Dez tipos de pessoas que vais encontrar no Milhões de Festa


Fotografia por Paulina Skrok

Este ano, o Benfica voltou a não ganhar nem o campeonato (nem a Taça, nem a Liga Europa). Por isso, a prometida peregrinação de milhares de chefes de família —– com hálito a traçado e possível historial de violência doméstica —– a Fátima, com passagem obrigatória pelo Marquês de Pombal, foi adiada pelo próprio Jesus. O Jorge. Assim sendo, a maior romaria de gente com bigode do ano está prometida para o final de Julho e tem Barcelos, capital europeia das sdds (facebookês para “saudades”), como destino.

Está a chegar o Milhões de Festa. O festival cujo tempo de recuperação é, precisamente, um ano — seis meses de nostalgia, chorar pelos cantos por mais, juntar peças de um puzzle enevoado ou possivelmente acordar do coma nesse período, mais seis meses de preparação para a edição seguinte, entre poupar dinheiro, escolher biquínis e fazer outros planos que raramente se concretizam, entre palpites sobre quem vai (fica para a próxima, pequeno Saúl) e ouvir, pelo menos, o single conhecido das bandas das quais nunca ouvimos (e que são só todas) — já faz o coração de muita gente palpitar, numa tusa maior e mais inexplicável do que qualquer rabo que apareça na televisão.

Mesmo que andem demasiado absorvidos pela crise, ou à procura de trabalho, não precisam de não estar a par de tudo o que vai acontecer em Barcelos, por isso segue-se o próximo passo — quem podem vir a encontrar por lá. Para que passem a ferro o vosso melhor fato (de banho), aparem as patilhas e saibam quem vos está a oferecer um fino.

OS FAMOSOS
Começo por cima, mas não necessariamente por alguma ordem. Neste festival não vão encontrar uma tenda VIP cercada de seguranças com o dobro da vossa massa corporal e provavelmente também não vão ver a Soraia Chaves (quer dizer…), nem o Diogo Morgado. As celebridades locais não terão protecção especial, por isso lembrem-se de ser civilizados e cordiais se por acaso se cruzarem com, digamos, o rabo da Carolina Torres — ouvi dizer que está actualmente numa relação com o penso da cara do Nelly de 1999, pelo que não têm grandes hipóteses de qualquer das formas. Também não interpelem o Hélio Imaginário enquanto ele estiver a dar um dos seus famosos saltos de cu para a piscina, ou podem acordar numa cama de hospital. Lembrem-se que ele ainda não recuperou totalmente da experiência traumática proporcionada pela TVI.

A INTERNET
Pois é, a internet vai estar em peso em Barcelos. É a única altura do ano em que pode sair na boa da cave da mãe durante o dia e exibir a sua palidez extrema e excesso de peso (ou falta dele) em público, sem grandes consequências para além dos escaldões. Contem estar na mesma fila de espera com gente das webzines e sites afoitos, trolls do Facebook e dos fóruns (ainda existem?), os maiores críticos das vossas bandas, músicas e eventos preferidos. Podem bater-lhes e chamar-lhes nomes, mas não os alimentem, nem lhes tirem fotografias de frente, por favor. E lembrem-se que, se têm acreditação, estão a trabalhar, até quando se estão arrastar pelo chão.

OS RUIS
Por falar na internet, lembrar-se-ão, certamente, do affair Rui Gameiro, o tipo que foi às manhãs da SIC declarar-se hipster. É bastante possível que o vejam a passear-se pelas ruas de Barcelos, ladeado de outros Ruis, vestidos de forma estranha e desconfortável, com bigodes irónicos e calções apertados no rabo, a conversar sobre as ausências de Ty Segall ou BADBADNOTGOOD no cartaz, ou de como se masturbavam a pensar em Mykki Blanco antes de ser fixe.

AS TRIBOS
Mas desenganem-se se acham que só vão ver tipos de calções de ganga e camisolas às riscas, óculos de massa. Felizmente, o que não falta neste festival é diversidade. Existem mamas de todos os tamanhos e feitios, para ninguém se queixar ou aborrecer. E hão-de conhecer metaleiros, que são a melhor companhia para pagar cerveja, pessoal indie que só se quer encostar a algum lado de mãos nos bolsos a curtir, que são os melhores para se cravar cigarros, e os rockeiros e betinhos que houver entre esses extremos. A melhor parte é que todo este pessoal não se distribui por lotes, misturam-se num público bastante heterogéneo que está ali para sentir, para viver e para conviver. Era sobre isto que escreviam música os Beatles e o Michael Jackson, e é isto a melhor coisa que tenho a dizer sobre o festival.

