Música

Maratona à Luz do Sol: Dançamos 72 Horas Sem Parar no Secret Solstice na Islândia

black friday

No seu ano inaugural, o Festival Secret Solstice na Islândia parecia ter uma perspectiva verdadeiramente única. Localizado nos arredores da capital Reykjavík, a atração principal do Secret Solstice não foi apenas a beleza serena da Islândia. A festa que rolou em paralelo ao solstício de verão contou com nada menos que 72 horas de luz solar contínua. Nessa tentativa de diferenciar os festivais, a única coisa que todos têm em comum é que quando você se entrega, você se entrega no escuro; ver o sol nascer costuma provocar um certo alívio para quem dançou por 10 horas seguidas, se drogando ou sentando em algum canto. Mas se não há escuridão, quanto fodido você vai ficar? Será que os pervertidos ainda farão sexo nos cantos? Como comprar drogas em plena luz do dia? Onde está a loucura, a diversão – e a vergonha?

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Fomos preparados para um fim de semana sem escuridão, mas do nosso jeitinho. Tínhamos quatro garrafas de vodka islandesa com teor alcoólico de 40% e óculos de sol. Maravilhados, nós dirigimos por todo o sul da Islândia  até chegar a Reykjavík. Com cerca de 120 mil habitantes na capital e 320 mil em toda a ilha, a população local é equivalente à de Coventry – o que é notável, considerando a maravilha do silêncio da ilha que continua a inspirar o coletivo imaginário.

Bandas esotéricas como Sigur Rós e múm são as principais expostações musicais da Islândia, sem falar que metade da população, aparentemente, acredita em fadas. Somando-se a este cenário, durante a viagem percebemos que nunca tínhamos conhecido uma pessoa islandesa ou, mais precisamente, um clubber islandês, fã de música eletrônica e frequentador de festivais. A ilha, o solstício, o povo – tudo era novo e imprevisível.

Reykjavík é um lugar estranho e belo. As estruturas parecem inconsistentemente planejadas: hotéis com entradas de vidro, torres de escritório, moradias isoladas e postos marítimos pitorescos. Há um paralelo estranho entre o vazio e o ocupado. Quando você considera o recente colapso em três grandes bancos da Islândia, essa aura fastasmagórica começa a fazer sentido. Escritórios, hotéis, bancos – os edifícios estão aqui, mas não há luzes acesas, e o que mais vemos são grupos de jovens skatistas que encontram um “país das maravilhas” no trânsito livre e nos grandes espaços abertos. Isso, além do exageradamente  promovido “sol da meia-noite”. Mas o céu está nublado e lança uma névoa opaca sobre tudo. Isso não parece uma cidade se preparando para um festival de música.

O Secret Solstice rolou em um centro de esportes ao ar livre e com muito espaço verde – eram esperadas 10 mil pessoas que já haviam comprado ingressos. O line-up era uma curiosa mistura de antigos artistas eletrônicos, como Massive Attack, Kerri Chandler e Carl Craig e nomes do underground como Jackmaster, Boddika e Paul Woolford. Ainda assim, houve um equilíbrio interessante entre os novo garage britânicos e os Djs de House como os DJ Barely Legal, Jamie Jones, Disciples, Doorly, True Tiger, Ben Pearce e Gorgon City, além de vários shows de hip hop islandês.

É uma cultura que, embora de natureza pequena, acontece todo o fim de semana. Um bando de loirinhos do skate usa bonés de aba reta e jaquetas do Suicidal Tendencies, fumam um baseado e gritam junto nos shows do XXX Rottweiler e Gísli Pálmi.  Valhöll era o palco principal, seguido por outros dois pequenos palcos ao ar livre, Embla e Gimli. Havia também uma tenda chamada Askur, e outra maior, com capacidade para quase mil pessoas, chamada Hel. No geral, o design não era muito diferente de outros pequenos festivais ao ar livre quase hippies do Reino Unido. A capacidade prevista de 10.000 pessoas parecia ambiciosa.

Empolgados pela chegada, mergulhamos nos setlists do Artwork e do Onemans na noite de sexta-feira. O par soou tão desenfreado e afinado, deslizando por UKG, house clássico e vertentes mais experimentais do novo rap dos Estados Unidos. O público, no entanto, não passava de uma dúzia de pessoas. Com a multidão esmagadoramente islandesa também, foi interessante ver como os nativos reagiram aos sons defendidos pelo underground do Reuno Unido. Ninguém dançava mais e os espaços entre os amigos estavam especialmente amplos para músicas que, no Reino Unido, teriam pessoas pulando nas paredes.

