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​Este garoto de 17 anos quer revolucionar o mercado de próteses de braços

“Tudo começou quando vi o chute da abertura da Copa do Mundo de 2014”, contou Luiz Fernando da Silva Borges, 17, estudante do curso técnico de informática do Instituto Federal do Mato Grosso do Sul (IFMS), na pequena cidade de Aquidauana, interior do estado.

O fruto da pesquisa do neurocientista Miguel Nicolelis, responsável por fazer um paraplégico chutar uma bola por meio de uma ligação cérebro-máquina, despertou seu interesse em estudar próteses sofisticadas, mas o pontapé que faltava veio com um episódio da série House em que o médico protagonista lida com paciente com síndrome do membro fantasma – condição que leva pessoas a sentir dor onde houve perda anatômica.

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Fascinado com o fenômeno, Luiz passou a desenvolver um método para restaurar a sensibilidade tátil das próteses de antebraço. Seu objetivo, diz, é permitir às pessoas que perderam o braço recuperar o tato e os movimentos dos dedos e do punho, os mais complexos dos membros superiores. “A mão humana é uma obra de arte da seleção natural e da evolução”, conta o estudante. “É muito difícil conseguir imitar isso. As próteses comerciais não conseguiram até hoje.”

Voluntário testa em realidade virtual o projeto de prótese. Crédito: Divulgação

Para desenvolver o ambicioso projeto, o garoto usou um programa de inteligência artificial desenvolvido por ele mesmo. O software é capaz de extrair os sinais elétricos musculares do corpo do amputado e, segundo Luiz, enviá-los à prótese para que o braço robótico possa se movimentar. “Foi como se os amputados estivessem controlando e sentindo novamente o membro que eles perderam”, explica.

“Não sei como colocar um eufemismo, mas meu método de controle é superior à capacidade que as próteses têm de se movimentar.” O jovem pesquisador diz que as próteses presentes no mercado são capazes de abrir e fechar as mãos e os movimentos individuais dos dedos. Ele vai além. “Consigo fazer isso e os movimentos individuais das juntas”, afirma.

Na vida real, a síndrome do membro fantasma acomete cerca de 70% das pessoas amputadas. É considerada pelos médicos como uma síndrome neuropática, ou seja, causada por uma disfunção do nervo. “O paciente tem uma dor neuropática referente ao membro que não existe mais. Ele sente como se tivesse o membro que na verdade ele perdeu”, explica a fisioterapeuta Ana Paula Monteiro, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).

A técnica usada na série House para amenizar a dor da síndrome é chamada de terapia dos espelhos. Não é ficção. Com um espelho, o especialista cobre o lado amputado do paciente e, no reflexo do membro existente, vê-se o faltante e a dor é diminuída. Inspirado nisso, Luiz adaptou a técnica e, usando realidade virtual, treinou voluntários amputados para controlar o antebraço virtual.

A pesquisa foi dividida em duas fases. A primeira consistiu em colher dados dos sinais elétricos musculares do braço que não existe para que eles produzissem os movimentos de articulação. Tais informações foram coletadas por um programa que ele mesmo criou. Usando a terapia dos espelhos, ele captou os sinais musculares que o restante do braço do amputado emite para movimentar o membro fantasma. O mini cérebro do computador de Luiz traduziu esses sinais na forma das articulações dos dedos e do punho e permitiu os voluntários controlar a mão virtual.

Protótipo de um dedo impresso na impressora 3D para a prótese. Crédito: Divulgação

O software juntou esses sinais para desenvolver a segunda fase do projeto: a de feedback tátil. “Fiz uma versão virtual da ilusão da mão de borracha”, diz Luiz. O truque pode ser feito com qualquer pessoa. Basta esconder uma das mãos do voluntário e, no lugar, colocar uma mão falsa. Ao mesmo tempo, o ilusionista mexe na mão de verdade e na mão de borracha. Quando ele cessa o movimento na mão de verdade e continua na de borracha, a pessoa sente o estímulo na mão de carne e osso.

“Coloquei um voluntário num ambiente virtual com o corpo escondido embaixo de um monitor LCD e foi projetado o braço que ele perdeu. Enquanto uma esfera virtual passava pela superfície da mão virtual, coloquei uma manga com elementos vibratórios no bíceps da pessoa”, explica. “Depois de algumas sessões de treinamento, ele recebia o estímulo vibratório no bíceps, mas sentia na mão que ele perdeu, na mão fantasma.”

Gráfico dos sinais musculares coletados do coto dos voluntários pelo programa de Luiz. Crédito: Divulgação

Luiz não pode revelar a identidade de seus voluntários, mas contou que um deles tinha perdido a mão há 45 anos e conseguiu ter a sensação pela primeira vez de que poderia movimentar o braço. “Foi como tirar o gesso de um membro engessado por 45 anos”, conta.

Na região do Mato Grosso do Sul, diz o pesquisador, as pessoas sofrem muitos acidentes durante as laçadas nas fazendas. “Amarram uma corda para laçar os bovinos no antebraço e quando tem algum tipo de acidente, eles acabam perdendo o membro”, conta. Sua invenção ajudaria no trato dessas pessoas. Um dos atrativos seria o preço mais baixo decorrente da impressão 3D. Hoje as próteses mais modernas têm o preço salgado de 75 mil reais. A de Luiz, conta o próprio, custaria por volta de três mil. “Contando com a instalação, não deve passar dos 20 mil reais.”

Segundo o sul-mato-grossense, não existe um sistema mecânico capaz de reproduzir o que seu método é capaz de fazer. Para resolver a questão, desenhou o modelo dos seus sonhos a ser feita com uma impressora 3D. A prótese, diz, terá um conjunto de sensores de contato que transmitirão estímulos para uma manga acoplada no bíceps do amputado. Por causa do treinamento feito em realidade virtual, a pessoa poderá sentir objetos nas pontas dos dedos.

A pesquisa inovadora de Luiz Fernando foi premiada este mês na Intel ISEF – Feira Internacional de Ciência e Engenharia. Ele ganhou o primeiro lugar e desembolsou cerca de 8 mil reais para continuar a pesquisa. Depois que terminar o projeto, afirmou, deve fazer neurociência ou engenharia biomédica na faculdade. “Quem sabe eu possa fazer um método de implante no cérebro para fazer um método de controle ainda melhor”, pontua, esperançoso. Ao que parece, o pontapé inicial de Nicolelis na Copa – tido por muitos como um espetáculo exagerado – serviu para influenciar uma nova geração de jovens cientistas.