De Volta À Prisão com o Homem que Tentou Assassinar Gaddafi

Vinte e seis anos atrás, Azeddine Madani teria feito qualquer coisa para escapar de sua cela na notória prisão Abu Salim em Trípoli. Hoje, ele discute com os guardas armados tentando voltar para lá.

Estamos aqui para participar de uma cerimônia organizada em homenagem aos prisioneiros políticos de Abu Salim, parte das celebrações que marcam os dois anos da revolução líbia. Essa é a primeira vez que Azeddine volta para a prisão desde que foi libertado. Ele quer achar sua antiga cela, mas nos disseram que uma delegação de oficiais de alto escalão precisa terminar de conhecer o interior da instalação antes que qualquer ex-prisioneiro possa entrar.

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Azeddine foi encarcerado na prisão de segurança máxima em 21 de agosto de 1986, depois de participar de uma tentativa fracassada de assassinar Muammar Gaddafi na Praça Verde em Trípoli. Foi a primeira vez que um grupo de civis tentou assassinar o ditador e, depois que Gaddafi ficou sabendo do plano, se recusou a falar em público na praça até fevereiro de 2011 — 25 anos e duas semanas após o começo da revolução que o derrubaria.

Azeddine cresceu em Bougeiba, naquela época uma das vizinhanças mais perigosas de Trípoli, onde a luta por reputação e pelo controle do comércio ilegal de álcool era a principal escolha de vida dos jovens. Mas logo que perdeu o interesse por aguardente caseira e brigas de canivete, ele começou a explorar seu interesse em política imprimindo e distribuindo panfletos com seus amigos, uma tentativa de minar a máquina de propaganda de Gaddafi.

“Escrevíamos principalmente obituários”, ele explica. “Sempre que o regime executava alguém, eles costumavam contar todo tipo de mentira a respeito e, se você conhecia essa pessoa, era impossível simplesmente ficar ouvindo e deixar que eles espalhassem essas mentiras.”

Apesar de ajudar a produzir e distribuir centenas de panfletos, Azeddine evitou entrar em confusões sérias com o regime até intensificar suas atividades políticas e se tornar parte do plano para assassinar Gaddafi com um grupo de amigos. “A gente não aguentava mais”, diz Azeddine. “Vivíamos dizendo um ao outro que isso não podia continuar, que alguém precisava tirar aquele cara do poder. Um dia percebemos que ninguém mais ia fazer isso, então começamos a trabalhar num plano.”

Um dos membros do grupo, Jamal Ben Essa, alugou um apartamento perto da Praça Verde com uma vista desimpedida para o palco onde Gaddafi iria discursar. Com alguns outros amigos, Azeddine armou um esquema para conseguir armamento, invadiu um complexo militar de Gaddafi do outro lado do quartel-general de Bab al-Azizia e roubou uma arma com ajuda de um contato interno. “Era uma metralhadora pesada, daquelas feitas para serem montadas em veículos”, ele diz sorrindo. “Ela teria feito picadinho dele.”

Mas o plano não era para dar certo.

“Eu não tinha ideia de que algo tinha dado errado”, Azeddine relembra. “Fui pego numa sorveteria. Quando eles me agarraram por trás, achei que eram só meus amigos brincando comigo e comecei a lutar com eles. Mas então vi quem realmente eram e congelei.” O que veio depois foi a revista do apartamento alugado, onde a polícia apreendeu a metralhadora, a máquina de estêncil que o grupo usava para imprimir seus panfletos e uma variedade de outras armas. Eventualmente, 15 membros do grupo foram presos e Azeddine foi sentenciado à morte.

Enquanto Azeddine me conta sua história, a cerimônia começa com paraquedistas saltando de um helicóptero e uma série de discursos. Um dos oficiais chama a prisão de “um símbolo do episódio mais brutal da história da Líbia”. Ele diz que ela deve ser preservada para prevenir que opressões assim aconteçam no futuro. Apesar das boas intenções, não parece que muita coisa mudou: poucas semanas atrás, a Human Rights Watch publicou um relatório afirmando que detenções ilegais e torturas continuam a acontecer na Líbia, com milhares de pessoas sendo mantidas em prisões por milícias e grupos armados, tudo muito além do controle dos militares ou dos ministérios do interior e da justiça.

Depois dos discursos e do término do passeio dos oficiais pela prisão, os guardas se colocam de lado. Entrando pelos portões, Azeddine está com os punhos cerrados e diz estar sentindo arrepios.

No primeiro bloco de celas há uma exposição documentando a história do presídio, com baias mostrando o que os prisioneiros comiam e como eram torturados. Para tentar recriar a atmosfera da prisão, um aparelho de som toca uma gravação que tenta simular o som dos prisioneiros sendo torturados e, no final do corredor, alguns ex-detentos mostram como apanhavam usando manequins vestidos com o uniforme da cadeia amarrados a uma grade de metal. Uma visão bem estranha.

Um homem me mostra a foto de seu pai, vendado e usando um macacão da prisão. Os dois foram presos em Abu Salim, mas só o filho sobreviveu. Outro me conta a história de como foi ser preso em 1996, algumas semanas depois do massacre em Abu Salim onde 1.200 prisioneiros foram mortos em poucas horas. Ele diz que “o lugar todo tinha cheiro de morte” por causa do muitos corpos em decomposição que ficaram armazenados na prisão antes de serem desovados.

Quando finalmente achamos a antiga cela de Azeddine, seus ex-conspiradores e colegas de cela, Jamal Ben Essa e Idris Abugrara, já estão do lado de fora dela. Azeddine e Jamal apertam as mãos, depois agarram Idris e o jogam para dentro da velha cela. Jamal corre a tranca, os dois batem as mãos e riem. Azeddine, Jamal e Idris foram eventualmente liberados em 1988, quando Gaddafi “libertou” os presos ao vivo na TV estatal, abrindo pessoalmente um buraco numas das paredes com um trator e apertando as mãos dos prisioneiros recém-libertos enquanto saíam.

O ato de liberar seus próprios prisioneiros políticos fazia parte da “revolução dentro da revolução” de Gaddafi, que também incluiu reformas econômicas e novas restrições aos comitês revolucionários, que Gaddafi culpava publicamente pela tortura e opressão que saturavam a sociedade líbia. Apesar de todo o alarde, essa fase da ditadura de Gaddafi não representou uma mudança genuína na sua direção. Os comitês revolucionários continuaram tendo o mesmo poder de antes e o ato de libertar os prisioneiros de Abu Salim não passou de um golpe publicitário vazio. Outras prisões políticas continuaram operando normalmente e a própria Abu Salim foi logo repovoada com líbios suspeitos de se opor ao regime.

Depois de sua libertação, Azeddine recebeu inúmeras ofertas para trabalhar em altos cargos em empresas estatais, mas recusou todos. “Eles queriam ficar de olho em mim. Também queriam tentar me corromper”, diz ele. Por fim ele decidiu se mudar para a Dinamarca, que tinha lhe oferecido asilo, e só voltou para a Líbia alguns meses antes de nossa visita a Abu Salim.

Voltando para a cidade, paramos para comprar um kebab e ele conta entusiasmado sobre seu novo trabalho numa escola para crianças deficientes. Mas meditando sobre o tempo que passou em Abu Salim, ele diz: “Sabe, nunca mais vivi entre tão boa companhia. Todos os prisioneiros eram homens educados e de princípios. Quase sinto saudade daqueles dias, mas graças a Deus eles acabaram quando tiveram que acabar”.

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