Por dentro do mundo dos ‘vegansexuais’, os vegans que só namoram vegans

Foto: Jonathan Starke.

Matéria originalmente publicada na VICE UK.

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Hoje há mais vegans que nunca. Essa não é uma declaração baseada em teorias da conspiração do lobby da indústria da carne, ou literalmente as milhões de fotos de #vegan no Instagram, ou ainda que você vê mais vegans pregando em público do que cinco anos atrás. Trata-se de um fato. Em maio, a Vegan Society encomendou uma pesquisa que comprovou que a Grã-Bretanha já tem mais de meio milhão de vegans, um número três vezes e meia superior aos dados estimados de 2006.

E com tanta gente vivendo o estilo de vida vegan, surgiram, claro, ramificação no jeito como eles se relacionam. O termo “vegansexual” brotou em 2007, quando um estudo na Nova Zelândia mostrou que a maioria dos vegans entrevistados preferiam namorar ou transar com outros vegans. Alguns disseram que tinham pouco ou nenhum problema em ficar com não-vegans, mas quem viam o veganismo como uma parte forte de sua identidade e precisavam de um parceiro que pensasse da mesma forma para fazer um relacionamento funcionar.

Quase dez anos depois desse estudo, e com a recente proliferação de vegans no Reino Unido, eu queria descobrir como o vegansexualismo tinha progredido.

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Primeiro falei com Kirilee, vegan há oito anos. “Nem sempre fui vegan, e todo mundo está na sua própria jornada”, ela me disse. “Mas eu não conseguiria continuar envolvida com alguém que não estivesse aberto à ideia de se tornar vegan, e que não mostrasse compaixão para com os animais. Você geralmente percebe isso bem cedo na relação.”

Kirilee resumiu o problema: “É mais simples dizer que, tipicamente, um ambientalista não se envolveria com um dono de mineradora de carvão. Muito mais gente entende esse conceito, mas quando se trata de ‘dieta’ e animais, parece que as coisas ficam um pouco confusas.”

“[Ser vegan] torna coisas, como sair para jantar, um pouco mais difíceis, especialmente quando a família da pessoa também está envolvida — isso geralmente significa comprometer o que quero comer e me contentar com uma salada”, disse Ben, que é vegan há vários anos, quando perguntei como sua dieta afetava seu relacionamento. “Eu também não sentia muita vontade de beijar a outra pessoa depois de uma refeição envolvendo carne.”

Até agora, tudo compreensível. As visões das pessoas com quem falei pareciam ser as mesmas das pessoas entrevistadas no estudo original sobre os vegansexualismo na Nova Zelândia.

A pesquisa, conduzida pela Dra. Annie Potts, codiretora do Centro Neozelandês de Estudos Humano-Animal da Universidade de Canterbury, entrevistou 157 vegans, sendo 120 dos ouvidos mulheres. 63% deles, como Kirilee, disseram que tinham (ou queriam ter) um parceiro que também estivesse preocupado com os animais como eles.

As opiniões das pessoas entrevistadas variavam, ainda que fossem bastante diretas. Uma vegan de 21 anos, por exemplo, disse: “Minhas crenças sobre os animais afetaram muito minha relação com meu parceiro. Tenho considerado deixar meu noivo para trabalhar com animais — ele não compartilha minhas visões [de mundo] — e ainda estamos tentando nos acertar”. Ainda assim, outro vegan comentou: “Eu namoraria uma pessoa não-vegan. Acredito que é melhor dar o exemplo do que ficar pregando minhas visões pessoais.”

“Corpos não-veganos têm um cheiro diferente para mim. Para mim, isso constitui minha forma pessoal de ética sexual.”

No entanto, alguns dos ouvidos na pesquisa parecem mais militantes. Uma vegan de 41 anos comparou o corpo dos não-vegans com um cemitério das refeições passadas: “Eu não gostaria de ser íntima de alguém cujo corpo é literalmente feito de corpos de outros seres que morreram para sustentá-lo”, disse ela. “Corpos não-veganos têm um cheiro diferente para mim — afinal de contas, eles são sustentados por carcaças, a carne assassinada de outros. Mesmo se acho a pessoa muito atraente, eu não gostaria de me aproximar dele num sentido físico se seu corpo fosse derivado de carne. Para mim, isso constitui minha forma pessoal de ética sexual.”

Um estudo na República Checa, por sua vez, investigou a relação entre o consumo de carne vermelha na atratividade do odor corporal. A conclusão? Pessoas numa dieta sem carne eram “consideradas significativamente mais atraentes, mais agradáveis e menos intensas”. Do mesmo jeito que antitabagistas ferrenhos podem fazer a comparação de que ficar com um fumante é o mesmo que “beijar um cinzeiro”, talvez as pessoas dedicadas às suas crenças alimentares sejam mais sensíveis a odores corporais que os outros.

Mas a dieta realmente atrapalha quando, por exemplo, duas pessoas se olham nos olhos e veem tudo menos carne? Perguntei a Kirilee o que ela aconselharia para um casal formado por um vegan e um não-vegan. “Cresçam?”, ela riu. “Se você entra numa festa e começa a jogar garrafas, ninguém vai ficar para dançar. Seja aberto com o outro — vocês tiveram experiências diferentes na vida que te trouxeram até onde estão hoje.”

Manifestantes vegans, que não são necessariamente “vegansexuais”, mas definitivamente eram vegans quando essa foto foi tirada. Foto via Wikipédia.

Este ano, o SpeedDater.co.uk lançou o Encontro Expresso Vegetariano/Vegan, então obviamente há uma demanda de vegans e vegetarianos procurando alguém que pense como eles. Na verdade, uma pesquisa do SpeedDater descobriu que 56% dos vegetarianos e vegans “disseram que dispensariam em ter um encontro com um comedor de carne” — uma porcentagem similar à do estudo neozelandês.

A Vegan Society também realiza um evento regular chamado London Vegan Meetup, um encontro grátis para vegans e curiosos sobre o assunto. Falei com Robb Masters, que organiza o evento desde 2011, quando o grupo tinha 750 membros. Agora já são quase seis mil pessoas.

“Sabemos que alguns membros conheceram os parceiros na London Vegan Meetup”, diz Masters. “Fizemos alguns eventos para solteiros, e eu sei de pelo menos quatro casamentos que resultaram dos nossos encontros. Mas queremos enfatizar que esse não é o objetivo principal do grupo: não queremos que as pessoas venham para o encontro só para dar em cima das outras. Então, em dezembro passado, lançamos o grupo London Vegan Singles no Facebook. Ele já tem mais de 500 membros, com ‘encontros de solteiros’ ocasionais, e temos algumas histórias de sucesso aí também.”

Então parece que apesar do número de vegans ter crescido no mundo, não há exatamente um grande surto de “vegansexualismo” propriamente dito. E talvez isso não seja surpresa: afinal de contas, só porque você não quer comer carne, não quer dizer que tem que se fechar para todo mundo que come.

Tradução: Marina Schnoor

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