Foto por Stevie Floyd
Opa Jef, aqui é o Drew, do Noisey.
Agradeço mais uma vez por tirar o tempo para conversar comigo. Estava dando uma olhada na transcrição da nossa conversa, e queria saber se você gostaria de falar mais sobre algumas das coisas que estavam rolando na sua vida na época de True Traitor.
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Sei que você disse que preferia não falar no assunto, mas, como jornalista, meu dever é abordar as acusações que foram feitas contra você. Sei que você as contestou anteriormente, e só foi condenado por uma das muitas acusações que foram feitas, mas foi condenado por lesão corporal qualificada.
Tem algum comentário a fazer sobre o assunto, qualquer que seja?
-d
***
Drew,
Entendo que, para um jornalista, todo esse drama jurídico seja intrigante, mas não tenho mesmo mais nada a dizer sobre esse tópico… Se você PRECISA mesmo conversar sobre tudo aquilo, talvez eu diga só que não é algo ao qual eu chegue a dedicar muita energia atualmente… quem me conhece de verdade sabe que tudo aquilo é caô. Gostaria de deixar esse absurdo todo lá em 2011… E realmente gostaria que seu artigo/texto não falasse mal da Decibel. Eles foram super gente boa comigo e com minha família nos últimos tempos, então somos realmente gratos a eles.
Muito obrigado,
W.
Acima você leu dois e-mails que troquei com Wrest, normalmente conhecido como Jef Whitehead, após uma entrevista que realizamos há algumas semanas. Whitehead é um cara assustador, por vários motivos. Ele é assustador porque a sua música, que poderia ser, em termos vagos, descrita como black metal com tudo dentro à exceção da pia da cozinha, é em si mesma assustadora. Ela investiga as profundezas da depravação humana, contando com guinchos brutais de agonia espalhados por um emaranhado de tremolos e batidas turbulentas, que fazem sentido apesar de suas reviravoltas intrincadas. No seu melhor, ouvir a música de Whitehead no Leviathan é como ouvir a sua própria morte em tempo real. Às vezes não buscamos a música para sentir prazer, mas sim para encontrar consolo, nos protegendo dos aspectos duros e cruéis da realidade mergulhando em algo ainda mais sombrio. Quando você estiver à procura de alguma música com a qual se punir, Jef Whitehead estará pronto para você.
Outro motivo de o Jef Whitehead ser assustador é ele ser uma pessoa, no geral, intimidante. Quando conversamos ao telefone, ele disse, num tom casual, coisas do estilo: “o mundo é um lugar frio, cara. Esse negócio de estar vivo não é a melhor festa de que já participei”; ele também pressupõe que “um bando de gente estava falando merda” sobre ele por aparecer na capa da Decibel segurando no colo sua bebê, Grail, e faz comentários depreciativos sobre “meninos ex-faixa-branca que ouviram Number of the Beast algumas vezes” e afirmam ser jornalistas especializados em metal. Mais tarde, na mesma conversa, ele me perguntaria: “antes desse trabalho, você já tinha ouvido o Leviathan antes?” Timidamente reconheci que a minha praia principal não é o metal.
Essas coisas, porém, não são o que mais assustam em Jef Whitehead. A coisa mais assustadora sobre ele é que, em janeiro de 2011, Whitehead foi preso em Chicago após ter supostamente estrangulado a namorada até que ela ficasse inconsciente, ter abusado sexualmente dela com ferramentas de tatuador, e tê-la deixado na rua, do lado de fora da loja de tatuagens na qual ele trabalhava. Depois de ser inicialmente indiciado por 34 crimes, Whitehead foi a julgamento por quatro acusações de abuso sexual qualificado, uma acusação de privação ilegal de liberdade, e uma acusação de lesão corporal qualificada.
