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De Keira Knightley a Kim Kardashian, as famosas reivindicam o corpo feminino

Fotografia de Jean-Paul Goude. Estilismo de Alex Aikiu. ​Paper Magazine

A menos que tenhas estado numa aldeia, sem wi-fi nem 3G, ou que tenhas o router avariado, tenho a certeza que viste as fotografias da Kim Kardashian com um flute apoiado no seu memorável rabiosque. Também deves ter visto o topless – sem Photoshop – da Keira Knightley por aí. O número de famosas, que se despem em prol do poder das mulheres, é cada vez maior. Mas quando se trata de posar nua, onde é que está a linha que separa a reivindicação do corpo feminino, e a atitude perpétua que o reafirma?

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No início deste ano, produziram-se mais de 500 acidentes leves nas estradas de Moscovo, por causa de um anúncio que enfatizava o peito de uma mulher, situado perto de um cruzamento. Um dia triste para as mulheres e para estes condutores, mas um dia feliz para os trolls do Facebook e do Instagram que agora sim, têm uma razão para queixar-se dos mamilos: se os mostras podes provocar acidentes. Mas foi ainda mais triste, aquele dia em que alguém decidiu hackear a conta de iCloud de mais de 100 famosos (dos quais 99,9% eram mulheres), ​e publicou as suas selfies mais íntimas, para o uso e deleite de toda a gente. Embora sejam casos muito diferentes – os anúncios eram imagens retocadas até dizer chega com o objectivo de “coisificar” os peitos, enquanto que as outras eram imagens privadas de figuras públicas, completamente expostas, e sem editar -, ambas são exemplos do corpo feminino reduzido a um objecto, para os olhos do homem. Se juntarmos a isto a cultura do porno vingativo, dos memes sexistas, e o auge de idiotas misóginos como o Julien Blanc, podemos dizer que 2014 foi todo um reto para o sexo feminino. No entanto, as celebridades são cada dia mais conscientes, e as coisas começam a mudar.

Scout Willis, a filha do Bruce e da Demi, tirou a camisola e passeou pelas ruas de New York (onde não é ilegal andar com as maminhas ao léu) como parte da campanha global #freethenipple. Pouco depois, a sua irmã Tallulah tirou a roupa interior enquanto falava sobre as facetas da beleza e sobre a realidade de viver com dismorfia corporal. O último caso foi protagonizado por Rihanna, que nos mostrou os seus mamilos nos prémios do CFDA (o sindicato de moda dos criadores americanos), possivelmente como resposta à censura da sua conta de Instagram cada vez que podíamos ver-lhe as auréolas (coisa que o Instagram, sinistramente, rotula de “caso de abuso”). A Cara Delevigne e a Miley também se uniram a esta causa: a primeira tapou os ditos cujos com luzes e sinais de trânsito, e a segunda com emoticons.

Fotografia de Patrick Demarchelier. Estilismo de Elin Svahn. Interview Magazine

Na luta pela reivindicação de um corpo que foi inúmeras vezes submetido à manipulação fotográfica (com um aumento óbvio do seu peito para o poster de Rei Artur), a Keira Knightley aceitou posar em topless para Patrick Demarchelier, com uma condição – nada de Photoshop. “O meu corpo foi manipulado vezes sem conta, e por razões que eu desconheço”, conta-nos. “Acho que os corpos das mulheres são campos de batalha e a fotografia tem parte da culpa. Tens que ter muito talento para retratar o corpo de uma mulher tal e como é na vida real, embora por si só já seja bonito…Vivemos numa sociedade muito fotográfica e cada vez é mais difícil ver a variedade das formas femininas”. A Keira é alta, bonita e magra (o seu corpo poderia competir com o da Barbie), e por isso não traz muita variedade ao tema que estamos a explorar. Mesmo renunciando ao Photoshop não desvela nenhuma estranheza, tem uma beleza ideal, mesmo sem retoques. No entanto, numa indústria onde as actrizes são escolhidas pelo seu aspecto e não pelo seu talento, a rejeição da perfeição hollywoodense protagonizada pela Keira deveria ser tão elogiada como qualquer outra.

O escândalo do hacker das famosas fez-nos entender como a sociedade está obcecada com as celebridades. Os fãs sentem-se no direito de saber tudo sobre a sua estrela favorita, pelo simples facto de que são figuras públicas. Tipo, com quem trocam mensagens, ou o que fazem na cama. Essa é a razão pela qual as selfies de baixa resolução da Jennifer Lawrence, da Kate Upton e da Bar Rafaeli, em poses particularmente descaradas, foram tão populares: são mulheres no seu momento mais íntimo, e ao mesmo tempo, na sua fórmula mais exposta. Por sua parte, as fotos da Keira são o resultado de uma decisão consciente de revelar uma parte do seu corpo ao natural. Ao exercer o direito de mostrar o seu corpo, como e quando lhe dá na gana, reafirma o controle que tem sobre ele, e fá-lo usando os mesmos meios que se utilizam para converter as mulheres em objectos.

A Kim é uma vítima do porno vingativo (na internet circula material explícito sem o seu consentimento), mas escolher posar nua pode devolver-lhe força e o controle sobre a sua imagem. Há mais nestas fotografias do que o olho pode ver. Numa das fotografias da Paper aparece uma Kardashian nua, besuntada em óleo e hiper-sexual, que acentua o seu rabo para que todos o vejam, enquanto que noutra está metida dentro de um vestido de PVC, e apoia um flute de champanhe em cima das nádegas (uma pose muito parecida a uma fotografia a preto e branco de Goude, tirada em 1982, com a modelo Carolina Beaumont, que por sua vez nos faz pensar em Saartjie Baartman, uma mulher sul africana que foi trazida a Londres no século XIX, para ser exposta num freakshow).

Ao mesmo tempo que o topless da Keira foi elogiado nas redes com inúmeros hashtags, as fotografias de Kim foram tema de grande debate. Mas não deveria ser assim. É verdade que as fotografias da Kim a mostram como um objecto sexual, e sim, podem ter conotações racistas, mas quando se trata da reivindicação do corpo feminino, e da recuperação do controle de uma mulher sobre a sua imagem, não é a maneira como o fazes que importa, mas sim a mentalidade que está por trás desse gesto. As mulheres são quotidianamente reduzidas a objectos, e por isso vivemos o momento em que é importante que se levantem, e reclamem o que é seu.