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A história do Dreamcast no Brasil que pouca gente lembra

Feliz aniversário, Dreamcast. O último console da Sega, lar de clássicos como Shenmue, Rez e Crazy Taxi, completou 18 anos em setembro, mês em que foi lançado nos EUA — e também no Brasil.

Além de Master System e Mega Drive, o videogame 128-bit da Sega também marcou presença em terras brasileiras, graças à Tectoy, parça de longa data da dona do Sonic, que o trouxe oficialmente por aqui.

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Só que a história do Dreamcast no Brasil tem muitas informações desencontradas e detalhes perdidos pelo tempo. Mesmo quando trocamos uma ideia com pessoas que estavam nos bastidores do rolê, nem todos lembravam as coisas com clareza e há muitas informações conflitantes.

A começar pela festa de lançamento do Dreamcast. É fácil encontrar na internet imagens do convite do evento, que rolou na casa de shows Tom Brasil, em São Paulo, em 20 de setembro de 1999, poucos dias depois do console chegar ao mercado americano.

Convite para a festa de lançamento em 1999. Imagem: Tectoy/Reprodução.

Porém, poucas pessoas que trabalhavam na cobertura de games da época lembram disso. “Olha… eu acho que fui [na festa de lançamento]”, tentou lembrar Renato Viliegas, jornalista que cobriu o lançamento do Dreamcast para a saudosa revista Ação Games. “Honestamente não lembro da festa, mas devo ter ido.”

A maior prova de que a festa realmente aconteceu é uma das matérias feitas na época por um blog chamado “The Legend of Zelda World” (o que é curioso: um site sobre Zelda falar de um videogame da Sega), que conta detalhes do que rolou e com fotos.

Até mesmo o presidente do conselho da Tectoy, Stefano Arnhold, não lembra de todos os detalhes, mas se recorda que foi no evento que todos ficaram sabendo da data exata da chegada do Dreamcast. “Pelo o que eu me lembro, o pessoal ainda não sabia quando o hardware seria lançado e a gente anunciou naquela noite a saída das primeiras unidades da fábrica, em Manaus”, relembrou Arnhold.

Apesar do lançamento ter acontecido em setembro, as unidades só começaram a ser vendidas mesmo nas lojas no começo de outubro, como conta essa outra matéria do “The Legend of Zelda World”. Por isso há tanta confusão sobre o período correto do aniversário do Dreamcast. Para a Tectoy, porém, a data oficial continua sendo 20 de setembro.

O que se sabe de concreto da época é que havia uma expectativa bem forte para a chegada do Dreamcast por aqui, principalmente com todo o sucesso que o console estava fazendo no Japão, onde foi lançado quase um ano antes.

Só que a versão nacional decepcionou os jogadores brasileiros (como mostra a carta de um leitor à revista Ação Games da época). Primeiro porque o console era vendido por um preço bem salgado, na faixa de R$ 900 a R$ 1 mil. Em 1999, isso era muita grana. Convertido para valores atuais, seria mais de R$ 2800.

Em comparação, a edição da revista SuperGame Power 167, de outubro de 1999, comenta que o PlayStation 1, que era importado, custava R$ 550; uma edição nacional do Nintendo 64 com o jogo Star Wars Episode I: Racers, podia ser comprado por R$ 500.

Hoje, a própria Tectoy admite que o preço do Dreamcast era um problema e coloca a culpa na crise financeira que o país passava no momento (algumas coisas nunca mudam, né?). “[O Dreamcast] não foi um console que vendeu volumes muitos grandes, porque era caro, era um aparelho muito robusto e, se comparar com os concorrentes da época [PlayStation1 e Nintendo 64], era um custo de hardware muito alto”, admitiu Stefano Arnhold.

Propaganda impressa de ‘Sonic Adventure 2’ (acima) e ‘Mortal Kombat Gold’ (abaixo). Imagens: Tectoy/Reprodução.

A segunda decepção era que a versão de lançamento do console não vinha com jogos. E olha que Sonic Adventure, The House of the Dead 2, Blue Stringer e Mortal Kombat Gold estavam entre os primeiros games disponíveis no Brasil.