Whitehead foi finalmente condenado por lesão corporal qualificada infligida à sua então namorada, embora ele e pessoas próximas afirmem convictamente sua total inocência. Se ele foi falsamente acusado de seus crimes, isso é um golpe para a comunidade do metal – que já não é o espaço mais receptivo às mulheres no mundo da música. Da próxima vez que uma mulher aparecer dizendo ser vítima de um crime sexual, será fácil para seus pares apontar para o caso de Whitehead como evidência de que alegações de agressão sexual devem ser questionadas. O fato é que, para cada acusação falsa de agressão sexual, há muitas outras que não chegam ao conhecimento do público – de acordo com a Rape, Abuse, and Incest National Network, 68% das agressões sexuais jamais são denunciadas à polícia, e 98% dos estupradores não passam sequer um dia na prisão.
Tendo os números a seu favor, você confessaria caso tivesse cometido um crime tão hediondo? E se um amigo seu fosse acusado de algo assim, seu impulso automático seria defendê-lo, presumir a inocência dele, mesmo perante evidências devastadoras em contrário? Se ele é de fato culpado, há muita gente que tentaria convencer você a nunca mais ouvir um disco do Leviathan. Essas pessoas não estariam erradas – muitas vezes argumentos semelhantes são defendidos a respeito de músicos como R. Kelly, Chris Brown e Varg Vikernes, todos ainda com uma base de fãs fervorosos, mesmo com atos horríveis cometidos contra outras pessoas. O lance é que a música deles não é em si mesma danosa – nas músicas de Vikernes é impossível entender uma palavra do que ele diz, e as letras de R. Kelly e Chris Brown são em geral sobre sexo, amor e relacionamentos. No que diz respeito a Whitehead, embora ele dê às suas músicas títulos como “The History of Rape”, e tenha batizado o seu disco mais recente de True Traitor, True Whore, os vocais dele no geral não passam de uma série de gritos ininteligíveis. Contudo, o fato de que a música dele é um produto de uma personalidade nociva deixa muita gente incomodada, e com razão. A questão se transforma em se estamos consumindo a arte ou o próprio artista, o que pode trazer à tona a questão de qual é a motivação de quem ouve. De fato, é possível que alguns fãs do Leviathan tenham gostado de ver Whitehead ser condenado por lesão corporal, pois, de uma maneira perversa, isso reforça a percepção de que o próprio Whitehead é o extremo da humanidade equivalente aos extremos sonoros de sua música.
Não há duvida de que, fora da comunidade do metal, muitos não-metaleiros ficaram sabendo de Whitehead como músico através das alegações que foram feitas contra ele, e foram atraídos para a sua música por algum sentimento de curiosidade macabra. De um jeito bem zoado, essas alegações talvez tenham tornado o seu nome mais conhecido, e portanto lhe trazido mais fãs. Isso não é culpa de ninguém, e é mais indicativo do estado da nossa sociedade do que de qualquer outra coisa.
Seja Whitehead culpado ou inocente, não importando por qual motivo você ouve a música dele e nem mesmo o motivo de estar lendo esse texto agora, Jef Whitehead é uma personalidade carismática. A música dele é interessante, e as pessoas se importam com o que ele tem a dizer, tanto nas músicas quanto pessoalmente. Ele é o companheiro de Stevie Floyd, uma musicista talentosa e tatuadora de valor próprio. O casal tem uma filha, com a qual ele recentemente dividiu uma capa da Decibel. Em nossa conversa inicial, Whitehead nada quis falar sobre sua condenação, e, como foi visto acima, não oferece muito mais quando perguntado outra vez. Apesar de alguns momentos que, confesso, foram tensos, a impressão é de que Whitehead foi o mais aberto possível comigo, e que está levando a sério suas novas responsabilidades como parceiro e marido. É como se ele estivesse vivendo as palavras que Grayson Currin, contribuidor ocasional do Noisey, usou para descrever Scar Sighted em sua resenha do disco para a Pitchfork: “Parece basicamente uma tentativa imperfeita, porém intrigante, de reorganizar a própria vida e se reafirmar como artista, não reparar os erros mas não repeti-los também.”
O que segue é uma transcrição de minha conversa com Whitehead, com a qual ele concordou de modo a promover seu novo LP, Scar Sighted. Ela foi condensada e editada tendo por objetivo uma maior clareza.
