Música

Disclosure Contra o Tédio: Os Irmãos Lawrence Falam Sobre ‘Caracal’

Um encontro com dois jovens ingleses por volta das 10 da manhã num café em Londres não poderia soar mais comum assim que escutei: “Dois English Breakfast completos, por favor”.

Porém, esses dois meninos eram os irmãos Guy e Howard Lawrence do Disclosure — e toda a fama, inúmeras apresentações, admiradores, prêmios e menções como uma grande e promissora revelação da música eletrônica eram fatores que prometiam pelo menos alguma surpresa.

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De fato fui surpreendida, eles realmente fogem de qualquer estereótipo que surge em torno da figura do “DJ”, ou de estereótipos em volta de pessoas com seus 20 e poucos anos (fora o apetite normal da idade, já que o típico café da manhã britânico tem a potência de uma feijoada).

Os irmãos Lawrence querem ser reconhecidos como compositores e músicos maduros. Dançar não é a única opção ao público que escuta suas músicas. A dupla também procura destilar sentimentos profundos e eles não estão dispostos a apresentar novos sons apenas para agradar os fãs de house ou EDM.

Com data marcada, o lançamento do segundo álbum do Disclosure, Caracal, acontece no dia 25 de setembro. O duo que já lançou o clipe de “Holding On” com a participação do jazzista Gregory Porter, nesta segunda (27) soltou “Omen” em parceria com o cantor e figurinha repetida Sam Smith, voz do famoso hit “Latch”.

Veja o clipe de “Omen”

A espera por novidade parece longa desde o debout do Disclosure com Settle (2012) — e a curiosidade é crescente. O que vem pela frente? Vão surpreender? Vão agradar o mainstream outra vez?

Conversei com os irmãos Lawrence que falaram sobre o novo trabalho, a busca por identidade, a relação deles com a música eletrônica, futuros shows, parcerias, processo criativo, gostos musicais e também a paixão por Ayrton Senna e pela nossa brasileiríssima graviola. Acompanhe a entrevista:

THUMP: Vocês começaram a soltar algumas faixas do Caracal, né?. Como tem sido a resposta do público?
Howard: Até agora tudo está ótimo! Já soltamos algumas das músicas em nossos shows e todas as reações foram maravilhosas. As pessoas começaram a dançar e aplaudir, até mesmo em músicas que são um um pouco diferente do que fizemos antes. Acho que todas essas reações são bons sinais para o que está por vir.

“Holding On” com o jazzista Gregory Porter foi o primeiro single do Caracal. Como foi feita essa escolha?
Guy: Escolhemos “Holding on” por ser uma ponte entre o nosso primeiro álbum [Settle] e Caracal. Claramente é um clássico do Disclosure e não difere muito dos sons de Settle.O novo som “Omen” que saiu nesta segunda (27) é uma nova parceria com o Sam Smith e pode apostar que é também muito incrível.

Como foi a busca por novas parcerias? Como aconteceu este processo?
Howard: Nós sempre buscamos encontrar pessoas com uma voz que carregue uma personalidade única, como por exemplo o Gregory Porter que canta com tanto sentimento capaz de elevar qualquer alma. É também preciso que o artista escreva bem, já que gostamos de produzir canções de uma forma muito tradicional, reunidos no estúdio, sentado no piano, cara a cara, sabe?

Guy: O critério que tivemos para nossas colaborações foi o mesmo do álbum passado. Nós não ligamos que o cantor ou cantora seja famoso ou não. Temos desde o Sam Smith que é um grande nome até um cara que Guy descobriu cantando em um bar na Austrália e resolveu passar no estúdio para compor uma música com ele. Acreditamos que a fama não seja critério, até porque a pessoa desconhecida hoje pode virar famosa em algum momento. Prezamos apenas a qualidade musical e a dedicação.

O Howard cantou em “F for you”, no Settle, e agora arrisca também o vocal em mais uma faixa. Alguma chance de gravar um disco apenas com ele cantando?
Howard: Não, isso seria terrível, um pesadelo! (Howard e Guy perdem o controle e começam a gargalhar). Acho que o que define o Disclosure é justamente o fato de que ao escutar cada faixa de um álbum, a pessoa vai se envolvendo com as mudanças de vozes. Acho que isso acaba sendo um processo revigorante e faz da nossa música algo especial. As nossas parcerias fazem parte da nossa identidade e não acho que mudaremos isso algum dia.

