Hot Girls Wanted, o último documentário das diretoras Jill Bauer e Ronna Gradus, acompanha um grupo de jovens mulheres que trabalham na indústria pornô em ascensão de Miami. As garotas vivem todas juntas na casa de praia de seu empresário, Riley, que as recrutou pelo Craigslist e lucra cobrando hospedagem e alimentação, além de 10% do que elas ganham quando fazem sexo diante das câmeras.
A missão do filme é destacar o impacto que trabalhar no pornô tem na vida dessas mulheres. Criticar conscientemente o pornô e as condições de trabalho que as artistas encaram é uma necessidade, mas você não vai achar isso aqui. Hot Girls Wanted oferece declarações irrefletidas e insinuações vagas sobre como fazer pornô prejudica as mulheres e como assistir a isso perturba os homens.
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O filme começa muito recatado para um documentário sobre pornografia. Gráficos simples informam o espectador de que há mais visitas aos maiores sites pornôs todo mês do que a Netflix, Amazon e Twitter juntos. (Uma checagem rápida dessa afirmação leva a material de relações públicas de um site pornô defunto.) Depois, o documentário diz que pornô “amador” é o maior setor do negócio e que “essa parte da indústria ainda não tinha sido documentada”. Essa afirmação não é inteiramente correta: no pornô, “amador” é um rótulo dado a qualquer vídeo profissional que apresente mulheres jovens que não tenham implantes de silicone e que sejam novas no negócio.
Outro gráfico informa que a indústria como um todo não é sujeita a nenhuma regulamentação federal nos EUA, desde que todos os artistas sejam maiores de 18 anos. Isso é verdade, mas não fica explicado que isso é parcialmente resultado do legado da pornografia como uma questão de liberdade de expressão e que filmagens pornôs são sujeitas a regulamentações estaduais e locais. O filme poderia acrescentar, mas não faz isso, que o medo de novas regulamentações é uma das razões para estúdios pornôs estarem se mudando de Los Angeles para Miami.
Essas estatísticas e fatos, apresentados sem qualquer contexto e arranjados para causar alarme, preparam o palco para a exposição de uma indústria que lucra com a exploração de jovens ingênuas, atraídas pela promessa de dinheiro rápido e fama.
O tema central do filme é Tressa, ex-líder de torcida de New Braunfels, Texas. Ela conta que, se não fosse pela internet, ela provavelmente teria arranjado um trabalho como garçonete. Depois de algum sucesso no negócio, Tressa acaba arranjando um namorado, Kendall, que não aprova sua carreira. Ele comenta sobre sua situação atual: “Toda vez que assisto a um pornô, penso ‘Esta é a namorada de alguém, a filha de alguém’”. Ou seja, a preocupação de Kendall com as mulheres no pornô é só em relação aos seus relacionamentos com homens. Em vez de explorar a possessividade inerente ao pensamento dele, o filme prioriza o pornô como o problema do relacionamento de Kendall e Tressa.
Quando Tressa está com as outras garotas na casa de Riley, o filme é tranquilo, parcialmente porque é impossível errar apontando a câmera para a casa de quatro colegas atrizes pornô. Essas cenas mostram a camaradagem que pode surgir entre mulheres num cenário de trabalho sexual, enquanto elas soltam piadas sobre os membros dos colegas de elenco e as cenas de creampie.
Mas essas filmagens são interrompidas pelo material de apoio das diretoras: montagens de exemplos abertamente sexuais da cultura pop incluem o clipe de Robin Thicke, uma entrevista com Kim Kardashian, cenas de Girls, da HBO, e o clipe de “Anaconda”, de Nicki Minaj. O argumento de que a cultura popular está ficando sexualizada demais é mais velho que o quadril do Elvis; além disso, para os mais conservadores, o momento atual sempre parece aquele em que isso foi longe demais. Como Bauer e Gradus já tinham feito em seu filme anterior, Sexy Baby, desenvolve-se a ideia de que o pornô saturou tão completamente a cultura popular que nem é mais preciso assistir a pornografia real para ser influenciado.
E, para Bauer e Gradus, essa influência é negativa. Intercalados com trechos de uma filmagem para um site de nicho especializado em humilhação física de mulheres latinas, gráficos discutem a tendência do sexo oral forçado no pornô e as estatísticas sobre a prevalência de violência contra mulheres na pornografia online. Em vez de explorar como a pornografia pode refletir a sociedade em vez de moldá-la, elas apontam para o pornô como a causa dos males sociais. Bauer, por exemplo, acha que isso leva à violência sexual. Numa entrevistano começo do ano, ela defendeu que “Todos esses caras de fraternidade estão assistindo a pornô… e não há como negar que o comportamento deles é agressivo. E há todos esses estupros nos campus das faculdades, porque é aí que isso começa. É isso a que eles estão assistindo”.
Reduzir a epidemia de agressões sexuais a um problema instigado pela pornografia é problemático na melhor das hipóteses. Assim como a afirmação de Jones de que “o trauma que fazer sexo para viver tem no seu corpo é algo real”.
Sim, há desvantagens em se trabalhar com pornô, e assistir à luta dessas artistas no trabalho é esclarecedor. Em uma das cenas, Ava está trabalhando numa filmagem em que ela tenta não olhar para seu parceiro muito, muito mais velho que ela. Quando sai de seu banho pós-cena, ela afirma “Não curti essa última parte. Isso é apenas trabalho agora” com o mesmo tom que usaria se trabalhasse num Starbucks. Ela compartilha, então, uma experiência muito pior: Ava viajou para um trabalho e, ao chegar lá, descobriu que era uma cena de sexo oral forçado, o que ela não tinha concordado em fazer, e ela diz que isso a fez entender como vítimas de estupro se sentem quando são questionadas por suas ações depois de ataques sexuais.
Mas isso quer dizer que trabalhar com pornô significa concordar em comprometer seus limites? Apesar de o pornô ser a única ocupação legal em que os limites sexuais estão inegavelmente abertos a negociação, essa não é a única indústria na qual seus trabalhadores podem ser tratados injustamente. Mas esse é o único lugar em que a própria indústria, diferentemente de suas práticas, é sujeita a condenação. Os artistas da indústria pornô precisam de espaço para discutir suas experiências ruins sem que isso seja usado como evidência contra todo o negócio. Hot Girls Wanted reforça estereótipos sexuais cansados que prejudicam todas as mulheres e ignora as preocupações reais específicas dos artistas do pornô. Por essa simplicidade moral e disposição em explorar seus temas, o documentário acaba lembrando o gênero que tenta expor.
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Tradução: Marina Schnoor