Agora em tempo de férias, pensas que já tens idade para te desenrascares, mas, na primeira noite à solta, vais por caminhos que não deves, o assalto acontece, armas-te aos cucos, fazes frente e ainda levas nos cornos. Limpam-te tudo. O telemóvel, o cartão multibanco, mas, sobretudo, tiram-te o que já pouco restava da tua auto-estima. Ainda assim, vais ao íntimo do teu ser e consegues fazer a derradeira asneira – sob a forma de orgulho – e não contar nada a quem te pode ajudar imediatamente. Os teus familiares mais próximos, por exemplo.
A malta percebe. Essas férias em Benidorm, Torremolinos, Lloret Del Mar, Marina D’Or – ou lá onde raio vocês vão agora na Páscoa -, estavam há muito prometidas e planeadas. Bem sei que foram anos de luta lá em casa (uns meses, vá…) pela tua independência e. agora, por um azar que pode acontecer a qualquer ser humano, tens medo que essa margem de manobra recue para valores históricos de quando tinhas oito anos, o que, acredita, não foi assim há tanto tempo.
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Como pessoa mais velha que sou, vou ser muito sincero: também fiz muita merda quando era mais chavalito (ainda se pode dizer chavalo?) mas, se for mesmo preciso, podes ter a certeza que alguns pais (ou mães, ou tios, ou primos, ou amigos, não interessa agora), são “gajos” para estarem ao pé de ti em menos de 24 horas, depois daquele teu telefonema fatídico, a pagar-te o pequeno-almoço, a gozar, ou a ralhar contigo (não lhes podes tirar esse gostinho), mas a dizerem que o importante é que agora está tudo bem.
É evidente que há implicações várias sobre isto, a começar pela disponibilidade de faltar ao emprego para te ir acudir, a parte financeira da viagem de emergência, ou o risco sério de se estar a criar alguém idiota e cheio de mimos, que se habitue a que os papás estejam lá sempre para amparar os golpes da cria.
Que isto não se repita! E se ainda não te aconteceu, então ainda bem, pois ainda vais a tempo de prevenir algumas situações. O que fazer, então? Algumas regras, tão básicas, que nem acredito que vou ter de te lembrar outra vez.
Não andes com tudo na carteira. Quando te dizem para não andares com muito dinheiro, é verdade, mas em caso de assalto, ficares sem o cartão multibanco é pior, pois já não tens possibilidade de levantar mais. Ainda assim, se não confiares muito no sítio onde te hospedaste, lembra-te que, à partida, é mais fácil esconder no quarto um cartão, do que um maço de notas, mesmo com todas as chatices das taxas internacionais que te cobram quando levantas guita. Alguns quartos também têm cofre. Usa-o e pondera sobre o que é melhor para ti.
Cuidado por onde andas, se não conheces o sítio, arriscas-te num simples dobrar de esquina, a passar de uma zona normal para um sítio manhoso. E, já agora, não bebas muito – aqui o muito significa até desmaiares – pois podes acordar sem nada (ou com menos um rim) e lá vamos outra vez ao drama.
A tua atitude na rua é importante. É claro que viajar também é descobrir e essa é uma sensação maravilhosa, sermos surpreendidos por algo que não se está a espera. Tudo bem que estás de férias, mas não cries raízes a estorvar pelas ruas. Sempre que possível, sem nunca comprometer o gozo de ser viajante, comporta-te como se fosses de lá, sobretudo se não tiveres companhia.
Anda com um ar decidido, como quem sabe perfeitamente para onde vai e nunca hesitante a arrastar os pés no meio do passeio, nem que, quando te aperceberes que te enganaste, tenhas de voltar para trás. Caminha como se ali morasses. Há certas subtilezas que, parecendo que não, podem fazer a diferença.
Respeita o sítio onde estás. Lembras-te daquele grupo ruidoso que abancou no café onde costumas ir, de tronco nu, que nunca mais se calava e cheirava mal? Não é preciso fazer um desenho, pois não? Em zonas mais urbanas, Evita andar como se estivesses na praia. Para além de ser bimbo e palerma, atrais mais a atenção.
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É claro que podes sempre aparecer na televisão, como aqueles adeptos holandeses do PSV Eindhoven em Madrid, a atirar moedas enquanto se divertiam a humilhar mendigos. Mas se assim for, faz-me um favor: nunca mais fales comigo.
Quem te assalta, à partida, tem alguma disponibilidade física – mesmo que não pareça – e deve ter já alguma experiência. Manda a prudência dizer para não resistires, mas é lá contigo. Se tiveste aulas com um ninja, uma Uma Turman em pleno Kill Bill, um Jason Bourne, uma Claire Danes em Homeland, ou o Clint Eastwood com uma Colt 45 entre as pernas, depois conta como correu o teu “go ahead, make my day“, mas à cautela, tem cuidado.
Há momentos na vida em que temos de reconhecer que perdemos a batalha, mas não necessariamente a guerra. Ainda por cima, se não andares com tudo na carteira, como te disse, eles que levem lá os 20 ou 30 paus e que se lixe. Pior, é ficares abandonado no estrangeiro entregue à tua sorte. Ao menos não te levam a liberdade de movimentos.
E, já agora, nunca compres telemóveis na candonga. Estás a alimentar esses mesmos merdas que assaltam pessoas como tu na rua e não vão pestanejar na hora de te amassarem o trombil, como se fosse a massa de um folar de Páscoa.
Esta é uma opinião pessoal e cada um sabe de si. Dizem que as mochilas fazem mal às costas. É verdade e sofro com isso. Mas eu cá, que já viajei umas milhas, sinto-me mais confortável em ter as duas mãos livres do que andar a arrastar um trolley, tipo caniche. Dá jeito, não só para correr atrás daquele transporte que não podes perder, como para fugir de alguém, por exemplo.
Ok, tarde demais, até leste este texto, mas foi no dia que estavas em trânsito e tinhas as coisas todas contigo. Levaram-te tudo na mesma, não tens um tusto e não queres contar aos teus pais. Se estiveres com amigos, eles emprestam-te, ou se não tiverem o suficiente, terás de pedir a alguém que transfira dinheiro para a conta deles. Eles depois levantam e dão-te.
Se não tiveres companhia – como é que estão essas amizades? – muitos hotéis ou hostels têm wi-fi grátis, não entres em pânico. Manda mensagem privada, via redes sociais, a amigos teus (os verdadeiros) e eles que vão aos correios, ou a um banco, façam uma transferência via Western Union, por exemplo. A coisa é relativamente simples, rápida e o problema fica resolvido quase no imediato.
Viajar é das coisas mais gratificantes que se pode ter e pode, também ser um vício. Porém, os imprevistos acontecem. A maior parte das vezes vai correr tudo bem, e tu vais aproveitar ao máximo, não te prives de nada por pensares que vai acontecer alguma coisa. Se assim for, não vais a lado nenhum. Mas, tal como tudo na vida, não faz mal nenhum interiorizares alguns procedimentos.
Bem sei que, nesta fase da tua existência, pensas que sabes tudo, não é? Vou-te dizer uma coisa que nunca me disseram quando tinha a tua idade, mas tenho pena. Nem te passa pela cabeça, o quão imensamente ridículo podes soar, quando te armas em arrogante ao pé de uma pessoa mais velha e vivida. E agora juízo, sim?
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