Pode parecer clichê falar sobre essa expectativa pelo segundo álbum, porém é um ponto inevitável já que a boa recepção do sucessor pode representar uma questão de vida ou morte para artistas que tiveram grande sucesso em seus álbuns de estréia. Vocês sentiram esta pressão?
Guy: Creio que esse tipo de pressão normalmente é relacionada com as restrições de tempo [para se gravar um novo trabalho] — isso porque você tem que escrever e gravar tudo muito rápido. Um artista tem praticamente a vida inteira para escrever o primeiro álbum e, depois com sorte, tem apenas um ano para concluir o segundo. Conosco, o segundo disco teve o mesmo rítmo do primeiro, pois também tivemos pouquíssimo tempo para compor Settle.

Não nos sentimos pressionados realmente. Acho que se o artista fizer tudo de forma leve, indo ao estúdio, mantendo tudo sob controle e, claro, escolhendo pessoas já conhecidas ou responsáveis para trabalhar, todo esse processo vira algo muito prazeroso. É justamente dessa parte criativa que gostamos mais então não vimos nenhum problema.

Vocês vão escutar em Caracal, por exemplo, de 65 BPM até 130 BPM e não apenas 4/4 house como costumávamos soar.

A grande maioria dos críticos e da mídia procuram encaixar o som do Disclosure no que entendemos por house music. Caracal mantêm esta mesma linha?
Howard: O plano para este álbum foi justamente soar apenas como Disclosure. Apresentarmos nossa própria identidade. Nesse ano, nós ficamos conhecidos como house music e garage music, o que não é mal algum, até porque realmente já fizemos trabalhos desse tipo. Porém, para Caracal exploramos vários estilos, usamos tempos e velocidades diferentes. O fato também de trabalhar com vários cantores diferentes ajuda na construção de uma musicalidade diferenciada — e nós permitimos que essa simbiose aconteça.

Guy: Acho que nosso público vai ter que analisar e escutar nosso novo álbum de uma forma mais ampla. Apresentamos algo muito mais abrangente do que apenas house. Atiramos para muitos lados e vocês vão escutar, por exemplo, de 65 BPM até 130 BPM e não apenas 4/4 house como costumávamos soar.

E os fãs que esperam dançar com o disco, ficarão satisfeitos?
Howard: Sempre encontraremos fãs de longa data que nos acompanham desde o inicio de nossa carreira, quando fazíamos música eletrônica muito mais instrumental, e agora eles podem até falar: “Ahh, como eu gostaria de ouvir mais coisas como antigamente”, mas sabe de uma coisa? Já fizemos isso antes, temos que nos renovar…Não se trata de não gostarmos do que já fizemos, mas acreditamos que seja importante não manter nossa música sempre do mesmo jeito. Morreríamos de tédio se tivéssemos que agradar os fãs de propósito e cair numa inércia. Poderíamos até fazer o melhor disco de house, porém isso soaria genérico vindo de nós. Estamos sempre nos desafiando como artistas e quem quiser nos acompanhar é sempre muito bem-vindo e escutará musica de qualidade.

O que vocês trazem de novidade, não só em relação a produção do disco, como também nas apresentações da nova tour?
Howard: Remodelamos completamente o conceito de nossos shows. Eles serão maiores, com mais luzes, telas e câmeras capturando tudo, assim como também equipamentos musicais. Agora também temos essa grande diferença de sermos donos de basicamente tudo que compõe nossas apresentações, então todas elas serão iguais, não importa o lugar. Como tocamos tantos instrumentos e há tantos movimentos e sons rolando no palco, nossos fãs por muitas vezes não acompanhavam tudo o que acontecia ali e toda essa mudança que fizemos vai ajudar a construir uma experiência muito mais completa.

Guy: Agora nossos shows serão muito mais uma questão de ver a banda tocando do que ir apenas ver o DJ, balançar o corpo e ver luzes coloridas.

“Bang That” foi outra faixa liberada e todos piraram com o sample da pérola “pass-out”, do 313 Bass Mechanics, produzida por Julian Shamou. Nas outras faixas de Caracal também encontraremos outras samples de faixas obscuras?
Guy: Não, acho que esse foi o único sample que usamos….É, não temos mais nenhum outro. Nós não sampleamos com freqüência, até mesmo no nosso primeiro álbum não fizemos muito isso. Não que sejamos contra, acho que apenas preferimos tocar nossos instrumentos e formar nosso próprios ritmos e letras.

Soube que o Shamou não tinha a mínima ideia de que quem vocês eram quando liberou os direitos de “pass-out”. Vocês já tiverem a chance de encontrá-lo?
Guy: Ahh, sim visitamos Detroit recentemente e encontramos o Shamou. Ele foi ao nosso show e agora tornou-se fã do nosso trabalho. Ele é um cara muito legal e nos encheu de elogios. Ficamos extremamente felizes.

