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Noisey

Livia Nery convidou a banca de skate Lookdatshit para estrelar seu novo clipe

A compositora e o diretor Tiago Cavalcanti documentam, com um toque de poesia, o cotidiano dos skatistas/artistas soteropolitanos.

Da improvável relação entre uma crew de skatistas e a música de Livia Nery, surgiu o videoclipe de “Vulcanidades”, que você assiste em primeira mão agora aqui no Noisey. Nesse primeiro trabalho autoral, o diretor Tiago Cavalcanti escolheu documentar, por meio de sensíveis imagens, o estilo de vida da Lookdatshit, banca de skatistas-artistas baseada em Salvador. Esse é também o primeiro clipe lançado por Livia e representa mais um passo no caminho que a cantora e compositora baiana vem trilhando de forma cadenciada e preciosa como o instrumental de “Vulcanidades”. Cantando, escrevendo, fazendo beats ou assumindo o mic à frente de soundsystems, aos poucos Livia Nery tem mostrado o trabalho que vem lapidando desde que saiu das portas laterais para a linha de frente dos processos musicais.

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A escolha da música para essa nova produção também se deu de forma espontânea. “Eu lancei esse single no começo do ano, mas quando conversei com Tiago a gente entendeu que essa ainda é uma das músicas mais fortes que eu tenho e era a que mais dava margem a uma criação imagética”, revela. Essa criação veio acompanhada de uma direção de fotografia impecável, trazendo beleza às cenas mais corriqueiras do cotidiano desses skatistas. Os protagonistas dessas imagens formam uma comunidade urbana de jovens vivendo sob suas próprias regras ou quebrando-as, em cima de seus skates ou em estúdios de tatuagem. Do despertar com o sol nascendo no mar até a sessão dos sonhos livre de limites físicos ou regras de manobras, os skatistas da Lookdatshit fizeram o par perfeito com os timbres e versos de “Vulcanidades”. Confirme assistindo o clipe e saiba mais sobre essa história na conversa que tivemos com Livia. VICE: Por que trazer o universo do skate nesse clipe? Você enxerga uma relação desse estilo de vida com sua música?
Livia Nery: Enxergo uma relação sim, primeiro que “Vulcanidades” tem uma forte influência de música eletrônica, hip hop instrumental… que são coisas que eu ouço muito. E porque Tiago me mostrou a Casa da Look (espaço onde a maior parte das cenas foram gravadas) como proposta de protagonismo central desse clipe a partir de uma interpretação baseada no verso “filhos da pós-erupção”. A partir dessa interpretação ele enxergou a conexão com a cultura do skate vivida pela Lookdatshit, que eu vejo como uma comunidade urbana.

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Fala um pouco mais sobre esse verso e a relação dele com a Lookdatshit.
Essa letra não tem uma interpretação muito conclusiva e eu gosto disso, que cada um ouça o que lhe cabe da música. Mas o que eu entendo dessa frase e que acho que conectou com o que Tiago entendeu é que essa é uma geração pós-revolução cultural, que já viu mudanças de comportamento acontecendo em décadas passadas e que vive num momento meio pós tudo. Muita coisa já aconteceu, já foi inventada e dita, né. Mas ao mesmo tempo ainda assim existe muita coisa a ser feita, transformada e essa é uma geração que vive esses desafios de uma forma sutil. O que a Casa da Look me ofereceu de cara foi o fato de que eles vivem como uma comunidade mesmo, no meio dessa babilônia e eu entendo esse registro um documento desse momento deles vivendo juntos. Por um lado meio anarquista e por outro já conectado com dinâmicas da imagem e tecnologias, com o parecer ser, que é algo que essa geração já nasceu inserida. Eles entendem isso e dialogam com isso tocando o foda-se. Essas sutilezas de relação com a mídia, com poderes institucionalizados que eles nem se preocupam em negar porque eles simplesmente nem contam com isso, não tão nem aí. Eu acho isso sinceramente o que há de mais interessante hoje. Pra mim isso é uma fonte de respostas pra várias das paranoias que a gente ainda tem.

