Descobri que era HIV positivo num bar gay

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Sou um homem gay de 49 anos soropositivo. Se você já leu meu trabalho, isso não é novidade. Sempre digo isso. Mas acho que é importante dizer, da maneira mais pública possível. Porque não estamos sozinhos.

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Quando não estou escrevendo ou envolvido nos meus relacionamentos, trabalho em portas de bares gays em Los Angeles, nos EUA. É um trabalho que adoro, porque vejo toda a amplitude da minha comunidade, de um ponto de vista que me mostra como nos unimos para ir além de nossas falhas e, em certos momentos, nos tornarmos algo magnífico.

Em LA, organizações de serviço social como a AIDS Healthcare Foundation usam vans para fornecer testes de HIV gratuitos. Eles estacionam em frente a bares gays como o Eagle ou bairros queer como West Hollywood em noites movimentadas. Em menos de 15 minutos, você faz seu teste e recebe o resultado.

Alguns meses atrás, trabalhando na porta do Eagle, assisti um cara jovem andar até uma dessas vans. Quando ele saiu, percebi que as coisas não tinham saído como ele esperava.

Vamos chamá-lo de Patrick. O vi várias vezes no bar — ele é um cara legal e sossegado de 20 e poucos anos. Contador de uma produtora. Um cara normal.

Depois de sair da van, Patrick andou até mim, parecendo desnorteado.

“Tudo bem?”, peguntei enquanto conferia seu documento de identidade.

“Posso sentar um pouco?”, ele perguntou, indicando meu banco.

Um funcionário do bar notou que Patrick parecia tonto e me perguntou se estava tudo bem. Pedi que ele trouxesse uma garrafa de água.

“Por que fui entrar naquela van?”, ele perguntou, de repente, olhando pra mim. “Por que não esperei até ver meu médico?” “Não foi o que você esperava?”, perguntei. Talvez tivesse sido melhor dizer algo mais profundo. Mas honestamente, sou só o cara da porta. Não tem um livro de dicas para merdas assim.

“Eu deveria encontrar amigos hoje à noite”, ele continuou. “Como posso sair por aí conversando sobre qualquer besteira agora, sabendo…” Ele pegou minha mão. “O que faço agora?”

“Também recebi um resultado de positivo numa dessas vans”, eu disse. “Foi no Fautline. Depois de umas cervejas no domingo. Eu estava trabalhando na porta. Eu não fazia ideia quando entrei na van. Nem pensei nisso.”

Lembro o momento em que o conselheiro me deu o resultado. O mundo desmoronou. Eu ouvia o que ele estava dizendo, mas não entendia o significado. Quando ele me deu um cartão para uma consulta, com data e hora para ver um médico, enfiei o papel no bolso e saí tonto pela porta, provavelmente como o Patrick.

Voltei para o meu posto na porta do bar. Tentei sorrir e flertar com os caras como se tudo estivesse normal, mas não conseguia esquecer aquele sentimento: como se meu mundo estivesse caindo, caindo por todos os lados.

Meu amigo Kevin saiu do bar para sua pausa. Olhei para ele e comecei a chorar. Contei ao Kevin e ao meu gerente o que tinha acontecido. Perguntei se podia ir para casa. Eu precisava ver meu marido, Alex, precisava contar a ele. Meu gerente disse que também era soropositivo, e que eu ficaria bem. É assustador agora, ele disse, mas nos próximos dias você vai procurar o médico, começar a tomar os remédios, e logo isso não será a coisa mais importante da sua vida. Logo, ele disse, você vai quase esquecer.

Não acreditei nele na época.

Kevin me levou de carro para casa. Paramos a um quarteirão de distância e eu ensaiei o que diria ao Alex.

“O que ele fez?”, Patrick me perguntou quando contei minha história.

“Ele me abraçou”, eu disse. “Eu não conseguia parar de chorar e ele não me soltou. Ele ficava repetindo que tudo daria certo. Que ficaríamos bem. E ele tinha razão. Você está lidando muito melhor com isso do que eu.”

