Este artigo foi originalmente publicado na VICE Canadá.
Ao conduzir pela West Coast Highway, na Ilha de Vancouver, Canadá, é difícil não se ficar espantado com a beleza natural em redor. Os 100 quilómetros da auto-estrada, que liga Victoria a Port Renfrew, são ladeados pelo Oceano Pacífico de um lado e pela luxuriante floresta tropical do outro. Espalhadas entre as árvores e o mar, encontram-se inúmeras praias, onde as pessoas passeiam, fazem surf, nadam e acampam. Um autêntico paraíso para os entusiastas do ar livre.
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No entanto, sob esta imaculada área quase selvagem há uma epidemia global a infiltrar-se lentamente pelas praias e mares do Canadá. Lixo.
Numa típica tarde molhada de Inverno na Costa Oeste, viajei até Sombrio Beach, aproximadamente 20 quilómetros a Sul de Port Renfrew, para testemunhar em primeira mão o impacto que o lixo está a ter no nosso oceano e praias. Passei o dia com um grupo internacional chamado The Surfrider Foundation, cujo objectivo passa pela “protecção e usufruto dos oceanos, ondas e praias do Planeta, através de uma poderosa rede de activismo”.
A Surfrider começou na década de 1980 como um pequeno movimento sediado na Califórnia e agora conta já com mais de 50 mil membros, em cerca de 80 “representações” por todo o Mundo, incluindo três no Canadá [em Portugal, de momento, o site da Surfrider Europe apresenta quatro “representações”: Porto, Ericeira, Lisboa e Açores]. Todos os meses, a “representação” de Vancouver Island leva a cabo uma acção de limpeza de praias, com os voluntários a calçarem as luvas, as botas de borracha e a meterem mãos à obra na recolha de lixo.
Neste dia em particular, há pouco mais de 20 pessoas a vasculhar a praia e a encher baldes brancos com garrafas, pontas de cigarros, palhinhas de plástico, latas de cerveja, chinelos e toda uma série de outros detritos. No final, o grupo despeja tudo em cima de uma enorme lona azul, onde o lixo é separado e levado para uma carrinha que o transporta para o destino final. Nesta fase, os voluntários em Sombrio terão reunido cerca de 300 quilos de lixo, incluindo um emaranhado gigante de fios que deu à costa.
“Venho a esta praia desde criança”, diz Jamie McKay, membro da direcção da “representação” da Surfrider e organizador da iniciativa de limpeza em Sombrio. McKay começou por participar nos eventos da Surfirder como voluntário e, como acrescenta, quando deu por ele “estava a ajudar a gerir a organização localmente”.
A Fundação desenvolve uma série de iniciativas e campanhas centradas no acesso a praias, preservação da orla costeira, protecção dos oceanos e poluição por plásticos. A poluição derivada do lixo e do plástico tornou-se uma epidemia global e é contra ela que a Surfrider tem combatido ferozmente.
Em Setembro de 2016, só das praias de Vancouver Island foram retiradas 40 toneladas de lixo. Alegadamente, uma grande percentagem terá tido origem no tsunami do Japão, em 2011. No entanto, o problema não se cinge a esta zona. Em 2015, um estudo estimou que haveria algo como 5,25 biliões de detritos nos oceanos. Um número com tendência a subir, pelo que muitos são os cientistas que prevêem que, em 2050, haja mais plástico que peixes no mar.
Vê também: “A Ilha de Lixo“
Em todo o Mundo há relatos sobre o impacto da poluição decorrente do plástico, tanto nos ambientes marinhos costeiros, como na vida selvagem que habita essas regiões. Recentemente, uma baleia que deu à costa na Noruega tinha mais de 30 sacos de plástico no estômago. No Canadá, investigadores têm lançado alertas em relação ao modo como o plástico está a afectar as aves e a vida marinha de dimensão mais reduzida. Para um país que tem uma área costeira desta dimensão, o problema assume contornos ainda mais complicados.
“A quantidade de plástico nas praias está a piorar”, salienta Gillian Montgomery, directora da Surfrider em Vancouver Island. A responsável acrescenta que, pelo que tem visto, a poluição derivada do plástico aumentou muito nos últimos anos e não parece ter tendência para diminuir. Uma frustração reforçada pelo seu colega McKay: “O governo não assume publicamente que os plásticos são um problema e só porque temos reciclagem, acredita-se que a reciclagem resolve todos os problemas”.
As autoridades da British Columbia não responderam a múltiplas tentativas de obter um comentário oficial sobre esta questão.
Grande parte do problema é atribuído a uma enraizada “cultura de desperdício“. Copos de café, garrafas de água e sacos de plástico são apenas alguns dos maiores culpados e muitas vezes acabam no mar, ou na praia. Quando chegam ao mar, alguns destes plásticos transformam-se em microplásticos. Na sua forma mais simples, os plásticos desfazem-se em partículas mais pequenas, pois a luz solar enfraquece-os e as ondas partem-nos, deixando-os à deriva e prontos a serem comidos pela vida marinha.
“A maioria dos oceanos contém hoje em dia um número elevado de microplásticos”, diz à VICE Marcus Eriksen, co-fundador e Director de Investigação do 5 Gyres Institute, uma entidade sem fins lucrativos que “incentiva a acção contra a crise global de saúde provicada pela poluição derivada do plástico, através da ciência, arte, educação e aventura”.
O estudo do impacto dos microplásticos é relativamente recente. Como tal, os dados concretos ainda são muito incompletos. No entanto, Marie Noel, investigadora do programa Ocean Pollution Research, do Aquário de Vancouver, lembra que num dos estudos encontraram “…três mil partículas de microplásticos por metros cúbico de água salgada… o que é uma quantidade significativa”. Foram já lançados alguns relatórios sobre o impacto dos microplásticos, mas Noel espera que, num futuro próximo, possa existir uma investigação completa e conclusiva.
Noel acrescenta que a entidade que dirige está também a estudar os efeitos do plástico e do lixo na vida das baleias assassinas, dos mexilhões, do plancton marinho, bem como a monitorizar amplamente a poluição na costa da British Columbia. A nível local, a Surfrider está a trabalhar com o município de Victoria, de forma a tentar estabelecer uma normativa de erradicação de sacos de plástico nas lojas, na esperança de que os consumidores possam passar a optar apenas por sacos reutilizáveis. Em Tofino, uma pequena cidade costeira na zona Oeste de Vancouver Island, uma iniciativa da Surfrider, fez com que vários comerciantes concordassem em voluntariamente abolirem as palhinhas de plástico.
Em última análise, muitos acreditam que é preciso implementar políticas específicas para que as pessoas alterem os seus hábitos de consumo. “Acabar com a cultura do desperdício e da utilização única, é um esforço de longo prazo”, sublinha Eriksen. O responsável acrescenta que legislação apropriada ajudaria a responsabilizar os consumidores pelos seus hábitos. Mas, em qualquer caso, a mudança pode começar pelos hábitos individuais e pela consciencialização do que cada um está a comprar e a consumir.
“O primeiro grande passo que qualquer um pode dar é quando vai ao supermercado e pensa efectivamente no que está a comprar”, conclui McKay.
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