Ouça “Within Thrall”, uma faixa de Scar Sighted, abaixo.
Noisey: Fale sobre a capa recente na Decibel.
Jef Whitehead: É o que está rolando na minha vida, e mais séria que isso a coisa não fica. Só achei que seria uma ideia maneira aparecer com a minha filha na capa. E também meio que fiz aquilo porque, tipo, ao contrário da maioria dos músicos do metal, que são durões, pensei que seria bom fazer o oposto. Fiz uma parada para a Stereogum e o cara me disse que tinha muita gente falando merda, dizendo que não sou kvlt e pá e tal. O que tá de boa, não tem problema. Mas me pergunto como as bandas deles soavam em 98, 99, 2000. De verdade não me importo com o que gente que não cria música tem a dizer, porque eles são uns voyeurs. Não sei porque ter uma filha, ou respeitar o amor pela minha família tem qualquer coisa a ver com kvlt.
A coisa toda não é algo que eu teria feito. As primeiras vezes que a Decibel me procurou pra fazer umas paradas, eu não estava no clima. Já vi a revista, ela era muito zombeteira e zoava do metal, parecia um monte de crianças ex-faixa-branca que ouviu Number of the Beast algumas vezes e resolveu criar uma revista. Mas isso não é verdade, e pude conhecer alguns daqueles caras. O coração deles está no lugar certo, e eles são duros na queda e gostam de todos os tipos de metal. Continua sendo bizarro que tenham colocado na capa alguém que não faz turnês e nem toca ao vivo. Mas, em alguns meses, ninguém mais vai se lembrar disso, então que importância tem?
Parece que você tem tido uma atitude mais tranquila em relação à imprensa nos últimos um ou dois anos.
Acho que isso tudo meio que é um obstáculo no caminho da música. As pessoas, é claro, querem ler o que você tem a dizer, querem ver a sua cara, saber que camiseta você usa. Eu sou um homem de 46 anos que se veste como um garoto de 16 e ainda usa camisetas de banda, porque sou obcecado por música e isso é algo que nunca vai embora. Eu totalmente, de todo o coração, gosto da linguagem kvlt, o lance de ficar oculto sob a maquiagem de cadáver e todas aquelas imagens, mas eu sou assim agora. Não preciso dessas coisas. Tenho certeza de que tem muita gente me chamando de vendido, o que de fato não faz sentido, porque, se ouviram o novo disco, viram que com certeza eu não me vendi. Estou soltando o meu próprio vinil, e certamente não estou ganhando dinheiro com isso. Posso comprar as fraldas e tal, mas não dirijo um Lexus ou coisa assim. Curto totalmente a vibe do cara que faz música e solta dez cópias e é difícil de encontrar, adoro esse tipo de coisa. Investi muito tempo nesse disco, e quero que as pessoas comprem o vinil. Onde eu moro tem muita gente que se veste estilo metal e essas coisas, o que eu acho foda. Você vê tipo garotos de 20 anos usando camisetas do Sodom. Como caralhos você conhece o Sodom? E aí você percebe: “ah, o seu pai conhece o Sodom. O seu pai que é o metaleiro.” Onde eu moro tem muita gente que curte a expressão do metal. Seja black, doom, death, o que for. Tem muitas bandas aqui que trabalham do jeito certo.
E tem muita natureza também, o que é muito bom para cultivar essa sensação de estar sozinho.
Isso. Eu fui criado em cidade, mas minha namorada Stevie quer ir morar numa cabana no meio do mato algum dia. Gosto de viver em meio ao concreto. Gosto de ir ao centro da cidade e ver a depravação e as profundezas às quais um ser humano consegue descer. Não sei por que isso me atrai. Quer dizer, a natureza é massa, mas não escrevo música sobre árvores ou coisas do tipo, e tem algumas bandas que fazem isso e são boas, mas, se eu fizesse, não seria uma coisa honesta.
Você gosta de ser pai?
