Drago e a Selva de SP

Foto: Felipe Larozza/VICE

“Oi, Drago! Cadê minhas fotos?”, gritou uma mulher de vermelho de dentro de um bar no Baixo Augusta, centro de São Paulo. Simpático, ele pega a moça pela mão e joga um papo de que esqueceu as impressões. A conversa segue e só é interrompida quando, do outro lado da rua, um segurança de terno e gravata sai de uma boate e pergunta: “E aí, Cazuzinha? Quando você vem aqui cantar de novo?”. E, na sequência, me fala: “Esse menino canta com o coração. Se você está com ele, está bem acompanhado”.

De chapéu e câmera sempre presa no pescoço, ele, que tanto fotografa os personagens de São Paulo, é também um grande personagem dessa selva. O chapéu é herança de seu avô, que um dia disse: “Quando o homem fica adulto, passa a usar chapéu e aposenta a boina”. Desde os 18 anos, o adereço não sai da cabeça do jovem fotógrafo nascido no começo da década de 90.

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Drago. Foto: Felipe Larozza/VICE

“Comecei a fotografar por curiosidade. Achei uma câmera da minha mãe e ficava pirando em focar, ver a distância do foco. Um dia, eu mostrei pra ela a câmera que eu achei, e ela me explicou velocidade, abertura, tudo bem rápido. Ela tinha comprado aquela câmera para fotografar o meu nascimento. Minha mãe ficou grávida várias vezes e perdeu os filhos; então, a câmera era bem velha. Uma Zeniti, com o fotômetro quebrado.” Uma conversa franca com Victor Dragonetti (“Drago desde moleque”) não poderia ser em outro lugar que não um boteco.

Foto: Drago/selvaSP

A história fotográfica começa com um filme de 36 poses para a velha Zeniti e um passeio despretensioso com sua mãe pelo centro de São Paulo. “Foi uma troca massa. Um filho com a mãe andando na rua pra fotografar: as pessoas pediam para ser fotografadas.”

Foto: Drago/selvaSP

A brincadeira de tirar fotos colaborou para o já instalado inferno que era frequentar a escola. Depois de várias expulsões, seus mestres chegaram ao ponto de orientar sua mãe a colocar o garoto em um colégio para crianças especiais.

A progenitora, então, decide tomar a câmera e promete devolver quando ele conseguir um trabalho. “Parei de estudar e fiquei sem minha câmera”, Drago relata. Quando a conversa chegou nesse estágio, ele já repetia várias vezes na mesa do bar: “Irmão, é muita história”. E o papo seguiu entre copos americanos.

Foto: Drago/selvaSP

O primeiro trampo foi de office-boy em uma agência de publicidade. Nesse lugar, trabalhava um cara chamado Gude (“Ele brincou muito de bolinha de Gude”) que estava procurando um fotógrafo para um trampo – e uma coisa ligou-se à outra. “Fiquei um ano trampando de boy e fazendo still [fotografia de estúdio]. Voltei a estudar nessa época também.”

Claro que os problemas com as escolas não pararam depois de conseguir um emprego; assim, os estudos formais foram abandonados no primeiro colegial. O garoto, que alguns anos depois viria a receber o prêmio ExxonMobil de fotografia, a principal premiação nacional de fotojornalismo, não se adaptou ao nosso sistema de ensino.

Foto: Drago/selvaSP

Depois de um monte de cerveja, a fome vai apertando. Nossa mesa era dividida com mais alguns amigos que pediram uma porção qualquer. Entre um petisco e outro, o corpo e a mente já começavam a pedir para saciar um vício: fotografar. Falar de fotografia é como botar um copo de pinga para um alcoólatra. Eu estava sem minha câmera nessa noite; logo, a conversa continuou:

“Aí a fita foi a seguinte (quem der um Google vai saber): Gilberto Dimenstein.”

Sabe quando você está no trabalho de tarde e rola aquela pausa para uma relaxada? Pois bem, o Drago colou pra fazer isso em um beco com um camarada de escola, o Gazo. Nessa rodinha, tinha mais um cara que foi fundamental nessa junção de astros, o Fred: “O Fred era mais velho. Sei lá, esse Fred era ligeiro. Ele olhou pra mim e falou: ‘Drago, o pai dele manda aqui, traz seu portfólio pra ele!’.”.

Acontece que o Gazo é filho do jornalista Gilberto Dimenstein e que o Fred tinha razão: uma foto deu andamento ao sonho do adolescente de 15 anos.

Quando Gilberto Dimenstein recebeu o trampo do amigo do filho, esta foi a foto que o fez querer conhecer o garoto. Foto: Drago/selvaSP

“Eu cheguei lá e no primeiro minuto de conversa, ele [Dimenstein] viu que eu era um baita aluno problema.”

Depois de oito ou nove expulsões, é fácil identificar um garoto com problemas na escola. Desse papo, surge o primeiro ensaio de fotos, Alunos-luz. O trampo foi uma provocação do jornalista ao fotógrafo. O desafio era documentar por um tempo uma escola que havia passado por problemas de violência e tráfico e que estava solucionando essas tretas com oficinas para a molecada.

