Era uma vez na América… Sexo, Drogas e Rock n’ Roll no dealbar do século XXI

O título do livro, Meet Me In The Bathroom: Rebirth and Rock And Roll In New York City 2001 – 2011, da autora e também jornalista, Lizzy Goodman, não se refere apenas a essa modalidade olímpica de snifar coca na casa-de-banho ou, no caso da letra dos The Strokes, de práticas de luxúria desalmada, literalmente como se não houvesse amanhã. A obra conta a história oral (calma com essas piadas fáceis, vá lá…) do renascimento do rock em Nova Iorque, narrada sobretudo pelos próprios músicos, jornalistas e agentes. Aquele que é o grande acontecimento desta rentrée literária deve-se em muito à maneira tão sincera e tão íntima com que os protagonistas se abrem. Sem merdas. Isto pode virar um clássico, daí a pertinência.

Se, como diz o Jorge Palma, “na terra dos sonhos, podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal”, no sonho americano, sempre houve lugar para a estupidez. A prova disso era a situação surreal de, a dada altura, haver uma lei nos bares de Nova Iorque que dizia que era proibido dançar. Em caso de inspecção, conta-se que num bar, por exemplo, havia o procedimento de se ligar uma luz azul, que acendia na mesa do DJ e este tinha instruções para meter o Kid A dos Radiohead. O objectivo era muito claro: os clientes ficarem estáticos por pura reacção à música. Não são só os ingleses que têm um sentido de humor refinado.

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É neste ambiente do virar para o século XXI, que se dão grandes transformações, naturalmente com o 11 de Setembro de 2001 à cabeça. Mas, também a era pós-grunge, a ressaca do nu-metal, os Oasis e os Blur a lamber as feridas da década anterior, uma altura em que os Coldplay eram considerados alternativos.

“O indie em Inglaterra era aborrecido”, diz Vito Roccoforte, baterista dos The Rapture. E explica: “As bandas queriam imitar os Radiohead, o pós- britpop estava estranho”. “Havia uma terrível terra de ninguém preenchida pelos Coldplay e pelos Travis”, lembra, por sua vez, o jornalista Conor McNicholas. A banda do ano (2001) para a revista Spin foram os U2, o conservador Rudolph Giuliani comandava os destinos de Nova Iorque, com a especulação imobiliária (e as leis imbecis como a de não se poder dançar), a gentrificação e o mítico CBGB em fase descendente, com sucedâneos parolos dos Green Day a ocuparem a programação.

“Mudámo-nos para Brooklyn porque éramos pobres, certo?”, diz no livro, Suroosh Alvi, co-fundador da VICE. Quando se mudaram, foram para uns escritórios onde, à porta, pela manhã, o chão estava cheio de seringas e outros despojos. As prostitutas faziam broches a camionistas ali mesmo, e se alguém da VICE mostrava incómodo ao passar arriscava um irado “Vocês é que estão na nossa casa, motherfuckers!“. “Certo, desculpa”, relembra Suroosh.

“Um ano ou dois depois, alguém decidiu chamar à VICE, a bíblia hipster. Uma revista qualquer escreveu um artigo a contar o incrível que Williamsburg era, com a sua cena musical e a VICE mesmo lá no meio e isso tornou-se parte da nossa identidade”, recorda Alvi. Uns ilustres desconhecidos chamados Interpol ensaiavam por ali e, numa das primeiras festas da VICE, tocaram uns tais de Yeah Yeah Yeahs. Tinha tudo para dar certo para quase toda a gente… e deu.

Capa da edição norte-americana de Meet Me In The Bathroom: Rebirth and Rock And Roll In New York City 2001 – 2011

Os The Strokes rebentam em pouco tempo. Por todo o lado. Ficou tudo doido. James Murphy, da editora DFA e, mais tarde, dos seus LCD Soundsystem estava lá, nos sítios certos, às horas incertas e provavelmente tardíssimo, com testosterona, droga e egos à mistura, não fosse esta uma história de rock and roll, mas também dos seus derivados, já que alguma dance music se entrosou com o rock, como no caso do electroclash, uma espécie de estado onde tudo parecia ser permitido. São estórias urbanas que se cruzam, como a do vocalista dos The Rapture que trabalhava num bar onde a malta fixe ia, ou um gajo dos Vampire Weekend que, antes do sucesso da sua banda, foi estagiário dos The Walkman, numa cidade que não dormia.

