A coletânea ‘Afro-Indie’ é a afirmação negra no indie-rock brasileiro

Se você já colou em algum show de banda independente na sua cidade, sabe que o público e os artistas são, quase sempre, brancos. No meio disso, sempre vai rolar aquele festival de chorume: gente falando que você deveria fazer rap, samba, se vestir sempre fazendo referência a sua ancestralidade ou até aqueles que não conseguem enxergá-lo como um artista de indie rock pelo simples fato da sua pele ter mais melanina que a do coleguinha. Pensando nisso, o Rawph e o Theuzitz resolveram juntar vários nomes negros do rock alternativo brasileiro como Abreu, Amanda Soares, Felipe Neiva, Jonathan Tadeu, Marcus (Aldan), Santos, Valciãn Calixto e Diego Robert (vidro/pele) e estreiam nesta quarta-feira (20) a coletânea Afro-Indie, que você pode ouvir com exclusividade no Noisey.

“Me lembro de ter conversado com o Theuzitz tempos atrás sobre fazermos alguns lançamentos juntos. Nesse meio tempo a ideia se expandiu em trazer nossos amigos. O motivo principal que nos levou a montar esse trabalho foi o nosso descontentamento como artistas e pessoas negras em estarmos inseridos dentro desses meios e ainda assim não ter a mesma visibilidade, por ver nossos e outros shows com o público negro ausente — não por negligência do público, talvez por uma falta de uma representatividade não veiculada”, conta Rawph.

Videos by VICE

Quem olha de perto sabe que a maioria dos artistas da coletânea tem relação com o que convencionou-se chamar de rock triste, mas quem dá o play na Afro-Indie percebe que a estética dela difere um pouco do ethos desse movimento: as faixas dialogam entre si por outros motivos além da guitarra, não sendo, de longe, uma coletânea emo/indie. O processo de curadoria, por incrível que pareça, não foi árduo, apesar da gente saber o quão difícil é pensar em vários nomes negros dentro do indie nacional. “Esse recorte foi muito rápido, não envolveu uma pesquisa grande, foi muito do que os primeiros que se juntaram conseguiram lembrar e juntar, tem muita gente que ainda falta, também tem muita coisa ainda a se pensar. Acho que essa mixtape é um início, não sei ainda do quê, mas fico feliz de participar desse início. Essa primeira seleção me representa, representa muita gente, não representa todo mundo, mas tá aí uma pergunta a se fazer: será que é missão/objetivo representar todos?”, questiona Santos.

Um dos pontos mais interessantes da coletânea é o gênero que eles parecem criar: afro-indie. De um lado, a negritude, de outro, um termo comum e que sempre ficou na mão dos caras brancos, de cabelo liso, calça apertada e pose de rockstar, mesmo que isso já soasse bem bobo quando esse pessoal descia a rua Augusta há uns 10 anos. “O termo afro-indie acabou surgindo durante as discussões no grupo e por muitos dos artistas da coletânea terem como elo o rock triste, que dialogava muito com o indie e o emo. Já fui criticado por amigos íntimos por gostar de indie, pelo fato de ser ‘música de branco’, como se fosse proibido uma pessoa negra consumir e produzir algo de música indie. Então o termo é bastante representativo e, ao mesmo tempo, libertador pra mim”, explica o carioca Felipe Neiva. Já para o músico piauiense Valciãn Calixto é uma espécie de aposta. “Este é um signo que começa a se significar agora com esta coletânea, vamos esperar os comentários e resenhas para entendermos melhor o que ele pode significar, apesar de que a palavra surge do truncamento de dois outros termos que nos representa mínima ou maximamente.”

Apesar da coletânea ser um respiro e uma forma de 10 artistas negros se colocarem dentro de um circuito branco, todos os entrevistados concordam com algo: é meio bosta ser negro dentro de um lugar branco. “Eu desisti de tentar me promover mais a sério a partir do momento que escutei alguém dizer que o meu problema não era ser negro, mas sim ‘não parecer artista’. Sinto que o racismo na cena indie brasileira se dá bastante dessa forma. Para um negro ‘parecer artista’, e eventualmente ser levado a sério, ele precisa cumprir as expectativas de se encaixar em um estereótipo estético bastante específico: ou você parece o Jimi Hendrix, ou você é rapper/sambista, ou você veste suas origens africanas-tribais de alguma forma”, conta Diego, do vidro/pele.

O primeiro volume da Afro-indie é só uma espécie de chamada para outros artistas negros se interessarem pelo projeto e, a partir daí, novas edições aparerecem na rede. O intuito é que o projeto continue mostrando que todos podem gravar e fazer, mesmo que isso signifique lutar contra uma maré de racismo. “Existem planos para próximas edições. Esperamos ter mais meninas participando da próxima. Acabou ficando clube do bolinha… mas é bem representativo do que acontece na prática mesmo. Se já é difícil pra um cara negro se enxergar nesse meio, imagino que a trajetória psicológica pra uma mina preta seja maior ainda”, diz Neiva.

Ouça Afro-Indie no player abaixo.

Leia mais no Noisey, o canal de música da VICE.
Siga o Noisey no Facebook e Twitter.
Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter, Instagram e YouTube.