O Dimenstein fez um artigo na Folha de São Paulo falando sobre a primeira exposição e sobre a realização do sonho desse adolescente de 17 anos, aproveitando a parada para dar uma bela cutucada nas educadoras que haviam chamado o garoto de retardado.

Alunos-luz. Foto: Drago/selvaSP

Os trabalhos com o experiente jornalista começaram a não ser um grande motivo para a fotografia; além disso, as ruas passaram a seduzir cada vez mais. Essa virada para a fotografia de rua é o que dá início à formação do coletivo de fotografia de rua SelvaSP. Trata-se de um grupo de jovens fotógrafos que tomariam de assalto a fotografia documental durante as jornadas de junho.

“O nosso primeiro ano foi muito calmo – a loucura veio em 2013.”

Assim que começamos o papo das manifestações, paramos o gravador para mais algumas cervejas e para garantir que aquela parte da história não se perderia. Chegamos a um momento que mudou a vida de muitas pessoas: o momento Wanderlei Vignolli.

O policial Wanderlei Vignolli apontando a arma para o fotógrafo Victor Dranetti. Foto: Drago/selvaSP

Enquanto um empunhava uma arma, o outro empunhava uma pequena câmera que registrou uma fração de segundo que seria interpretada de muitas maneiras nos dias que se seguiram e nos anos que virão. Uma foto que colocou fogo em todas as mesas de bar quando o assunto dos “vândalos” que pediam a redução da tarifa entrava em pauta.

A famosa foto foi capa da Folha de São Paulo do dia 13 de junho de 2013 e ganhadora do prêmio ExxonMobil do mesmo ano.

Drago recebeu um contato de um fotógrafo do jornal orientando-o a falar com os editores para oferecer a foto que eles certamente teriam interesse em comprar.

Foto: Drago/selvaSP

As preocupações em vender a foto não envolviam o valor ridículo que foi oferecido: isso não importava, apesar de os protestos terem sido uma época de pão e água. “O que mais me preocupava era que a foto fosse usada para zoar a manifestação. O combinado era que eles iam usar a foto para contar a história do policial.”

O título da matéria do dia seguinte era: “Governo de SP diz que será mais duro contra vandalismo”. Logo abaixo, vinha a famosa matéria que criminalizava os protestos.

Foto: Drago/selvaSP

“Eu nunca tinha publicado uma foto em um jornal – e logo a primeira foto tem um policial sangrando e apontando uma arma no meio de um protesto. Chegaram mensagens no meu Facebook de policial militar. Fiquei noiado, mas continuei indo pras manifestações. Eu estava a milhão para fotografar.

Os jornalistas queriam saber minha opinião, e eu falei que o PM tinha sido violento. Claro que, no outro dia, publicaram isso no jornal. Me vejo em 2013 completamente inocente. Eu realmente achava que a parada toda ia mudar. Uma revolução pesada. Eu imaginava a gente em greve geral, Brasília sendo invadida. Eu estava preparado para alguma coisa na pegada da Ucrânia.”

Foto: Drago/selvaSP

Esse sentimento que, à primeira vista, parece cômico ou juvenil foi o que colocou o rapaz de 22 anos à frente de todos os outros fotógrafos. O mesmo sentimento que levava as pessoas às ruas para protestar levava o Drago para fazer as imagens. “Um lance de entender o que estava acontecendo – esse movimento de luta, destruição e caos. Os jornalistas estavam ainda tentando explicar o que estava acontecendo, e eu estava já ali. Isso é coisa da nossa geração, foi a nossa geração que estava na rua desde o começo.”

Foto: Drago/selvaSP

Foto: Drago/selvaSP

Um respiro na conversa para fumar um cigarro. “Que época, irmão, que época.”

Nesse ano, as fotos do garoto que diziam não ter muita noção espacial estão o levando até a Joop Swart Master Class, um curso internacional de fotografia que todo ano reúne na Europa os 12 melhores jovens fotógrafos do mundo para um aprimoramento individual. Foram 164 candidatos selecionados para disputar as 12 vagas.

Foto: Drago/selvaSP

Em um dado momento da noite, não aguentamos mais e saímos para fotografar. Centro de São Paulo, a Rua Augusta e um pulo na Praça Roosevelt. Entre músicas no violão e as intermináveis garrafas de cerveja, o relógio apitou sete da manhã, uma garrafa explodiu do nosso lado atirada da janela de algum prédio. Chegou minha hora de ir pra casa: “Drago, cansei, mano, vou indo nessa”. Ao que ele me responde: “Irmão, eu vou ficar só mais um pouco, eu acho que agora vai vir aquela foto que eu estou esperando”.

Confere aqui mais de fotos:

(In)dependência. Foto: Drago/SelvaSp

(In)dependência. Foto: Drago/SelvaSp

(In)dependência. Foto: Drago/SelvaSp

(In)dependência. Foto: Drago/SelvaSp

(In)dependência. Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Foto: Drago/SelvaSp

Emprocesso. Foto: Drago/SelvaSp

Emprocesso. Foto: Drago/SelvaSp

Emprocesso. Foto: Drago/SelvaSp

Emprocesso. Foto: Drago/SelvaSp

Emprocesso. Foto: Drago/SelvaSp

Segue o Drago nas redes aqui:

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Instagram: https://instagram.com/vdrago/

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