Desviando do Oneman, My Nu Leng chicoteou a multidão esparsa com uma seleção linda de grime, garage e house, com MC Chunky fazendo seu melhor. “Este é o som de Ibiza!”, ele entoa, sobre uma mistura instrumental de Wileys, “Morgue” especialmente inspirada e Jimmy Edgars, “Hot Raw Sex”, mas a mistura da localização, da multidão insegura e de um céu nublado tornou tudo quase cool como David Brent. Apesar de toda a incerteza, no entanto, My Nu Leng provou ser uma das apresentações mais alegres do fim de semana.

Por três dias e noite, andávamos lentamente pela multidão por três e pensávamos: “O que os jovens islandeses pensam de disso tudo?”. Ir a um festival pela primeira vez é um rito de passagem, e deve parecer algo de outro mundo para as pessoas que moram em uma ilha onde os bares fecham à 1h da madrugada. Você conta quantos clubs existem nos dedos de uma mão. Isso sem mencionar aquele pessoal que festeja de cara limpa, para poder dirigir por uma hora (ou mais) na volta para casa. Um dos participantes mais animados de My Nu Leng era um homem que logo apelidamos de John Lennon: “A Islândia é um lugar estranho pra caralho”, ele insiste. “Sou meio tailandês e meio islandês e eu ouço muita música do Reino Unido, mas o povo islandês simplesmente não se liga”, diz.

Por quê? Os DJs aqui só tocam “Get Lucky” e “Happy” e não esta música? “Isso é muito difícil para nós aqui, e é por isso que ninguém está realmente dançando”, conta o John Lennon islandês. E essa multidão? “Cara, todo mundo aqui se conhece. Mesmo o pessoal da organização. Metade do pessoal da organização do evento são pessoas que saíam pra curtir juntos e então decidiram fazer um show. Há sempre alguém que chupou o pau de alguém pra fazer um show. É bem incestuoso. Se você gosta de música eletrônica aqui, talvez existam dez pessoas que irão gostar também. Não há underground aqui porque também não há nenhum mainstream. Apesar disso, não estou nem aí, eu só quero dançar”. Vai que é tua, cara, dissemos, e deixamos ele curtindo.

Haviam três garotas islandesas relaxando. “Meu Deus, adorei isso aqui”, falou uma delas com um sorriso gigante no rosto. “Nunca estivemos em nenhum lugar assim antes”, disse outra. Quem vocês estão ansiosas para ver? “Eu não conheço a maioria dos DJs”, todas admitem, mas com os mesmos sorrisos, “nós só queremos dançar.” Vão ver o Jackmaster, dissemos, vocês provavelmente vão adorar. “Legal!” disseram todas juntas, felizes por saberem para onde ir em seguida. É tudo novo e um pouco estranho, mas foda-se, estávamos lápara descobrir. Como clubbers e ratos de festival que somos, muitas vezes mimados por tantas opções em nossa terra natal, foi um modo revigorante de ver as coisas.

À medida que se aproximava o dia, a luz maçante e constante começou a atingir nossa pele. Em quase todos os festivais, a escuridão marca a transição entre hambúrgueres e cerveja para outras porcarias a toda velocidade. Certo mesmo é que quando a escuridão nunca chega, há uma permanete incerteza sobre como agir. Não haviam acidentes com drogas ou adolescentes bêbados. No lugar disso, uma multidão bem comportada estava feliz por receber tudo do jeito que viesse.

Os palcos mais distantes emitiam essa alegria. Foi quando chegamos ao Valhöll novamente para ver o DJ Eats Everything com o Artwork, substituindo o Skream de última hora. Detonando com house clássico de Chicago, techno de Detroit, e big room, mãos em volta da boca para cantar mais alto, era fácil de ver que os DJs eram tão amigos quanto parceiros naquele momento; dançando, rindo e fazendo o anúncio ocasional no microfone sobre o limite de venda de álcool naquela noite. Ao encontrarmos com eles mais tarde, a zueira continuou.

“Posso colocar meus pés no spa do pé?”, pergunta Artwork. “É assim que estamos vivendo, dia após dia”, o Eats Everyhing canta, rindo horrores. Então o que vocês dois acham da Islândia? “Eu gosto!”, diz Artwork, é um lugar lindo e nós nos divertimos muito, mas não acho que os ravers estão prontos para tudo isso. Não hoje – talvez amanhã ou domingo. Apesar disso, acho que nós fizemos um esquenta decente”. 