É maravilhoso. Todo mundo diz a mesma coisa: é a coisa mais difícil que já fiz na vida, não existe folga, mas é maravilhoso. Eu acordo e dou de cara com alguém empolgada de me ver todos os dias. E é uma coisa sincera. Ela é a pessoa mais sincera que já conheci. Não está presa em um mundo em que fica postando selfies e alimentando a autoestima com os likes que recebe. Ela é super aberta, e quando saímos com ela no colo ou no carrinho de bebê, ela é super observadora. Repara em tudo, e tudo é novo, e ela não sabe o que são as coisas ainda, mas está aberta a tudo. E isso é lindo, mas, ao mesmo tempo, é aterrorizante, porque você fica com a síndrome do papai urso, tipo: “não com a minha garotinha”. Já tinha pensado em ter filho antes, e sempre me ocorria: “cara, espero não ter uma menina, porque aí vou ter que comprar uma espingarda.” Não posso mais sair por aí fazendo merda. Tenho que estar presente e assumir as responsabilidades.
E quanto à Stevie, sua namorada?
A gente faz tudo junto. Ela é o amor da minha vida, é a minha melhor amiga. Às vezes ela me odeia, é claro, mas a gente faz tudo junto. Vivemos juntos, trabalhamos juntos, ela é uma artista maravilhosa, tatuadora, musicista. O pacote completo. Muitas das coisas que estão rolando pra mim, referentes ao Leviathan ou à vida como um todo, tipo, nunca imaginei que seria dessa forma. Estou fazendo o meu próprio merchan pela primeira fez. As pessoas não imaginam que isso é uma quantidade de trabalho inacreditável. Sempre quis me distanciar, tipo, eu faço a música e deixo que a gravadora cuide disso. Mas sempre acabam comendo o seu rabo. Mesmo que seja uma gravadora honesta, acaba havendo uma outra pessoa que tem poder sobre o que você deseja fazer. E agora somos só eu e ela. É, hum… como vou dizer isso, cara? Tipo, foi excelente a época em que trabalhei com o Chris (Bruni, da Profound Lore), e ele é foda. E quero trabalhar com ele no futuro. Mas, como provavelmente todo mundo sabe, eu estava envolvido com outra gravadora, na qual assinei um contrato para basicamente sete discos. Os termos não eram esses, mas eram sete discos, e eles tinham os direitos sobre todas as músicas. E fiquei tão eufórico, tipo: “aê! Eles vão vender meus discos, uhul!” Não cheguei a pensar a fundo sobre a coisa, entende?
E é claro que eles promoveram a minha música, e publicaram anúncios na Metal Maniacs e tal, e me informavam de que eu estava sendo tocado nas rádios. Estou pouco me fodendo paras as rádios universitárias. Mas a tal gravadora ganhou muito dinheiro com a banda. É um negócio podre, eles estão muito envolvidos com a igreja de Satã, afirmam ser satânicos e coisas do tipo, mas são só uns escrotos. Não é kvlt, não é satânico, eles estão só cagando em cima da cena. E se você contra-ataca, eles falam tipo: “ei, o lance não é a grana, cara, isso não é kvlt”, mas isso é tão fácil de dizer, porque tipo, eu não vi a casa onde o sujeito mora, mas tenho certeza de que mal de vida ele não está.
Só de zoação fui ver quem estava com essa tal gravadora agora, eles têm uma banda – uma banda que chama Thrall, e essa é a única coisa com um mínimo de qualidade. Têm um monte de bandas bregas, uma banda do sul que usa maquiagem de cadáver e óculos por cima. Insisto para que qualquer um que seja um amante da música, que ame a música, mantenha distância da Moribund Records. O cara é, a coisa é simplesmente horrível. Ele licenciou cinco discos a serem lançados por uma gravadora alemã, e ficamos negociando e eles querem mais discos, e me mandaram duas cópias de cada um dos cinco discos. E licenciaram do jeito certinho, pagaram o dinheiro pra ele, mas ele disse para os caras que eu estava na prisão, então passaram meus royalties e as minhas cópias para o Odin (da Moribund). E eu falei: não vou fazer mais coisa nenhuma com vocês a menos que receba 50 cópias de cada disco. E eles falaram tipo: “isso não podemos fazer, a gente fez tudo do jeito certinho”, e eu entendo o lado deles, mas foi o que fizeram, acabaram de soltar o True Traitor em vinil, sem fazer uma prensagem de teste. Falaram: “ah, é? as pessoas fazem prensagens de teste?”, e é tipo, porra, você começou a trabalhar nisso ontem? E coloquei a Stevie para negociar com eles, porque eu apelo e não se pode conduzir negócios dessa maneira. Não é bom ficar alterado desse jeito. Eu nem conheço as bandas deles, me mandaram algum material delas e é tipo um festival de bocejos, entediante demais. Então eles licenciaram para fita cassete, para um cara da Carolina do Sul. E conversei com ele, que me mandou fitas, porque as pessoas não sabem que, quando licenciam, eu não tenho nada a ver com a coisa.
