Klaus Quirini afirma ter sido o primeiro DJ do mundo. Obviamente que isto é uma afirmação extremamente duvidosa que nunca ninguém vai conseguir provar, mas, até agora, ninguém se queixou, portanto vamos ter de a aceitar como verdadeira. E porque não? Reza a lenda que, uma noite, Klaus se deparou, por acaso, com uns gira-discos, inventou o nome DJ Heinrich e fez nascer toda uma nova era. Como não fazemos ideia do que era a diversão na Alemanha do pós-guerra e estamos interessados em saber o que é que um tipo de 60 e tal anos tem a dizer sobre o que é ser-se pai da cultura DJ, encontrámo-nos com ele para uma conversinha.
VICE: Como é que foi a tua primeira noite como DJ?
Quirini: Bem, foi em 1953. Na altura trabalhava como jornalista. Tinha acabado de fazer 18 anos e fui a um clube de dança que havia na zona (a palavra “discoteca” ainda não tinha sido inventada). De acordo com a lei, eu ainda era menor, mas estava com uma bebedeira de whisky. O tipo da Ópera de Colónia que estava encarregue da música nessa noite era completamente aborrecido, por isso eu e os meus amigos estávamos um bocado irritados. O dono do clube veio ter connosco e disse que estávamos à vontade para tratarmos nós da música. E foi isso que fizemos.
E o que aconteceu a seguir?
Comecei a minha performance com as palavras “senhoras e senhores, agora vamos afundar isto tudo” e pus a tocar uma música sobre navios. As pessoas adoraram e aplaudiram tudo o que eu punha a tocar. No fim da noite, o dono veio ter comigo e ofereceu-me 800 marcos alemães por mês. Era muito dinheiro para aquela altura, logo a seguir à guerra. O meu pai disse-me para arranjar um nome artístico, porque era um dos fundadores do Deutsche Bank e não queria o nome Quirini associado a esse tipo de coisas. Foi por isso que me passei a chamar de DJ Heinrich.
Quanto tempo demorou até aparecerem os primeiros macacos de imitação?
Cerca de um ano. A palavra “disco” surgiu do nada e assim, de repente, já havia 42 discotecas em Aachen, o que é imenso para uma cidade com 250 mil pessoas. Hoje já só restam quatro.
Os DJs de Aachen já na altura eram party animals como os de hoje?
Completamente. E costumava dançar todas as músicas, às vezes até ia para o meio da multidão. Era por isso que tinha sempre duas toalhas junto da minha mesa de mistura. Consegues imaginar o calor que não dava pôr música de fato e gravata. O dress code era muito importante, muito mais do que hoje em dia, claro. Uma das coisas em que reparo é que os jovens de hoje se vestem muito pior do que antigamente. Se prestassem mais atenção àquilo que vestem, garanto-vos que iam ter mais sorte com as mulheres.
E tu, tinhas muita sorte com as mulheres?
Os tempos eram outros… Casei-me aos 22 anos. Às quatro da manhã já estavas todo contente por aquilo ter acabado para poderes ir para casa. A mentalidade também era diferente. Eu via-me mais como um artista de substituição, ou um fornecedor de serviços que tinha uma responsabilidade para com a sua audiência, tal como um empregado de mesa que serve uma garrafa de champanhe.
Chegaste a aprender os truques mais recentes dos DJs? Tipo, remisturas e scratching e assim?
Não, isso já foi muito depois do meu tempo. Deixo isso para o Sven Väth e outros que tal. O que me interessou mesmo na altura foi quando começaram a aparecer os primeiros efeitos visuais, isto nos anos 70. A música dos discos é algo morto, sem vida, tem de ser ressuscitado pelo DJ. Nos anos 70, as coisas começaram a desenvolver-se mais para o lado dos efeitos. Os efeitos de luz e efeitos visuais eram mais interessantes do que falar com a audiência. O scratching só começou nos anos 80 e vem como seguimento de todo esse movimento.
E quais são os teus hábitos musicais hoje em dia?
Ainda gosto dos Beatles, dos Stones. A música da minha juventude, estás a ver? Muita gente continua a enviar-me discos, mas eu já nem ouço a maioria deles. Há uns tempos, um jovem músico, cujo nome já não me lembro, veio ter comigo e eu disse-lhe “ouve rapaz, a música que fazes é péssima”. E uns meses depois ele era disco de platina. Realmente os tempos mudam.
Qual foi o pior pedido que te fizeram enquanto DJ?
Na verdade, não me lembro de nada assim muito maluco. Acho que tem que ver com a época. Antes as pessoas respeitavam-me imenso e eram sempre simpáticas para mim, tal como eu era para elas. Nunca disse que não a um pedido. Estava a providenciar-lhes um serviço, não o podia negar, percebes?