Essa multidão não é do tipo que você está acostumado? “Na verdade, não, mas são legais – eu pensei ter visto Ed Sheeran na multidão por um segundo. Eu fiquei um pouco deslumbrado”. Você acha que há algum Eater no meio da multidão e da sua legião de fãs? “Espero que sim!”, Eats Everything responde, “Mas isso não importa porque nos divertimos bastante. Não tem ninguém mijando em copos e jogando-os no meio da multidão ou cagando na frente de todo mundo. Todo mundo está se divertindo muito. Esta é a quarta vez que tocamos de costas um pro outro também. Artwork é meu DJ favorito para tocar junto. Temos habilidades muito similares”. Quais são suas habilidades, Artwork? “Eu apeto o play com força. Posso dizer honestamente que nunca apertei o  play e a música não tocou”. O Eats explode na risada: “Ele é muito bom em pressionar o play”. 

No resto do fim de semana, esta separação entre as atitudes britânica e islandesa ficou totalmente evidente. Conhecemos um grupo de amigos de Manchester, que tinha tomado ácido e foram convencidos de que nunca veriam a escuridão novamente e dois rapazes magros de Belfast, que insistiram em comprar aquelas canecas de cerveja Viking e andarem envoltos na bandeira irlandesa. Existia o hedonismo desmedido dessa turma, ao contrário dos locais sempre super tranquilos. Conforme a noite de sábado foi chegando, decidimos dar uma examinada decente na maior das barracas, Hel; em parte por causa de um line-up matador do Jackmaster, Boddika, Paul Woolford e Jamie Jones, mas também porque enfim tínhamos alguma escuridão.

A falta de experiência islandesa em festivais de dance music fez a tenda Hel ficar sempre meio cheia, até as últimas apresentações, não importava quem estivesse tocando. As seleções do Jackmasters de happyhardcore, house e um punhado de rap dos Estados Unidos foram ouvidas por poucos, mas isso não parou Jackmaster. Vendo o grupo pequeno mais feliz na frente, ele jogou cervejas do palco para que o grupo pegasse. “É como uma festa particular aqui!”, ele brinca. Em seguida, porém, foi Boddika, cujo som mais groove levou a multidão arriscar danças mais soltinhas (tipo Thom York). Jamie Jones e Damian Lazarus fecharam a noite de sexta-feira e Kerri Chandler fechou a noite de domingo. Todas as noites foram tão foda e animadas como qualquer outra, se levarmos em consideração o esforço europeu. Sentimos como se a Islândia finalmente estivesse se envolvendo.

Quando a MadTech Records assumiu o palco Hel, incluindo apresentações como Mia Dora e Waze Odissey, Kerri Chandlers comandou uma multidão. Foi animador ver os artistas da MadTech no palco com Chandler, assistindo o tocar os teclados ao vivo como se estivesse no estúdio. Artista dos mais verdadeiros, o estilo de Chandler é sempre o de um escravo do groove: profundo, emocionante, gospel às vezes. Seu set list forneceu à multidão islandesa relativamente não iniciada, uma verdadeira lição na arte da house music. Faixas como do Toddy Terry “Sunday Morning” viram a tensão dissipar gloriosamente, até seu momento final com a execução de “Never Grow Old” do Robert Hoods, o público foi ao delírio, pulando uns sobre os ombros dos outros e gritando pedindo mais.

Humilde como sempre, Chandler agradeceu a multidão e disse que ele iria voltar. Isso gerou a comemoração mais barulhenta de todas e, depois de um fim de semana de festas, observando e conversando com o público da casa, isso compreensivamente rolou. Terminando à uma da manhã, nós tropeçamos na luz do sol. As nuvens finalmente apareceram. O sentido de atemporalidade que nos envolveu durante tanto tempo estava começando a se desgastar, e o Secret Solstice finalmente me fez sentir como se eu estivfesse em um festival que em breve se tornaria regular. Testemunhei algo especial.

Ah, e esse cara? Você é um verdadeiro embaixador.

Você pode seguir Lauren Martin no Twitter aqui: @codeinedrums

Todas as fotos tiradas por Jake Lewis , exceto 11 e 12, tiradas por Jasmin Bell.

Tradução por: Jules Sposito