Música

Como surgiu o conceito das after parties no Brasil?

Este é um conteúdo publieditorial criado pela VICE em parceria com Absolut Vodka.

O conceito de after hours, ou seja, festas que começam e terminam depois que as baladas tradicionais já encerraram suas atividades, geralmente entre as cinco da manhã e o meio-dia, começou em Londres, bem antes da cena techno tomar forma. Eram os anos 1960, e os músicos e artistas criaram o costume de se reunir para beber e relaxar depois dos shows e eventos que faziam. Era a hora em que os fãs e o público iam pra casa, e o agito particular dessa turma começava. Tais confraternizações, por mais animadas que fossem, só podem ser classificadas como encontros despretensiosos, no entanto. Já nos anos 70, porém, o costume evoluiu para eventos propriamente ditos. Isso rolou em Nova York, no loft do DJ David Mancuso, na Broadway. Era um clube fechado, que se chamava Loft. Depois, nos anos 80, vieram o Paradise Garage, do DJ Larry Levan; o Sound Factory, entre 1989-95, do Junior Vasquez; e de volta a Londres, o Ministry of Sound, que abriu em 91 funcionando até as dez da manhã e o Trade, mais famoso after inglês, do DJ Tony de Vit, em 93, que seguia da madrugada de sábado até as 14h de domingo.

No Brasil, mais precisamente em São Paulo, essa história toda nasceu no Espaço Columbia, na esquina das ruas Estados Unidos e Augusta, em 9 de julho de 1994. O Angelo Leuzzi, um dos proprietários do Columbia na época, convidou o Pil Marques para lançar um after hours. O Angelo já havia identificado que a tendência estava em alta lá fora e precisava de um insider do underground para emplacar a ideia por aqui. Ele encontrou na figura do então promoter Pil Marques, que divulgava as festas Psychoparty, o personagem ideal para fazer virar o projeto, que ganhou o nome de Hell’s Club. Grande parte do êxito do after se deve à residência do DJ Mau Mau no Hell’s. Foram as suas discotecagens que ajudaram a direcionar o público para as principais vertentes da música eletrônica que estavam pegando naqueles tempos.

Videos by VICE

Durante toda a vida do Hell’s Club no Columbia, o Mau Mau foi o único DJ fixo semanal no alvorecer do sábado para domingo, dividindo cabine com convidados mensais, como o Gil Barbara. “Na parte de baixo do Columbia rolava o Sub Club”, relembra Mau Mau, “que era o projeto de música black que acontecia antes do Hell’s Club. E a ideia do Angelo era fazer uma festa que começasse depois do Sub Club. O Pil frequentava os clubes onde eu tocava — na época eu era residente do Samantha Santa [que depois passou a se chamar Alôca] — e virou um fã meu. Ele disse que aceitaria a proposta do Angelo desde que eu fosse o residente.”

Quando o Pil recebeu a proposta, coincidiu do DJ Mau Mau estar em sua primeira turnê europeia. “Foi quando visitei os primeiros clubes de fora e comecei a ver o que era mesmo a cena eletrônica clubber, com lugares que só tocavam música eletrônica. Porque no Brasil era uma mistura de estilos, não era uma coisa segmentada”, revela o DJ. Aproveitando toda essa novidade que viu por lá e comentando com o Pil sobre o que estava acontecendo, ambos se empolgaram em fazer a primeira festa só de música eletrônica do país. “Eu estava em Londres quando ele [o Pil Marques] entrou em contato comigo dizendo que precisava da minha resposta com urgência. E foi assim que aconteceu, confirmei pra ele lá da Europa.”

Frequentadoras do Hell’s. Foto: arquivo pessoal do DJ Mau Mau

Vejam só a importância desse momento. O Hell’s Club não inaugurou apenas o conceito de after hours em solo brasileiro, mas também lançou a primeira balada totalmente focada em promover a música eletrônica no país. Foi em torno do núcleo de frequentadores, staff e DJs que circulavam pelo Hell’s que começou a se rascunhar, afinal, o que hoje conhecemos como um cenário auto-suficiente da dance music nacional. Antes do Hell’s, no Sra. Krawitz, por exemplo, onde o DJ Mau Mau também foi residente, tocava de tudo. O público dançava ao som de de black, house, rock, trance — que estava começando a surgir… era uma verdadeira mistura. O mesmo vale para a Nation, que, a despeito de ter sido um dos primeiros lugares a introduzir essa vertente — na época chamada apenas de “dance music” —, também oferecia uma programação eclética.

Segundo o Mau Mau, o Hell’s carregou praticamente sozinho essa bandeira durante seus primeiros anos: “Teve, sim, festas que começaram a entrar nesse conceito de noite mais longa, mas não foi uma coisa que se concretizou ou que teve um público fiel logo de início. Me lembro que no Latino teve algumas festas com essa proposta.” Mais para o finzinho do Hell’s, antes de a festa voltar ao cartaz no Clube Vegas, em 2005, apareceram outros clubes que levaram adiante a ideia de after hours. Entre os mais famosos, estão Alôca, com o projeto Wicked After Hours, na Frei Caneca, e o Lov.E, com o SuperAfter, na Vila Olímpia.

