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‘Álcool te deixa idiota’: Gaspar Noé resume seu novo filme, ‘Climax’

Esta entrevista contém spoilers de ‘Climax’ e ‘The House That Jack Built’ .

Com seus filmes ousados na forma e geralmente violentos e cheio de drogas, o cineasta argentino Gaspar Noé vem chocando os espectadores há anos. Depois do traumatizante Irreversível (2002), o chapado Viagem Alucinante (2009) e o explícito Love (2015), este ano marcou o retorno dele ao Festival de Cinema de Cannes com Climax. Coproduzido e cofinanciado pelo VICE Studios, o filme é um musical techno passado inteiramente num espaço de ensaio de dança em Paris. Filmado em 15 dias, Climax mostra um grupo de dançarinos da vida real perdendo a cabeça por causa de uma misteriosa sangria batizada. O que começa como uma viagem divertida rapidamente espirala para um conto surreal e tenso.

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A VICE falou com Noé em Cannes, onde o filme estreou na seção Quinzaine des Realisateurs (“Quinzena dos Diretores”), e rendeu a Noé o prêmio Art Cinema, o maior da seção. Durante nossa conversa, o diretor falou sobre seu amor pela dança, o perigo das drogas e do álcool, e sua recusa em fazer o que esperam dele.



VICE: Como você teve a ideia para o filme?

Gaspar Noé: Foi um pouco como Irreversível. Às vezes você começa vários projetos de uma vez – ideias para um documentário, para um filme sobre bad trips xamânicas, e para um não-musical. Não aguento musicais, mas adoro dança porque a linguagem corporal pode ser muito rica e às vezes incomum. Alguns dançarinos, como esses que filmei, me hipnotizam. Adoro assisti-los. E para fazer um filme de sucesso, você tem que amar as pessoas que está filmando, então pensei num filme só com dançarinos e num contexto de um pequeno crime. Tive a ideia no final de dezembro, e no começo de janeiro começamos a preparar o filme.

Foi rápido!

Sim, nos preparamos em quatro semanas, escolhemos o elenco, e filmamos em 15 dias em fevereiro. Então de A a Z, o filme foi pré-produzido, filmado e pós-produzido em quatro meses.

Foi a produção mais rápida que você já fez?

Sim, e hoje a tecnologia permite editar o som e a imagem muito mais rápido que antes. Se eu tivesse filmado esse longa anos atrás, a história seria muito diferente.

Você fez muitos ensaios com os dançarinos?

Não, e contratamos uma coreógrafa que foi recomendada pela Sofia Boutella, mas ela só chegou na quarta-feira antes das filmagens, então ela ensaiou quinta e sexta com 15 dos 21 dançarinos. Os outros seis chegaram só na manhã de segunda e ela os integrou na coreografia, e filmamos a sequência de abertura na mesma noite, naquela segunda mesmo. Não tínhamos tempo, tudo teve que ser feito com urgência.

Eles eram dançarinos profissionais?

Não, só garotos entre 18 e 23 anos que faziam desafios de dança krump e bailes de vogueing! Muitos dos dançarinos eram héteros, os dançarinos de vogueing eram principalmente gays, então juntei dançarinos de diferentes famílias. No começo, os voguers estavam desconfiados. Eles diziam “O que é esse filme? Você está misturando krumpers e waackers?” Mas assim que a filmagem começou, eles mostraram tanto respeito entre si que a coisa só foi melhorando, já que não era um estilo de dança mas vários.

É isso que vemos na primeira sequência, que é muito incrível.

Muita gente me disse essa é a sequência favorita deles, e que nunca viram isso em dança americana.

O filme tem alguns estilos de dança que eu nunca tinha ouvido falar – eu não conhecia o krump.

O krump está em ascensão. Na maioria são homens que dançam o estilo. E waacking é meio que a resposta feminina ao krump. Também tem uma dança da França chamada electro; que era um grupo de cinco dançarinos incluindo o personagem chamado David, interpretado por Romain Guillermic. Também vi vídeos de um contorcionista congolês chamado Snake. O achamos pelo Facebook e conseguimos um visto para ele vir do Congo. No começo eu não sabia quantos personagens eu traria de outros países. Eu achava que talvez metade dos dançarinos seriam estrangeiros, mas no final só usamos três. E também achei que teríamos mais garotas caucasianas, porque se você pesquisa esse tipo de dança, as dançarinas raramente são brancas. No final, negros e pessoas mestiças formaram metade do elenco, porque os escolhi pelo talento como dançarino e a simpatia. Alguns eram tão legais que pensei “Vamos ver o que vocês conseguem improvisar juntos”. Eu só queria filmar eles logo!

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Courtesy of Wild Bunch

O filme é um vislumbre de uma cena jovem que raramente vemos no cinema, especialmente jovens franceses mas também estrangeiros.