Quando aquela gravadora alemã me mandou um e-mail dizendo “nós temos uma relação muito próxima com os artistas”, é tipo, vocês nunca entraram em contato comigo. E eles soltaram todos os cinco discos sem a arte de capa, e isso é fazer merda. O Massive Conspiracy e o Chemicals of War tinham arte de capa e as letras e tal. Saiu um negócio incompleto, especialmente no caso do Massive. E meu amigo Tim Lehi fez a arte para esse disco, que na minha opinião, ficou linda. Então é quase como se você estivesse vendendo um bootleg, uma versão em vinil de um CDR. E é claro que eu levo isso pro lado pessoal, cara, eu coloquei o meu coração naqueles discos. Aquela porra significa muito pra mim, e vou reprensar aqueles discos eu mesmo. E o sujeito pode me processar ou enfim, mas no fim das contas eu vou reprensar aqueles discos, porque eu e Stevie estamos começando uma gravadora. Mas antes, vamos fazer demos, tipo demos de todos os três projetos. Tipo, tenho livros de CDRs que ninguém ouviu ainda.
Acho que as pessoas se interessam especialmente pelo material do Lurker of Chalice.
Eu tenho um monte de coisa do Lurker que ninguém ouviu. Mas também eu vendi CDRs contendo material do Lurker em São Francisco, que foi onde comecei a trabalhar nele. Mas, na verdade, não tenho as cópias daqueles CDRs, então não tenho certeza do que as pessoas ouviram, mas já vi um desses sair por tipo US$250 no eBay.
Vamos conversar um pouco sobre o Scar Sighted.
Não acho que eu ainda esteja fazendo black metal. Não cabe a mim dizer se o Leviathan é black metal, porque não sei o que caralhos ele é. Mas não é, de vez em quando ouço as minhas músicas mais antigas, e fico tipo, sim, isso aqui é black metal clássico. Mas agora não sei o que caralhos estou fazendo.
Você com certeza agora tem um alcance que vai além da comunidade do metal.
Quando você ouve as minhas paradas, fica bem óbvio que eu ouço muito mais coisas do que só black metal.
Quais são algumas das coisas em que você se baseia quando faz um disco como esse?
Já estive em bandas antes de começar o Leviathan, mas é uma coisa muito pessoal, e é uma forma de vazão, e consegui colocar muita coisa pra fora. Mas isso vale mais para o conteúdo das letras. Grande parte da coisa é só – e isso vai soar brega – mas é só experimentação, e tentar encontrar progressões de cordas, ou juntar notas musicais. Alguém me contou que, quando uma música te deixa triste, os sons reverberam na letra e te deixam triste. Não sei se isso é verdade, mas acho muito interessante. E sempre me senti atraído pela música que é mais sombria ou melancólica. Mas sempre tentei fazer algo diferente, ou algo que não fiz antes. Não acho que nenhum dos meus discos soe como o disco anterior. E graças a deus por isso, porque o True Traitor é uma merda. Essa porra de disco é horrível. Eu estava curioso e o peguei para ouvir há algumas semanas.
Por que você acha ele horrível?
É super feito nas coxas, não tem um foco, e muito disso foi porque o escrevi quando a gente estava gravando. E muito também é porque tinha muita merda acontecendo na minha vida naquela época.
