Relatos de Uma Noite Horrível num Soundsystem da Favela do Sapo

Dancehall no Morro, festa que acontece na Favela do Sapo, zona norte de SP. Foto: Trezeroots

No último sábado (15), um soundsytem de reggae que rolou na Favela do Sapo, no bairro do Jardim Antártica, zona norte de São Paulo, acabou mal, de acordo com seus organizadores. Sem motivo aparente, a Polícia Militar teria dispersado todo mundo com inúmeras bombas de gás lacrimogêneo por volta das 3h20 da manhã. A PM nega, informando que não há registros de ações no dia e local sugerido pela reportagem da VICE.

Um dos organizadores do evento, André* explica que tudo estava tranquilo. “Por volta de uma hora da manhã, a Força Tática passou em frente ao bar [onde acontecia a festa]. Passaram daquela forma que sabemos que não é legal, com a arma pra fora”, relatou à VICE por telefone. A Dancehall no Morro é uma festa em que DJs tocam reggae e dancehall em vinil pelas periferias de São Paulo. O evento costuma acontecer em um bar, mas muita gente fica pela rua.

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Dois dias antes, havia acontecido a chacina em Osasco e Barueri – o que teria deixado a galera ainda mais assustada.

Frequentando o soundsystem pela primeira vez, Juju Denden disse que comia um cachorro-quente em uma barraca quando avistou os policiais pela primeira vez. “Passou um carro de polícia com um guarda apontando a arma pra cara de todo mundo. Tinha um monte de criança correndo na rua.”

Entretanto, tudo corria bem. Segundo relatos de frequentadores, um pouco depois das 3h da manhã, alguns garotos que estavam em um fluxo de funk pela região correram pra dentro da festa. “Um deles, claramente perseguido, com cara de quem estava dando fuga, passou de moto entre a galera”, relata André. Viaturas da Força Tática começaram a surgir. Nesse momento, algumas pessoas gritaram para que todos entrassem no bar. “Tinha muita gente se enfiando lá. Começou um empurra-empurra”, falou Juju. Em questão de minutos, bombas de gás lacrimogêneo começaram a estourar e todo mundo correu, sem entender o que estava acontecendo.

“Olhei pro lado e não tinha ninguém. Aí ajoelhei. Também porque eu estava passando muito mal, não conseguia nem respirar. Um policial perguntou pro outro se tinha sobrado alguém. Nessa hora, eu pensei: ‘Os caras vão atirar em mim’”, contou Juju, que tinha ido à festa pela primeira vez.

Dois dias antes, havia acontecido a chacina em Osasco e Barueri – o que teria deixado a galera ainda mais assustada.

Em meio à nuvem de gás que só aumentava, Juju conseguiu correr até seu carro, que estava estacionado em frente à casa de uma mulher – para quem ela teria pedido, no começo da festa, autorização. Chegando à residência, ela percebeu que havia três viaturas e dois policiais parados “empunhando armas e apontando pra qualquer pessoa que subisse a rua”. Foi o suficiente para deixá-la apavorada. “Na hora que vi, parei no meio do caminho. Eu não sabia o que fazer. Paralisei e fiquei ali. Olhei pro lado e não tinha ninguém. Aí ajoelhei. Também porque eu estava passando muito mal, não conseguia nem respirar. Um policial disse pro outro: ‘Vê se sobrou alguém’. Nessa hora, eu pensei: ‘Os caras vão atirar em mim’.”

O que ajudou foi a dona da casa ter notado Juju na rua e a chamado para dentro. Em instantes, seus amigos apareceram e também foram abrigados. “Na hora em que entramos, os policiais jogaram mais uma bomba na nossa direção, em frente à casa dela.” A amiga dela passou mal. “Ela vomitava muito, muito.”

A cena de terror não terminou quando o som das viaturas desapareceu. Na hora de ir embora, Juju conta ter visto diversas pessoas jogadas pela calçada ainda sob os horríveis efeitos do gás lacrimogêneo, como náusea, tontura, enjoo, olhos lacrimejando e ânsia de vômito. “Depois, vi uma espécie de blitz, e os policiais estavam batendo muito nuns meninos de 15, 16 anos.”

Procurada pela reportagem da VICE, a Secretaria de Segurança Pública não respondeu sobre a ação da PM até o fechamento desta reportagem.

O organizador André explica que as rondas da polícia no soundsystem são comuns. “Na penúltima edição, teve uma ronda normal. Eles perguntaram sobre a festa pro dono do bar e até o parabenizaram pelo evento.”

André e outros organizadores costumam pedir autorização para a vizinhança e explicar do que se trata o evento, que costuma receber pessoas que não moram na favela. “A ideia é levar o pessoal pra dançar, pra conhecer uma coisa nova. Tem uma relação meio política e social, porque temos essa vontade de que as pessoas conheçam essa cultura [do reggae].”

Depois que o susto passou, muita gente deu seu relato na página do evento no Facebook. E outra festa já está engatilhada: ela irá acontecer no dia 6 de setembro no mesmo local. Ótima notícia pra quem não pôde curtir o primeiro e, principalmente, pra um dos caras que teve o flerte interrompido pela polícia, conforme ele mesmo descreveu no evento da festa: “Procuro uma mina que estava de olho em mim bem na hora em que aconteceu os bang”.

*O nome foi trocado a pedido do entrevistado