criada para fazer correções sutis e aperfeiçoar a entonação de um cantor. Mas dentre as inúmeras funções do Auto-Tune está a de “discretizar”. Colocar o volume muito alto faz com que a voz sintetizada pule de um tom para o outro em vez de ser alterar de forma suave, contínua e orgânica — o “som Auto-Tune” robótico se tornou famoso graças a Cher e, recentemente, ao Future.

Técnicas para alterar ou refinar uma performance vocal são tão antigas quanto as próprias gravações. O que tornou o Auto-Tune um recurso único foi sua utilização de sinais digitais avançados processando algoritmos. Seu criador, Dr. Andy Hildebrand, usou essas sequências pela primeira vez quando estudava engenharia elétrica na Universidade de Chicago, em Illinois, antes de trabalhar com a Exxon durante 1976 e 1989.

Em 1990, o Dr. Hildebrand voltou a se dedicar ao seu amor pela música (ele tocava flauta profissionalmente quando era mais novo) e fundou a Jupiter Systems, que depois se tornou Antares Audio Technology — a empresa que fez uma fortuna ao lançar o Auto-Tune em 1997.

Talvez de forma surpreendente, o homem por trás da tecnologia (que comemora seu vigésimo aniversário no ano que vem) não seja um executivo nova-iorquino da indústria fonográfica. Na verdade, o Dr. Hildebrand mora em uma pequena cidade em Felton, na floresta da região central da Califórnia, e prefere Mozart do que T-Pain.

THUMP: Parece que muita gente ainda curte odiar o Auto-Tune. Você às vezes se sente como se tivesse criado um monstro?
Andy Hildebrand:
[Risos] Bem, certamente criei algo que as pessoas curtem odiar, disso não tenho dúvidas. Mas, sabe, são as mesmas pessoas que odeiam várias outras coisas também, como pagar impostos, etc. Haters sempre serão haters.

Ouvi dizer que o software do Auto-Tune surgiu do seu trabalho como engenheiro geofísico, enquanto procurava por depósitos de petróleo através do som das ondas quando são atingidas por dinamite.
[RISOS] Bem, isso está totalmente errado.

Eu só crio o carro, não o dirijo para a direção errada da estrada.

Ah, é?
Meu treinamento começou na Universidade de Illinois, onde me tornei PhD [em engenharia elétrica], me especializando em processamento de sinais. De lá fui para a Exxon, e depois abri minha própria empresa [Landmark Graphics] na área de exploração de petróleo, para fazer processamento de sinais em dados sísmicos. Então dá para dizer que sou um profissional em processamento digital de sinais e me dediquei a geofísica, assim como à música. Não houve uma sobreposição entre os dois em nenhum momento específico.

Quando que você se deu conta que aquele método poderia ser usado para corrigir a entonação de um cantor?
Mais ou menos em 1995, estava em uma feira de negócios com alguns parceiros, e dentre eles uma pessoa que estava distribuindo nossos produtos. A esposa dele estava lá e estávamos falando sobre projetos futuros, e ela disse: “Andy, por que você não faz caixinha que me possibilite cantar uma música?”. Olhei para a mesa e todos estavam encarando os pratos, ninguém deu um pio.

E pensei, “cara, essa é uma ideia péssima”. Uns oito ou nove meses depois, comecei a trabalhar em um projeto diferente, me veio na lembrança aquela ideia e pensei “quer saber, isso é bem prafrentex, vou criar isso”. Um ano depois, na mesma feira de negócios, os produtores estavam se amontoando para conseguir um.

[O Auto-Tune] é simplesmente algo novo; algumas pessoas gostam de novidade, outras não.

Em algum momento te incomodou o fato de que as pessoas pareciam mais interessadas no som sintético e “discretizado” em vez da forma que você pretendia que a tecnologia fosse usada?
Bom, fiquei mais surpreso do que qualquer outra coisa [risos]. A primeira vez que ouvi a música da Cher, minha reação foi tipo, “Ela fez isso?”.

Foi assim que me senti quando ouvi também.
Por pouco não incluí aquela função no software, mas me disseram, “Por que não, sabe? Não vai doer”. E simplesmente era pra ser.

Qual é o limite para o uso de tecnologias como o Auto-Tune de maneira artística versus um recurso que “barateia” ou desvaloriza a música?
Bem, isso tudo é muito subjetivo. Você pode fazer essa pergunta para dez pessoas e receber dez respostas diferentes, e no fim não faz muita diferença. Não sou uma pessoa religiosa, mas você precisa ter um certo comprometimento religioso em relação as coisas para poder se posicionar perante a elas. Não digo isso como um discurso de religião organizada, mas você precisa focar no que quer para não acabar aceitando o que aparecer na frente.

Na história da música ocidental, testemunhamos inúmeras inovações em relação a forma como a música é produzida, modificada, gravada e transmitida. Então, de certa forma, o Auto-Tune não é diferente de outras inovações. Imagino que as pessoas ficaram chateadas quando o som estéreo foi inventado. Não importa. É simplesmente algo novo; algumas pessoas gostam de novidade, outras não.

Depois de quase 20 anos do lançamento da faixa “Believe”, da Cher, o Auto-Tune ainda é incrivelmente popular. Na sua opinião, o que explica isso?
Acho que ele deixa a voz humana um pouco “inumana”. Qualquer pessoa acharia algo definitivamente surpreendente de se ouvir. A voz pode soar mais como um sintetizador do que como uma voz humana, mas ainda não é incongruente com a música.

Você consegue se lembrar de algum artista que usa correção de entonação de uma forma que, sei lá, talvez seja um pouco excessiva?
Acho que, de forma geral, ele é usado de forma excessiva na cultura pop. Não quero citar nomes, mas acho que as pessoas começaram a reconhecer quando a entonação de um artista é discretizada, e pensam “Ah, sim, é Auto-Tune”. O que elas não percebem é que o Auto-Tune está presente em muitas músicas, e foi com esse intuito que ele foi criado. Eu só crio o carro, não o dirijo para a direção errada da estrada.

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