No entanto, até aqui os after hours seguiam voltados ao público underground. Um clube em especial entrou em cena e colaborou para expandir os horizontes, introduzindo o conceito a um público mais abrangente. Estamos falando do Manga Rosa. O after do Manga se chamava After Hours mesmo e, segundo um dos donos da casa à época, o Rodrigo de Sant’Anna, a ideia partiu da identificação de uma crescente tendência de festas do tipo na Europa, especialmente em Berlim, Amsterdã e Londres. “Os afters estavam muito fortes nesses lugares, então a gente percebeu que no Brasil estava rolando um período em que projetos nessa linha andavam enfraquecidos. Logo, investimos pesado”, informa ele. “A galera que sempre trabalhou conosco era muito conectada, viajava muito, estava à frente das tendências da eletrônica.”

O after do Manga era de sexta pra sábado, e a trilha sonora botava foco no techno, na acid house e no hard techno. Como deu pra sacar, o som era bem pesado, lenha na orelha mesmo. A festa durou dez anos, de 1999 a 2009, quando a casa foi vendida e teve sua programação toda reconfigurada. Nesse período, o Manga ficou durante seus quatro primeirosanos instalado na Vila Olímpia, na esquina da rua Leopoldo de Couto Magalhães com a avenida Brigadeiro Faria Lima, e seis outros anos na esquina da rua Guararapes com a Luiz Carlos Berrini, um lugar maior pra comportar a demanda de público. Entre os residentes que marcaram a história do after, estão Anderson Noise, Alex S., Claudinho I., Murphy, Pet Duo e Gu.

A rapeize que frequentava os after hours era diferente do pessoal que ia nos outros dias da semana, conta Rodrigo: “Cada vertente tinha um perfil de público. Nas noites de trance, às quintas, a galera era mais colorida, se pintava com tinta flúor. Na noite do after hours, às sextas, a coisa era bem urbana, pessoal branquelo, tatuado e de piercing. E nas noites de deep house e progressive house, aos sábados, o público era bem playboy, mas playboy moderno, não é que o cara ia de camisa e calça social. Algumas pessoas frequentavam todas as noites, mas era segmentado.”

A grande importância do after do Manga é que o projeto serviu de porta de entrada da música eletrônica pra muita gente. “Muitos donos de casa noturna, de loja da Galeria Ouro Fino, me agradeciam porque a cena cresceu muito por causa do Manga Rosa”, observa Rodrigo de Sant’Anna. “Nós mostramos o underground pro grande público. O playboy do prog house de repente começou a ir na Ouro Fino comprar CD e camiseta. Coisa que não acontecia antigamente. Antes do Manga, você ia numa balada de música eletrônica e as pessoas ficavam fazendo carão e não eram receptivas com quem era novo. E nós resolvemos integrar quem era recém-chegado pra ajudar a cena a crescer. Era outra cabeça.” Certamente, não fosse por iniciativas como essa, até hoje a música eletrônica estaria no gueto, no mercado de nicho. Não é difícil ouvir histórias da noite, de nomes que caíram de paraquedas no Manga, absorveram todas as referências, e que acabaram se tornando DJs ou produtores reconhecidos.

Flyer da festa no Manga Rosa. Foto: arquivo pessoal da Claudia Assef

Um fato clássico que rolou em 2000, quando o Manga Rosa estava com pouco mais de um ano na ativa, deixa evidente a importância de sua contribuição para a formação de um grande público consumidor de música eletrônica no país. Quem viveu certamente guarda a memória latente: teve um dia que a programação estava para acabar às dez da manhã, como de costume. Só que deu três horas da tarde e a casa continuava lotada. Segundo Rodrigo de Sant’Anna, o DJ não conseguia conduzir o set pro final, já que a cada baixa na vibe, a pista pedia pra voltar a acelerar. “Mas aí não teve jeito, porque o staff não aguentava mais o pique. Corremos o risco e tivemos que falar pro DJ desligar o som. Alguém pegou o microfone e comunicou o pessoal que precisávamos encerrar porque a equipe da casa estava pregada”, relata. “Pensa, a festa tinha começado meia-noite. Aí o pessoal fez um sonoro AAAAAaaaaaAAAaAahHHhh”, bateu palma e foi embora cabisbaixo, mas de boa. Foi um momento marcante.”

A Absolut Nights reconstruiu o cenário do Hell’s Club, idêntico ao que era nos anos 90, no Superloft, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

No último dia 9 de junho, rolou a #AbsolutNights feat. Hell’s, homenageando a balada Hell’s. Uma galera conseguiu curtir, conhecer e relembrar um pouco de toda essa história.

Make Your Nights #AbsolutNights

Beba com moderação

Siga o THUMP nas redes Facebook // Soundcloud // Twitter.