E o que vocês têm escutado? Alguma dica para os fãs ocuparem a cabeça até vocês liberaram o Caracal?
Howard: Coincidentemente, tenho escutado muita música brasileira, especialmente Elaine Elias e a obra de Antonio Carlos Jobim. Além disso sempre tento pesquisar vários outros artistas e também música gospel e jazz.

Guy: Não tenho escutado tanta música brasileira quanto o Howard, porém aprecio muito. Sou baterista e a música de vocês tem um grande destaque em percussão, é incrível. Para ser sincero, quando estamos focados na produção de um álbum não temos tanto tempo para escutar coisas novas ou pesquisar muito. Só voltei realmente a ter minha vida de ouvinte há uma ou duas semanas. Tenho escutado o novo disco do Foals, que é realmente muito bom e também novas músicas de um artista que participou do nosso primeiro álbum, o Jamie Woon.

Se vocês pudessem escolher mais uma parceria para este disco, qual seria o sonho maior?
Howard: Sempre sonhamos em trabalhar com o Prince. Acho que seria muito legal, mas não acredito que isso possa acontecer um dia. Não sei, talvez um dia poderemos tentar, mas eu não faço a mínima ideia de como entrar em contato com ele. Nem sei se Prince tem telefone!!

Vocês vão ter dois shows enormes nos Estados Unidos, um na Los Angeles Sports Arena, dia 29 de setembro, e outro no Madison Square Garden, no dia 24 de outubro. Como vocês vêem essas oportunidades?
Howard: Estamos empolgadíssimos e só de pensar que vamos tocar no mesmo lugar que o Led Zeppelin tocou. Crescemos vendo a gravação do show deles lá na Madison Square e costumávamos tocar guitarra assistindo ele, então definitivamente parece um grande sonho.

O Disclosure se apresentou no Lollapalooza Brasil no ano passado. Conte um pouco como foi essa experiência.
Howard: Infelizmente tivemos uma estadia muito curta e tudo foi muito corrido. Nem tivemos muito tempo para explorar mais artistas e trabalhos de músicos locais e também fazer uns passeios.

Guy: Ficamos emocionados de saber que tocamos no mesmo local onde Ayrton Senna costumava correr (Autódromo de Interlagos).

Howard: Ahhhh, descobri a minha comida favorita! Esqueci o nome…era uma fruta verde por fora, branca por dentro e com sementes pretas, calma ai [começa a buscar no iPhone vigorosamente uma foto]. Aqui! Graviola? Definitivamente a melhor coisa dessa vida.

Morreríamos de tédio se tivéssemos que agradar os fãs de propósito e cair numa inércia.

E as datas e locais da nova turnê? Já sabem se Brasil está na lista? Tem algum lugar que vocês gostariam muito de tocar?
Howard: A turnê não está definida ainda, mas com certeza passaremos pelo Brasil novamente e espero que com mais tempo e em mais cidades. Acho que conseguiremos também outros lugares na America do Sul.

Guy: Gostaríamos muito de tocar na Ásia. Japão com certeza! Até agora só nos apresentamos em Manila, nas Filipinas, e queremos conhecer nosso público de outros lugares também.

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Soube que vocês querem fazer um curta-metragem com a junção dos vídeos do álbum. Como isso vai funcionar?
Howard: A nossa ideia junto ao diretor Ryan Hope é fazer o vídeo de cada música de forma coerente. Cada vídeo liberado terá um link com o próximo e então as pessoas vão descobrindo um pouco mais do enredo a cada lançamento. Aguardem que alguns dos vocalistas também vão aparecer em algumas das produções, o resultado está super legal!

Você comentaram o quanto as letras das músicas são importante para o Disclosure. Recentemente vocês foram acusados e processados pelo roubo e falsa apropriação de um caderno de letras da compositora Katie Farrah Sopher. Como está o andamento disso?
Guy: Err…Tá andando e ela vai perder. Baita perda de tempo, não existe caderno e não há a mínima condição de termos roubado ou copiado essas possíveis letras. Eu apenas sinto pena dela.

Para finalizar, alguma mensagem para os fãs no Brasil?
Howard: Sim, Nos aguardem! Logo, logo faremos uma grande festa aí!

Guy: E eu acho que AYRTON SENNA É O MELHOR PILOTO DE FORMULA 1 DE TODOS OS TEMPOS! [gargalhadas outra vez….]

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