E como se deu o contato de vocês com essa galera?
A gente chegou de uma forma bem devagar e respeitosa, por entender que a galera tinha seus critérios de aproximação. Chegamos através de amigos em comum pra uma conversa, só pra ver como ia bater essa relação e pra nossa sorte bateu muito bem. E eles entenderam que a gente queria simplesmente que o estilo de vida deles fosse o que ia ilustrar essa música. A relação de antemão já era de admiração. Acho que é muito admirável quem faz o quer da própria vida e assume a responsabilidade disso. A gente vive as noias do cotidiano, de ponderar muita coisa em função das necessidades e influências externas e é muito admirável quem vive da forma que pensa e assume todos os riscos disso. Acho que no final das contas rolou uma troca mútua. A gente pode observar e conviver com esse estilo de vida e eles também puderam absorver algo com a gente, ter esse momento tão rico da vida deles documentado. A gente sentiu que foi prazeroso pra eles também.

Como foi o processo de produção?
Inicialmente a gente pensava em gravar na Casa da Look e na rua. Mas a gente acabou fazendo no morro, que é onde eles vivem e as cenas de mais movimento foram em estúdio, onde a gente poderia ter um controle maior e criar a atmosfera de sonho que queríamos pro vídeo. Tivemos essa ideia de pintar o estúdio todo de branco e fazer como se ali estivesse acontecendo uma coisa meio onírica, como se eles estivessem indo pra o rolé dos sonhos, livre, sem paredes, sem chão.

Recentemente você fez algumas parcerias com o Ministereo Público, soundsystem que é um dos principais pilares da cultura jamaicana na Bahia. Como foi isso?
Não foi algo muito planejado. Eu já era fã deles, desde as Quintas Dancehall (festa realizada há anos pelo Ministereo), mas só esse ano a gente passou a trabalhar junto, acredito que em função de eu ter direcionado meu trampo um pouco pra esse lado de pesquisas da música jamaicana. Meu show era um show de assistir sentado, em teatro, e naturalmente isso foi mudando pra algo que hoje conversa mais com o corpo. Nossa produtora em comum (Tati Lírio) também ajudou bastante nesse encontro, quando ela viu que eu vinha seguindo esse caminho ela propôs essa parceria e fluiu legal. Eu tenho sorte de estar com pessoas que são da cultura de rua 100%, como o Ministereo Público e a galera da Lookdatshit, até porque eu não sou da rua, eu preciso falar isso. Essa não é exatamente a minha vivência, mas tem muita sinceridade na minha relação com isso e a galera sente. No Ministereo também acho que existe uma troca, eu chego com outras referências que os meninos gostam e aprendo muito sobre essa dinâmica de tocar na rua.

Você já faz música há bastante tempo, mas só de 2016 pra cá “botou a cara” de forma mais intensa. Por que essa demora?
Eu comecei a compor com mais frequência em 2008. Mas eu não entrei na música pela porta da frente, foi pelas laterais. Eu trabalhava em rádio, como produtora de programas de música, entrevistava todo mundo dessa galera aí que hoje são meus colegas. Depois ainda fui trabalhar com edição de som, estudei os programas de áudio e tal. Havia também um pouco de medo, porque a música está num lugar tão caro pra mim que eu pensava “quem sou eu pra ficar dizendo q eu sou cantora, compositora…”. O preciosismo falava muito alto e eu demorei pra me apresentar como uma pessoa que faz música. Do ano passado pra cá realmente os convites foram aumentando, assim como as conexões dentro da música. Eu acho que tudo isso foi natural, do tempo que eu precisei mesmo, até sentir que era a hora de assumir. Às vezes eu me acho meio temporão, aquele fruto que aparece depois da estação. Não que exista uma idade certa pra algo acontecer, mas o que eu tô fazendo agora eu já queria fazer há muito tempo, mas acredito que agora é o tempo certo para as coisas estarem acontecendo mesmo.