Você quer falar sobre isso?
Eu meio que prefiro não falar. Quando estava rolando, meio que já falei o bastante sobre o assunto. Mas nessa época dei duas entrevistas, uma para a Pitchfork e outra para a Decibel. E eu estava zoado de bêbado nas duas. A com a Decibel foi pelo telefone, a da Pitchfork foi pelo computador. E não sei se você leu essas entrevistas, mas eu pareço um menino de 15 anos. Mas não estou bebendo mais, o que é bom.
Mas, voltando à sua pergunta, não faço ideia de que merda estou fazendo. Não ouvi o Scar Sighted desde que foi masterizado, e conheço gente que obrigaria de verdade os amigos a ouvir a música delas o tempo inteiro. Não vou citar nomes, mas um cara com quem estive envolvido convidava um pessoal e colocava sua própria discografia inteira para tocar. Você olha em volta, e vê os discos todos dele pendurados na parede. É tipo se eu convidasse você para um festival em homenagem à minha pica. É constrangedor.
O cara sabe compor boa música, mas tudo se resume a duas músicas, na verdade. Acho que é insegurança, acho que a música constitui a identidade deles, e eles se identificam através de como se expressam musicalmente, o que eu entendo, mas, para mim, é meio constrangedor. Ainda mais agora, tipo, tem tanta coisa acontecendo na minha vida, e o mundo não pode girar em torno de mim. Para mim, a música é uma coisa muito egoísta. Nunca sequer me ocorreu a possibilidade de ter mais gente tocando num disco do Leviathan, e nem de alguém tocando ele ao vivo.
Você sente que ficou mais brando hoje em dia?
Talvez exteriormente, ou para as outras pessoas, mas na minha cabeça não.
Como assim?
Dentro da minha cabeça há muitos padrões de pensamento ou filosofias que prefiro não mencionar e que não quero compartilhar com a Grail. Não quero que essas coisas passem para ela. Ela precisa cometer seus próprios erros e viver a própria vida, mas o mundo é um lugar frio. E estar vivo nem sempre é a melhor festa em que já estive. Mas, se eu puder estar presente para ela, e ajudá-la a entender essas coisas, tipo, não existe maneira de proteger os seus filhos de tudo. E você nem quer fazer isso. Sempre aprendi tudo da maneira mais difícil, e ainda sou assim. Sim, estou um pouco mais brando e conformado com a mão que recebi da vida e com o que aconteceu. Não é como se tudo tivesse simplesmente acontecido. Tenho trabalhado nisso com muito afinco. E Stevie tem sido super providencial nisso. Nós dois trabalhamos muito em nós mesmos. É meio isso que é amadurecer, acho eu.
Você tem uma perspectiva mais ampla?
Sim. Eu me sinto afortunado, como por exemplo o jeito que tratei as pessoas em Chicago, ou simplesmente como eu me portava no dia a dia, tem uma série de pessoas às quais, porra, eu não devia nem dirigir a palavra. Conheci pessoas realmente incríveis através da música, andando de skate quando era garoto, fazendo tatuagens, artistas. Tenho amizade com alguns artistas realmente inspiradores, é estarrecedor o que eles conseguem fazer com uma tela ou numa gravação.
Fale sobre o Devout.
Então, eu e Stevie nos conhecemos em Boise, Idaho, e voltei para Portland com ela, e Stevie nessa época estava trabalhando no eight-track dela em tempo integral. E começamos a fazer um monte de músicas, mas não tínhamos uma bateria, então meio que fizemos um círculo de bateria, por falta de termo melhor. Uma faixa de eu batendo num bumbo com uma colher de pau, uma faixa de eu batendo em vidro, é bem interessante. No final das contas arranjamos uma bateria, e todas as músicas são muito diferentes. É muito legal trabalhar com ela, e ela tem uma porrada de ideias excelentes. Estamos já há um bom tempo aprendendo a mexer no Ableton e tal. O Devout tem alguma coisa que nos deixa muito empolgados.
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Tradução: Marcio Stockler