Rimos. Ele não soltou minha mão o tempo todo.

Alguns caras que estavam por perto se aproximaram de nós. Um deles disse ao Patrick que ele também era soropositivo, que tinha um médico ótimo e que podia passar o telefone para ele, e que eles poderiam ir à consulta juntos. Outro cara disse que seu namorado era soropositivo, e que era um atleta profissional saudável e feliz.

“Você não se importa de ele ser soropositivo?”, perguntou Patrick. “Você não tem medo de pegar?”

“Você se educa”, o cara disse. “Como com qualquer coisa, você se educa e descobre com o que está confortável, e juntos, vocês fazem as coisas darem certo. Amo ele. O fato de ele ter HIV não é nada comparado a isso.”

Alguns minutos depois, os caras levaram Patrick para dentro do bar para tomar umas cervejas. Foi uma visão muito linda — uma comunidade se unindo para cuidar uns dos outros.

Lembro de outra vez, trabalhando na porta do Faultline numa noite de sábado, quando outro cara emergiu de uma das vans com o mesmo olhar de confusão e medo. Mais tarde, ele me disse que seu nome era Mike. Conversamos por alguns minutos. Ele me disse que ele e o namorado tinham decidido fazer o teste juntos.

“Por que fizemos isso?”, ele disse, com quase o mesmo tom que ouvi do Patrick depois. “O resultado dele deu negativo. Nunca me ocorreu que um de nós…”, ele parou.

“Ele entrou no bar para buscar cervejas para nós. Para comemorar. Preciso contar a ele.”

Eu queria contar ao Mike sobre o Alex — como ele tomou conta de mim quando contei. Como isso não significou o fim do nosso relacionamento. Eu queria dizer a ele que tudo ficaria bem.

Mas eu não conhecia o namorado dele. E não tinha como saber se aconteceria o mesmo com eles.

Uma hora mais tarde, os dois saíram correndo do bar. O namorado do cara estava furioso. Bêbado. Ele ficava gritando coisas como “Seu puto! Você tem AIDS! Vai se foder!”

Mike estava chorando. Implorando para o namorado não deixá-lo.

“Por favor”, ele dizia. “Não vá.”

Assisti, chocado, enquanto o namorado entrava no carro e ia embora.

Ficamos parados ali, nós dois, depois daquele momento. Abracei o Mike. Depois de alguns minutos, seus amigos vieram procurando por ele. Mike contou o que tinha acontecido. Eles o cercaram e o abraçaram, dizendo quanto o amavam.

“Ei”, eu disse, enquanto os amigos o levavam para comer alguma coisa. “Vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem.”

“Não acredito”, ele me disse.

“Mas vai. Prometo.”

Quando você sente que o mundo está desmoronando ao seu redor, é fácil ter medo. Pensar que ninguém nunca mais vai te amar. Em muitos momentos me senti maculado, sujo e impossível de amar, mas todas as vezes, a comunidade me cercando me protegeu e tomou conta de mim.

Quando assisto as notícias agora, as crueldades a que membros da minha comunidade são sujeitos no mundo, a guerra sendo travada contra a comunidade LGBTQ nos EUA, penso no Patrick e no Mike, e nos homens que se juntaram para abraçá-los e protegê-los. Penso naqueles que fizeram o mesmo por mim. Penso em como somos fortes. Todas as bichas e viados como nós, garotos por aí lutando com sua identidade de gênero, aqueles que se destacam na nossa comunidade e se recusam a recuar: Somos mais fortes do que aqueles nos condenando por quem amamos, por quem somos.

Somos corajosos.

Sou um homem gay de 49 anos soropositivo. E não tenho vergonha. Tenho orgulho de quem sou. Tenho orgulho da minha comunidade. Tenho orgulho do Patrick e do Mike.

E devemos todos ter orgulho. E foda-se quem diz o contrário. Eles não nos conhecem.

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Tradução: Marina Schnoor

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