OS ÍCONES
Não é todo o festival que se pode gabar de ter personagens icónicas ligadas às suas raízes. E não falamos apenas dos dinossauros que guardam a entrada do recinto (e que esperamos ver de volta, depois da ausência do ano passado, em que só se viram galos gigantes e barreiras da Câmara Municipal de Vila Verde). Seres estranhos e misteriosos como o Homem de Branco, gente da casa com gostos e costumes peculiares como o Kikas, bonecos que fazem moche nos concertos mais brutos, como a girafa insuflável Gina, e até mesmo essa entidade divina, facilmente distinguível pela crina e pela tatuagem épica do triângulo do festival que é seu, o Fua.

OS BARCELENSES
Nem todos viajamos seis ou sete horas para chegar à terra do galo. A população de Barcelos anda por lá o ano inteiro e não tem nada melhor para fazer durante os quatro dias de festival. Felizmente são gente afável e simpática (fora as peixeiras em dia de mercado, essas são só assustadoras), que não se importará de vos mostrar a cidade e de vos fazer sentir bem-recebidos. Geralmente com uma garrafa à mistura e com uma tenda montada no parque de campismo, apesar de morarem a dois quarteirões do recinto. Mas eu se calhar também não quereria ter familiares a ver as minhas figuras de madrugada.

OS TURISTAS
Há quem vá só para ver as vistas. E as vistas aqui não são só tipas a fazer topless na piscina. Afinal, Barcelos é uma cidade histórica com muito para ver. Os turistas quererão estar atentos aos barcelenses, indicados no ponto anterior, porque são mesmo a melhor gente e os mais indicados para fazer de guias, especialmente se procurarem pelos concertos do dia zero. Sugiro-vos desde já o Bar do Xano e o Xispes como pontos de referência na gastronomia local, mas aposto que os Glockenwise não se importarão de vos mostrar outros locais de lazer, uma vez que não terão muito mais para fazer.

OS GROGUES
Todo o bom festivaleiro é um potencial grogue e, à medida que a noite de desenvolve, maior a probabilidade de o ver de gatas ou adormecido algures numa margem do Cávado. E depois há aqueles que não sabem começar uma noite com visão 20-20, ou uma manhã sem uma dor de cabeça que um café com leite não resolva, ou aproveitar um festival sem aditivos. Em geral, qualquer pessoa sob substâncias é um amigo e um filósofo, além de sentir cada nota de cada música com um máximo de intensidade e um mínimo de memória para a assimilar. E se não o forem, a saída do recinto é só uma.

OS VERANISTAS
Venha um e venham todos, mas por favor, deixem espaço na piscina para os restantes. É que há uma lotação a respeitar e são mais do que as mães as pessoas que vêm lagartear (não confundir com jibóiar) ao sol. Para quem vier confirmar com proveito a famosa piscina de Barcelos, ninguém se esqueça do protector factor 50, das técnicas de engate e de publicar mamas no Instagram (ver dicas do Dias aqui mesmo). Quem preferir estender a toalha de piquenique no lugar da de banho para se sentar à sombra de uma azinheira a admirar a paisagem sobre o rio enquanto se come (e se bebe e se abana a anca e o cocuruto), o palco Taina é o melhor palco.

AS BANDAS
Este ponto é óbvio, não é? Claro que as bandas vão, meus amigos. Aliás, o que seria do Milhões sem elas? Mas é por este ser um festival tão altamente, e feito para ser desfrutado ao máximo, que as bandas e artistas não se limitarão a vaguear pelo backstage. Não se inibam de se juntarem aos Orange Goblin se os apanharem a pentear os pêlos do peito depois de um mergulho na piscina. Paguem uns copos ao Mikkal Cronin (o meu palpite é que ele gosta de espirituosas) e se um dos Ufommamut se fizer à vossa namorada, conformem-se e digam-lhe “adeus, foi bom enquanto durou”.

Enfim, podia começar amanhã.