Essa Agência de Viagens Oferece Pacotes para a Inglaterra da Austeridade

Turistas já estão entre as pessoas mais odiadas do mundo. Mas, agora, existe uma empresa na cidade que está trabalhando arduamente para torná-los ainda mais malquistos.

Você procura um destino de férias para se embasbacar com os locais tateando entre as cinzas de sua antiga existência? Talvez você goste da ideia de se tornar um peso desnecessário numa área com preocupações políticas urgentes, como uma revolução estagnada ou uma guerra iminente? Bom, agora você pode tudo isso, graças à Political Tours.

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A empresa se descreve como “um conceito revolucionário para viajantes apaixonados por política e assuntos atuais”. Basicamente, uma agência de viagens, mas em vez de levar você para passeios com nomes do tipo “Danúbio Romântico” ou “Mistérios das Catacumbas”, as ofertas recentes incluem uma jornada pela Líbia pós-revolução, um país ainda à beira do caos (por cerca de 15 mil reais, fora os voos); Turquia, enquanto seu governo flerta com o autoritarismo (R$9.000), e Ucrânia, aproveitando que o sangue da Maidan ainda não secou (R$11.800).

Se as massas oprimidas do mundo consideram fazer uma revolução em breve, é bem possível que elas tenham que aturar um público de ricos intrometidos que pagaram milhares de dólares para assistir à sua miséria.

Também topei com o passeios “Londres e a Crise Financeira – O Débito e a Cidade” (aparentemente, é uma piada besta com Sex and the City). Seja lá por qual razão, estar passando por essa merda econômica que precipitou a devassa dos Tories à Previdência Social e a prevalência de empregos escrotos e sem nenhuma estabilidade nos transformou num zoológico para turistas. Custa R$1.400 para vagabundear pela Square Miles por dois dias. Se você precisa torrar essa grana para entender o impacto da crise econômica, provavelmente nunca vai entender porra nenhuma.

Mas a descrição faz o passeio parecer muito legal. “Começamos em Mile End, East London, uma das áreas mais pobres da Inglaterra apesar da proximidade com o centro – observamos famílias afetadas pelo débito.” E como vocês fazem isso? Ficam andando pelo bairro, encarando gente pobre enquanto elas espiam tristes pela vitrine de uma loja de penhores?

A agência também promete ao turistas a chance de “ver um grande projeto de construção que foi paralisado depois da queda do mercado”. No caminho para o trabalho nos últimos meses, passo sempre por um canteiro de obras que vai gradualmente se tornando um novo condomínio fechado de apartamentos, que logo será comprado por bilionários estrangeiros como oportunidade de investimento.

Muitas vezes eu penso em como, no período de menos de um ano, venho observando um pedaço da história socioeconômica acontecendo: a venda de Londres como a conhecemos e sua “renovação” num playground de milionário. Se eu soubesse que as pessoas estão dispostas a pagar por esse privilégio, talvez eu tivesse parado de me preocupar em chegar atrasado e dado uma pausa para apreciar a experiência. Sei lá, talvez eu devesse encarar cada aspecto escroto da minha existência como um pacote turístico de iluminação sobre a vida na Inglaterra do século XXI. A parte boa é que, para mim, o passeio é grátis. A parte ruim é que eu não posso ir embora.

Uma apresentação de fotos mostra a parte emocionante de andar lado a lado com os trabalhadores do centro de Londres.

A próxima parada no itinerário é um “curso intensivo sobre as armas financeiras de destruição em massa” em uma das “maiores firmas de investimento de Londres”. Acho que ouvir um megalomaníaco explicar onde ele esconde os corpos deve ser mesmo interessante. Provavelmente, os turistas vão conhecer os City Boys, que continuam inexplicavelmente empregados, tentando explicar como eles arruinaram a economia através de vários mecanismos financeiros criados especificamente para foder com as pessoas, sem que elas entendam muito bem como ou por quê. Fico pensando que emoção vem primeiro: raiva ou tédio? Muito emocionante mesmo.

O segundo dia segue basicamente a mesma vibe. Os destaques incluem: “Ouvimos dos políticos que tentaram responsabilizar os banqueiros, e dos reguladores – o FSA [Financial Services Authority] e o Banco da Inglaterra – sobre como eles lidaram com a crise”, durante o almoço. Dado como o FSA foi fechado recentemente, pelo que a Wikipédia descreve educadamente como “falha na regulamentação dos bancos durante a crise financeira”, e como isso geralmente ganha o prefixo “o muito difamado” pelos jornalistas financeiros, imagino que essa parte seja muito deprimente ou uma fantasia revisionista tipo As Aventuras de Bill e Ted.

Mais ofertas de pacotes.

Se passear por Londres não é exatamente sua fantasia, por que não fazer a “Turnê Escócia – A Estrada para a Independência”? Por meros R$9.500 você pode. “Encontre ex-simpatizantes do Partido dos Trabalhadores num típico clube de trabalhadores e veja como o SNP (o Partido Nacional Escocês) tomou impulso com o declínio da indústria tradicional.”

Não entendo bem por quê, em plena era da internet, você não pode simplesmente pesquisar um boteco de trabalhadores, pedir um pint barato e conversar com as pessoas lá. Mas estamos falando de nacionalistas escoceses que tiveram sua indústria tradicional tirada deles; e talvez por isso mesmo eles comam viva qualquer pessoa com sotaque inglês que aparecer, a menos que você esteja acompanhado de um guia portando uma arma de choque para gado.

De todos os pacotes da Political Tour, talvez o exemplo mais descarado de pornô da pobreza seja o “Grécia e a Turnê do Euro”. Por apenas R$10.000 você será apresentado aos segredos das “origens, propósito e valores” do Movimento Batata, em que “prefeituras compram grandes quantidades de produtos agrícolas e os vendem aos cidadãos pelo preço de custo”. Bom, não sou especialista na crise financeira grega, mas aposto que as “origens, propósito e valores” do Movimento Batata tem a ver com o fato de as pessoas não conseguirem comprar sequer comida. Também há uma palestra sobre economia chamada “Como a Economia Real foi Destruída”, na qual “um economista argumenta que a Grécia necessita de uma grande reforma estrutural”. É, gregos, cadê o espírito empreendedor de vocês? Vocês estão na merda há anos agora. Nunca passou pela cabeça de vocês que *talvez* sua economia esteja precisando de uma grande reforma estrutural?

Ou talvez vocês possam conseguir uma economia de verdade, na qual empreendedores ardilosos fazem ricos idiotas pagarem milhões de euros para visitar os sopões do Reino Unido e perguntar por que as pessoas não têm o que comer.

A idiotice crassa de tudo isso é resumida perfeitamente na visita à histórica Praça Syntagma, “onde as manifestações contra as medidas de austeridade culminaram e onde muitas revoltas começaram”. Colegas meus já estiveram nessa praça desviando de coquetéis molotov, reportando como os gregos se utilizaram de violência, atacando uns aos outros por diferenças políticas que ferveram devido ao peso da austeridade sob uma nação outrora orgulhosa.

É uma tragédia em andamento e esses putos querem se aproveitar disso por entretenimento barato. Quem diabos faz uma coisa dessas?

@SimonChilds13