Com o passar dos anos, o tom e o distanciamento foram fundamentais para o resultado final desta obra, já que há momentos até cómicos, numa espécie de confessionário dos próprios, a que não terá sido alheio o facto de a autora, Lizzy Goodman, ter feito ela própria parte da movida. Também é a prova de que alguma proximidade com os intervenientes dá jeito e que, de outra forma mais by the book, com algum afastamento imparcial, por exemplo, não teria sido possível obter algumas declarações tão desconcertantes.

Em 2000/2001, os The National ensaiavam ao lado dos Interpol e viram o sucesso destes últimos a acontecer muito depressa. Como naquele dia em que deram por eles a numa sessão fotográfica todos de fatinho e eles ainda de t-shirt, perfeitamente normais. Por vezes paravam de tocar e ouviam as canções dos vizinhos e pensavam para eles próprios que ainda lhes faltava um longo caminho. O que é certo é que também o fizeram e chegaram lá. “Gostávamos de ter sido os Strokes, mas já éramos mais velhos e de Cincinnati. Não tínhamos nada feito de cabedal e as Converse fazem-me doer as costas. Já na altura era mais um gajo das New Balance. Portanto, sabíamos que não podíamos ser os Strokes, nem sequer deveríamos tentar”, conta Matt Berninger, vocalista dos The National.

Este efeito de contagio, mas também de competição, fica patente quando Brandon Flowers, dos The Killers, compra em La Vegas o primeiro EP dos The Strokes e depois o primeiro disco. “Fiquei deprimido durante meses. Fizeram-me ver que não era suficiente bom”, garante. Já Dave Sitex, dos Tv On The Radio, lembra-se que, enquanto os amigos (Yeah Yeah Yeahs, Liars, etc…) já andavam a fazer grandes festivais, a sua banda ainda estava a “fazer músicas de nove minutos sobre o aquecimento global”. Segundo o próprio, não havia problema, pois o sucesso ainda não fazia parte da equação. Mas, mais tarde, o seu companheiro de banda, Jaleel Bunton, lá reconheceu que, já com algum sucesso, sentiu falta de alguma emoção. No final dos concertos eram apenas convidados por casais para tomar café num bar, ou algo do género. Uma coisa muito polida, urbana, cosmopolita… e, com um sentido de humor bastante sagaz, remata: “Tudo bem que não éramos os Mötley Crüe, mas…”. Fez-lhe falta não haver barreiras.

São pequenos episódios destes que vão apimentando um livro – está recheado deles e é tão bom, mas não se pode contar tudo aqui -, cuja espinha dorsal anda muito à volta dos LCD Soundsystem e The Strokes, com os Yeah Yeah Yeahs e Interpol também analisados com alguma profundidade. Dores de crescimento, intriga, traições, o verdadeiro sexo, drogas e rock and roll… um autêntico argumento para um filme – ora aí está uma boa ideia, quem sabe? – baseado em factos reais, que marcaram uma geração não muito distante.

Meet Me In The Bathroom é um verdadeiro retrato do pós 11 de Setembro, pré-YouTube e Facebook, como ainda há poucos – dado o critério de proximidade -, mas que faz a ponte para o estado actual das coisas, numa altura em que os hypes são cada vez mais efémeros. Estes foram, provavelmente, os últimos momentos de um romance à moda antiga. Mesmo à distância – e tal como dizia a canção “Loosing My Edge“, onde James Murphy cantava, I was there! -, muitos de nós também lá estiveram. Cada um à sua maneira. E, tal como as bandas, uns envelheceram melhor do que outros. Pode não ter a carga simbólica e dramática de um enredo como o Era Uma Vez na América, mas é uma epopeia dos nossos dias e vimo-la a acontecer (quase) à frente dos nossos olhos.

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