Somente em 2000 um pacote com Sonic Adventure incluso “gratuitamente” começou a ser comercializado. Não é à toa também que o jogo do ouriço foi o game mais vendido do Dreamcast por aqui, segundo dados da Tectoy.

Para completar, o modem que conectava o console à internet e possibilitava jogar online, um dos principais atrativos do Dreamcast, não vinha no pacote lançado no Brasil, para reduzir os custos de produção. O acessório, chamado Dreamcast Link, foi lançado separadamente só em 2001.

Parte da frente (acima) e de trás (abaixo) da caixa do Dreamcast Link.

Por conta de tudo isso, o Dreamcast foi recebido como aquele sonho de consumo que todos queriam, mas que era quase inalcançável, ainda mais com o mercado completamente dominado por jogos de PlayStation piratas “três-por-dez-reais” das barraquinhas de camelô. Quem era daquela época deve se lembrar.

“O Dreamcast só explodiu mesmo quando começou a pirataria nele, aí uma galera foi comprar o console”, contou Renato Viliegas.

Por falar em pirataria, Viliegas também cita um episódio que repercutiu na época: a Tectoy supostamente afirmou que seria impossível a pirataria chegar ao Dreamcast, por ele usar uma mídia diferente do CD, o GD-Rom, e chegaram a oferecer um prêmio para quem conseguisse quebrar a segurança do videogame. “Para mim, eu sei que eles falaram isso”, disse o jornalista.

A história, no entanto, é negada pela Tectoy atualmente. “Isso é um folclore”, afirmou Stefano Arnhold, presidente do conselho da empresa. “Por que que nós iríamos incentivar alguém a tentar quebrar a segurança do Dreamcast? Não tem a menor sentido!”

Stefano Arnhold. Foto: Red Bull/Divulgação.

Para a Tectoy, a pirataria no próprio console foi o real rival do Dreamcast, muito mais do que o PlayStation ou o GameCube, sucessor do Nintendo 64. Segundo Julio Vieitez, que trampou como gerente de produtos da Tectoy na época, a pirataria impedia que a empresa fizesse cortes no preço do videogame.

Hoje Vieitez é presidente da Level Up! Games (responsável por Ragnarok nos anos 2000) e, mesmo depois de 18 anos, ele não acha que haveria uma solução mágica para fazer o Dreamcast bombar por aqui. “Com certeza há várias coisas que poderiam ter sido feitas de maneira diferente, porém creio que não teríamos um resultado similar ao do Master System e do Mega Drive.”

Mesmo com tantos perrengues, a Tectoy ainda apostou no Dreamcast e lançou nacionalmente grandes jogos, como Shenmue, em 2000, Resident Evil: Code Veronica e Sonic Adventure 2, ambos em 2001. Nenhum deles veio com legenda ou dublagem em português; somente os manuais eram traduzidos. Ao todo, a empresa lançou mais de 30 jogos para o console.

Propaganda impressa do Dreamcast em revistas da época. Imagem: Tectoy/Reprodução.

Quando a Sega abandonou o barco e anunciou a saída do mercado de hardware de videogames, em 2001, o Dreamcast continuou sendo comercializado oficialmente no Brasil por mais alguns anos, até meados de 2004, quando a Tectoy deixou de produzir de vez o videogame da Sega.

Mais uma vez, as datas exatas foram perdidas na memória da Tectoy, assim como dados de quantas unidades o Dreamcast vendeu no país. No lançamento, as projeções da Tectoy eram vender 20 mil unidades ainda em 1999 e mais 100 mil no ano seguinte. Inclusive, o número de 20 mil ainda é apontado como o total de Dreamcasts que foram vendidos nos país, mas atualmente nem a própria Tectoy sabe ao certo.

Entre fatos desencontrados e falta de dados da época, o Dreamcast no Brasil não foi o sucesso que a Tectoy esperava, mas esteve longe de ser um fracasso. “Espero que o console tenha ficado na memória e no coração de muitas pessoas”, falou o ex-gerente de produtos da Tectoy Julio Vieitez, responsável pelo lançamento do Dreamcast.

Nas comemorações pelos 18 anos, é uma pena saber que justamente tão pouco foi guardado da história do primeiro videogame 128-bit em terras brasileiras. Não são os parabéns que o Dreamcast merecia.

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