A comunidade brasileira do YouTube ficou bem brava nas últimas semanas. A razão: foi descoberto que pelo menos um canal usava uma prática fraudulenta para impulsionar o número de visualizações de vários vídeos. E não era pouca coisa: alguns dos arquivos conseguiam chegar fácil a um milhão de views.
A malandragem foi exposta por um usuário do youtube chamado Amonymous. Tudo começou quando este cara foi ver um vídeo com o título “os melhores filmes de Quentin Tarantino” do canal Café & Cinema. O arquivo em questão tinha mais de 1,2 milhão de views e o canal contava com cerca de 10 mil inscritos, o que causou certo estranhamento, já que é difícil ter muitos views sem uma grande base de inscritos — a não ser que seja linkado por alguma fonte de acesso gigante.
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O Amonymous, então, com a ajuda de um serviço chamado VidIQ, que exibe insights sobre vídeos postados na plataforma do Google, resolveu dar uma olhada no que estava acontecendo neste vídeo. Uma das informações mostradas pela ferramenta é que uma das fontes de tráfego era um site de anime, especificamente um endereço com um vídeo de um episódio do Naruto.
A pergunta mais óbvia disso é: por que a nação naruteira (que adora correr com os braços para trás) passou a se interessar pela obra do Tarantino?
E é aí que a fraude aparece. A página com animes conta com uma codificação espertaça. Nela, tem um vídeo de um episódio do Naruto e, estranhamente, todos os itens são clicáveis. Quando alguém dá o play, um script em segundo plano executa um vídeo do Café & Cinema sem som e de forma oculta. Isso é importante, pois a duração do tempo do anime é superior a dos vídeos do canal. No fim, tudo indica para a plataforma do Google que ele tem uma alta taxa de retenção: quem começa a ver o vídeo vai até o fim — o que é considerado uma das métricas mais importantes para o YouTube.
Segundo o Amonymous, o dono do canal colocava diariamente um arquivo do canal nesse esquema como não-listado (o vídeo está publicado, mas é só acessado por meio de um link) em diversas páginas com episódio de Naruto. Após ganhar certa audiência, mudava o status para público, o que fazia com que alguns vídeos do canal figurassem na guia “em alta” na página inicial do YouTube.
“O julgamento feito pelos próprios usuários mostra que a prática foi rejeitada, pois falsifica a métrica”
A comunidade youtuber ficou bem puta. E chamou atenção a participação dos próprios criadores de conteúdo em protestos. Após o primeiro vídeo, surgiram vários youtubers emitindo seus juízos por meio de postagens. “É importante ressaltar que a plataforma faz parte de uma comunidade. O julgamento feito pelos próprios usuários mostra que a prática foi rejeitada, pois falsifica a métrica. O caso é infeliz, porém vai servir de exemplo para quem se aventurar a burlar”, afirma Eric Messa, coordenador do núcleo de inovação e mídia digital da FAAP.
Uma das principais vozes críticas à fraude das visualizações é o youtuber Cauê Moura, que produz vídeos desde 2011 na plataforma e conta com mais de 4 milhões de inscritos em seu canal.
“Isso não é só desleal com as pessoas que estão fazendo conteúdo de verdade, mas também isso acaba com a credibilidade da ferramenta, pois o YouTube trabalha com publicidade”, disse, em vídeo. “Há milhões de reais sendo investidos anualmente por marcas gigantes que acreditam na ferramenta e que não vão gostar de saber que existem pessoas exibindo anúncios invisíveis. Espero que o YouTube já tenha percebido a gravidade e tome as medidas cabíveis.”
Pode parecer meio óbvio, mas vale ressaltar que, além da questão ética, há dinheiro envolvido na jogada. Canais que são parceiros da plataforma podem faturar alto ao exibir publicidade e elas forem clicadas pelos usuários. São poucos centavos de dólar por clique, mas pensa na grana que alguém pode ganhar tendo milhões de visualizações.
Segundo uma estimativa do site Social Blade, uma ferramenta de análise de redes sociais, perfis como o de Cauê Moura podem ganhar por mês no mínimo US$ 2,2 mil, considerando o número de assinantes e a taxa de visualização de vídeos.
Procurado pelo Motherboard, o YouTube Brasil disse que não comenta casos específicos. No entanto, a plataforma afirma que tem mecanismos para detectar fraudes e que presta atenção nos reports enviados pela comunidade de usuários. Além disso, quando são detectadas infrações, dependendo do tipo, um vídeo pode ser excluído ou o canal pode ser apagado.
O canal Café & Cinema foi apagado da plataforma junto de seus arquivos. Porém, não se sabe se foi o YouTube que apagou ou os próprios donos. Tentamos contato via e-mail e via mensagem no YouTube (quando o canal ainda estava ativo), porém os responsáveis pelo Café & Cinema não responderam.