É, um pouco como o time de futebol francês! Eles têm poucos caucasianos! Mas essa é a realidade. Procurando esses dançarinos, a maioria deles mora nos banlieus (“subúrbios”), não tem dinheiro e fazem essas batalhas de dança uma vez por mês onde eles explodem. É muito incrível! Às vezes parece até um ritual de dança, como do Haiti ou países africanos.

A câmera é muito alegre quando está nos dançarinos.

Eu mesmo fiz o trabalho de câmera! Benoit Debie fez a iluminação, mas eu estava sempre carregando a câmera e correndo atrás dos dançarinos! Mas sim, um filme é como um trem fantasma: você sabe que nada ruim vai te acontecer! A primeira parte do filme é como uma montanha-russa feliz, e depois vem a parte assustadora. Mesmo quando vi o filme de Lars von Trier [The House Thar Jack Built] noite passada, tem muitas sequências violentas mas eu não conseguia parar de rir – porque você sabe que é só um filme, e as crianças que são baleadas no filme, elas não estão mortas! Você sabe que o patinho não teve as pernas cortadas realmente! Você sabe que ninguém se feriu durante as filmagens, e é por isso que é um filme engraçado também. Seria horrível se fosse um documentário!

Na primeira sequência, o relacionamento entre todos os dançarinos é muito idílico, mas com o tempo, tudo desmorona.

Álcool te deixa idiota… Todo mundo diz que vinho é o sangue de Jesus, e talvez ele abra a sua mente quando você toma duas taças, mas quando você toma duas garrafas, a maioria das pessoas ficam idiotas. Elas têm blackouts, ficam cruéis com todo mundo, ficam agressivas. Para mim, minhas piores memórias de tragédias pessoais ou coletivas estão ligadas ao abuso de álcool. Álcool te deixa idiota!

E drogas também?

Algumas drogas te deixam mais idiota que outras, mas tem algumas que te colocam para dormir e outras que te acordam. Por exemplo, quem cocaína fica muito pretensioso, você quer enfiar a pessoa num armário para ela se olhar no espelho!

O filme também pode ter uma leitura mais política, já que no final, é a garota alemã que “vence”…

Os nazistas vencem! Uma garota alta, loira e ariana…

É estranho ver as coisas terminarem mal para esses jovens que estavam tão felizes no começo. Você não tem muita esperança para os jovens ou para o futuro da França?

É mais sobre os seres humanos, qualquer que seja a cor de sua pele ou nacionalidade. Antes de ser uma pessoa, o homem é um animal, com todas as suas compulsões reptilianas. E se em algum ponto você bloqueia a parte consciente da sua mente, você tem todas aquelas compulsões reptilianas saindo. Como nos filmes do [Sam] Peckinpah ou do [Stanley] Kubrick – eles começam da ideia que o cérebro reptiliano é o mais forte dos três cérebros. Você tem a hipófise, que é o cérebro reptiliano. Aí você tem um segundo, o cérebro mamífero, que é aquele que te faz proteger seus filhos e seu grupo social. Aí vem o neocórtex, que te permite planejar o futuro, construir catedrais, etc. O álcool meio que desliga os outros dois, então você fica com o cérebro reptiliano, que é sobre dominância e instinto de sobrevivência, e portanto sobre sexualidade e reprodução.

Você menci o nou Peckinpah, mas no começo do filme, vemos uma televisão cercada de VHSs de Possessão (1981), Suspiria (1977) e outros filmes de terror, e também alguns livros.

São filmes e livros que eu assistia e lia uns 30 anos atrás. Algumas pessoas me disseram que reconheceram minha coleção pessoal.

Também dá para reconhecer motivos do Possessão no filme em si.

Sim, de todos esses filmes que eu amava nos anos 1990. Possessão é um filme ótimo, e Despertar dos Mortos (1978), os dois se passam em ambientes fechados, é um pouco como o meu filme…

O que você disse aos atores para prepará-los?

Eu disse a eles para não se prepararem, mas mostrei vários vídeos de pessoas sob influência de crack, LSD, todos os tipos de drogas, e fizemos uma playlist desses vídeos de pessoas completamente drogadas dançando. Então, no final do filme, pedi aos dançarinos para dançar de um jeito desconstruído ou psicótico. Treinamos para agir loucamente!

Como todos eles são dançarinos, imagino que eles estavam muito conscientes de seus corpos.

Eles são, e são muito divertidos, eles adoram jogar.

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Courtesy of Wild Bunch

Então é meio perfeito eles interpretarem pessoas chapadas.

Sim, apesar de que cometi o erro, no segundo dia de filmagem, acho, de dar álcool para acordá-los porque todo mundo estava começando a ficar cansado. Depois disso, eles eram só tipo uns bêbados que não conseguiam andar direito! Então parei de fazer isso, e começamos a dar café para eles e depois a tocar músicas que os deixavam excitados. No final, o melhor jeito de acordá-los era pedir para o Kiddy Smile [que faz o “Daddy” no filme] ser o DJ por 20 minutos, e fazer eles dançarem como loucos. Depois disso a gente conseguia filmar por mais duas horas, depois fazer outra pausa com música que não tinha relação com o filme.

