Pelo Meu Relógio São Horas de Matar
NorteSul
2014
Pelo meu rel
ó
gio s
ã
o horas de um pouco de trivia: sabiam que os M
ã
o Morta come
ç
aram ap
ó
s um concerto dos Swans em Berlim em 1984 que os motivou
à
brava para come
ç
arem algo do g
é
nero por terras lusas? Claro que sabiam, mas dificilmente deixaria escapar este facto, principalmente neste ano de 2014 que corre —
30 anos depois, ambos os conjuntos continuam no activo e decidiram-se a lan
ç
ar novos discos. E, mais importante do que isso, n
ã
o se resignam a ocupar um reles lugar de rodap
é
, como tantas outras bandas que vivem da nostalgia o fazem, lan
ç
ando discos med
í
ocres como desculpa para arrastarem o cad
á
ver putrefacto por esses palcos fora em ins
í
pidas digress
õ
es mundiais, sugando o tutano alimentado a nostalgia e saudades por tempos que nunca se viveram dos f
ã
s mais ac
é
rrimos. Nada disso, amigos: estamos em 2014 e os Swans e os M
ã
o Morta lan
ç
aram discos fant
á
sticos — como
é
belo o destino.
Pelo Meu Rel
ógio S
ão Horas de Matar
ganhou honras de telejornal quando o clipe do seu primeiro single, “Horas de Matar”, se apresentou como o “n
ó
s tamb
é
m” dos M
ã
o Morta ao viral e aos shares em redes sociais. Tal como ele, o disco reconhece e baila sobre os conturbados tempos de instabilidade socio-econ
ó
mica que o pa
í
s atravessa, mas —
exceptuando talvez o single supracitado —
foge ao populismo brejeiro; reduzi-lo apenas a mais um exerc
í
cio de protesto numa altura em que qualquer idiota chama nomes ao governo para proveito pr
ó
prio seria um erro fatal. Pelo Meu Rel
ógio S
ão Horas de Matar
é
um disco tremendo, uma narrativa empolgante de solid
ã
o, humilha
çã
o, desespero, raiva e vingan
ç
a. Um conto sobre o decl
í
nio, a podrid
ã
o e a sujidade, cantada e interpretada com todo o esc
á
rnio e desd
é
m do universo. Acompanham-no guitarras munidas de riffs tit
â
nicos (“Hipótese do Suicídio
“
), ritmos impiedosos e certeiros a cem por cento (controlem os vossos air drums quando ouvirem “Os Ossos de Marcelo Caetano” ou ainda partem alguma coisa a
í
por casa…) e at
é
refr
õ
es prontos a ser cantados pelas multid
õ
es em marcha (salta
à
mem
ó
ria —
claro
—
a distinta melodia wtf de “Mulher Clitóris Morango”
). Est
á
c
á
obviamente presente a tal dose de an
á
lise e cr
í
tica social a que os tempos apelam, mas n
ã
o
é
como se a banda nunca nos tivesse habituado a este tipo de olhar criterioso antes. N
ã
o
é
um mero aproveitamento de um tema medi
á
tico para se manterem relevantes,
é
um olhar atrav
é
s do filtro dos M
ã
o Morta para tornar o tema ainda mais cr
í
tico.
H
á
j
á
muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável
os M
ã
o Morta nada nos t
ê
m a provar. Pelo Meu Rel
ógio S
ão Horas de Matar
é
, ainda assim, nova confirma
çã
o de que para can
çõ
es a serem entoadas enquanto se rangem os dentes de desconforto, n
ã
o h
á
ningu
é
m melhor que estes tipos. O t
í
tulo de melhor banda portuguesa já lhes pertencia, e o de um dos melhores discos de 2014 pertence-lhes agora
.
2014