Então tinha uma dicotomia entre a dança como forma de expressão e drogas que destroem isso.

Uma coisa é usar drogas de maneira recreativa, conscientemente, com a dose correta, e outra coisa é ter um negócio colocado na sua bebida contra a sua vontade, quando você não sabe o que é e nem se pode ter uma overdose. A mesma coisa que pode ser prazerosa vira um pesadelo quando é uma experiência forçada.

É interessante como seus filmes geralmente mostram uso de drogas e suas consequências.

Talvez seja porque moro em Paris e conheço muita gente assim! E em Berlim é ainda pior. O número de pessoas que conheço que foram para Berlim para serem criativas, e depois de seis meses disseram “Não aguento mais, todo mundo está chapado de ketamina, de ecstasy, 24 horas por dia!” É por isso que acho engraçado que a garota bonita loira seja de Berlim e que ela injete drogas pelo olho!

Também é interessante que no final, seus filmes geralmente apresentam uma imagem bem negativa das drogas, mas quando as pessoas pensam nos seus filmes, elas lembram deles como viagens incríveis…

Não promovo abuso de drogas – não sou bandido! Com álcool e drogas, tem o bom e tem o mau, você tem que saber como lidar com eles. O problema é, se é você que está montado no cavalo, tudo bem, se é o cavalo que está montado em você, sua bunda vai doer!

Adorei a série de cenas onde só dois personagens conversam entre si.

Isso foi totalmente improvisado. Sempre que tínhamos um minuto, eu dizia para os dançarinos falarem sobre os outros para esses apartes. Pedia para eles fofocarem, para dizer coisas boas e ruins sobre os outros, para falar sobre depressão… Eu jogava ideias para eles e gravava, e como filmamos em digital, eu conseguia filmar por 20 ou 30 minutos sem interrupção. Depois de um tempo eles ficavam mais confortáveis, e eu dizia para eles tentarem ser o mais engraçado ou cruel possível, então eles se divertiram improvisando vários tópicos. Depois deixei as melhores partes. A parte que mais deu trabalho para cortar foi entre Cyborg e seu amigo. Eu tinha, tipo, 25 minutos de diálogo, e foi a última coisa que editei porque todo mundo disse que era demais. Finalmente, cortei quatro quintos e isso partiu meu coração! Porque era hilário!

Essa conversa é incrível mesmo, porque é difícil saber se eles estão falando sério…

Eles fazem os bandidos mas não querem ferir ninguém!

Como você teve a ideia desses apartes?

Eu queria apresentar essas pessoas, porque é diferente se apresentar na frente de uma câmera para um trabalho, na frente do coreógrafo como no começo do filme, e outra coisa é estar um pouco confortável e ter essa tensão humana do grupo. Você vê que há rivalidades, desejos, frustrações…

Essa parte realmente torna o filme tipo uma imagem da juventude de hoje que raramente vemos.

Sim, e gostei de como publicações americanas disseram que isso mostra que eu tinha muito amor por esses personagens. É verdade! Para mim, não tinha um deles que era melhor que os outros. Mesmo a personagem da Selva, interpretada pela Sofia Boutella, tem duas caras, e você vê que ela está tentando fazer seu melhor, que ela tem boas intenções, mas assim que o álcool e o produto misterioso entram na cabeça dela, ela se torna extremamente cruel com o garoto que deveria ser o amante dela.

Mas ele também é horrível! E ele é o único homem branco…

Sim, e ele é meio que uma extensão de todos os personagens homens que já criei. Em Irreversível você tem Vincent Cassel interpretando um cara com a cabeça raspada, em Viagem Alucinante você tem outro, e em Love você tem Karl Glusman interpretando um cara com a cabeça raspada! Acho que para mim, esse é o protótipo do cara que é até legal mas só pensa sobre o próprio pinto…

O filme se chama Climax, então todo mundo estava esperando muito sexo.

Clímax não é só sexo!

Mas acho que, depois de Love, as pessoas estavam esperando algo diferente…

Acho isso muito engraçado! A palavra pode ter uma conotação sexual, então as pessoas podiam esperar ver algumas sequências de sexo, mas esse nunca foi o caso!

Você conscientemente decidiu colocar menos sexo no filme? Como uma resposta a Love?

Você não quer fazer o mesmo filme de novo. Além disso, tinha um pênis ereto em Sozinho Contra Todos (1998), tinha mais disso em Irreversível, tem algo assim em quase todos os meus filmes, então essa foi a razão principal. Desviei muito a atenção com Love, especialmente com a impressa americana que ficou “Por que você mostrou o órgão sexual masculino?” Como se tivesse uma diferença entre a orelha de um homem, suas mãos ou seu pau! Entende, eu não queria que a imprensa se focasse só nisso de novo. Mas talvez no próximo eu volte a colocar cenas de sexo!

Matéria originalmente publicada na VICE US.

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