Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .
Se aprendi alguma coisa acompanhando discussões políticas no Twitter e as tretas que elas inevitavelmente geram por 12 horas todo dia, é que estou fodendo com a minha vida e preciso de ajuda. Mas também que, nos círculos da esquerda, ser considerado um picareta neoliberal é o beijo da morte.
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O rótulo de “comparsa neoliberal” geralmente é lançado contra democratas mainstream como Hillary Clinton e Barack Obama, assim como o presidente francês Emmanuel Macron e o queridinho canadense Justin Trudeau. Mas também é estapeado contra a face de especialistas como Jonathan Chait do New York, os fundadores do Vox Ezra Klein e Matt Yglesias, e o escritor do New York Times , além de celebridades ativistas como o reformista da educação e defensor do Black Lives Matter >span class=”LinkdaInternet”>amante de marcas DeRay McKesson.
Eu mesma já usei esses xingamentos. Voltando aos meus tuítes antes da eleição nos EUA, parece que me diverti muito rotulando os simpatizantes de Hillary Clinton de “puxa-sacos neoliberais” e culpando os “idiotas neoliberais” pela vitória de Trump.
Recentemente, o New York publicou o texto “Como ‘Neoliberalismo’ Se Tornou o Insulto Favorito da Esquerda para Liberais”, onde Chait argumenta que “A acusação de ‘neoliberal’ é uma metonímia para a ofensiva renovada da esquerda norte-americana contra a centro-esquerda, e uma pedra de toque na luta para definir progressismo depois de Barack Obama”.
Bem no estilão do Chait, o texto dele desencadeou um maremoto de respostas ultrajadas no Twitter e além. “Por que os neoliberais são tão crianções?”, perguntou Paul Blest no Outline. “‘Neoliberalismo’ não é um epiteto vazio. É um conjunto poderoso e real de ideias”, escreveu Mike Konczal no Vox.
“[Neoliberais defendem] cortes de impostos para os ricos, a derrubada dos sindicatos, desregulamentação, privatizações, terceirizações e competição nos serviços públicos”. — George Monbiot
Mas mesmo com toda essa conversa sobre neoliberalismo, as pessoas ainda parecem bem confusas com o que isso realmente quer dizer. O que é compreensível! A linguagem é elástica; a definição de uma ideologia muda com o tempo, e no caso do neoliberalismo, tem significados diferentes dependendo de onde você está. O termo se originou no final dos anos 1930 como uma reação ao liberalismo e socialismo old school, mas se tornou cada vez mais mainstream depois da ascensão de Margaret Thatcher e Ronald Reagan ao poder. Nas palavras do escritor George Monbiot, esses chefes de Estado defendiam “cortes de impostos para os ricos, a derrubada dos sindicatos, desregulamentação, privatizações, terceirizações e competição nos serviços públicos”.
Falando por telefone, Chait — que, aliás, não se identifica como neoliberal — me explicou que, internacionalmente, o termo é usado para “delinear socialistas versus não socialistas, ou socialistas versus capitalistas”. Segundo ele, nos EUA “a maior fraqueza do termo ‘neoliberal’ é que ele engloba praticamente todos os lados do debate político”. Em outras palavras, o termo neoliberalismo se tornou tão amplamente definido que agora serve para descrever os dois partidos políticos norte-americanos.
Um dos críticos mais estridentes do neoliberalismo, o escritor membro da Open Markets da New America e ex-funcionário do congresso norte-americano Matt Stoller, escreveu recentemente que neoliberalismo “envolve mover o poder de instituições públicas para privadas, e permitir que o governo aconteça através de poderes financeiros concentrados… Mercados financeiros florescem, mercados reais se transformam em distribuidoras intermediárias gigantes como Walmart ou Amazon”.
Mas eu queria entender o neoliberalismo contemporâneo por meio da fala de pessoas que realmente não ligam em serem chamadas assim. Apesar da miríade de vozes da esquerda falando contra a ideologia no Twitter, ainda há bolsões na internet que celebram o neoliberalismo. É só abrir o Reddit e procurar a comunidade r/neoliberal para encontrar muita gente entusiasmada com a ideologia; e eles até têm seu próprio gênero de memes.
Quando pedi entrevistas para orgulhosos neoliberais, fiquei surpresa em ver minha inbox se encher rapidamente com mais de 80 mensagens, a maioria vindas de universitários homens de 20 e poucos anos que começaram recentemente a se identificar como neoliberais, ansioso para defender sua nova ideologia. (Duas mulheres também me responderam.) “Quem é neoliberal levanta a mão”, dizia o assunto de um dos e-mails. “Sou um vendido neoliberal”, apontou outro sarcasticamente. “Neoliberal COM MUITO ORGULHO”, dizia um terceiro.
Das dezenas de respostas que recebi, aqui vão seis que melhor capturam o que significa ser um neoliberal assumido nos EUA de hoje.
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James, 22 anos, formado recentemente na faculdade, Maryland
VICE: Como você define “neoliberalismo”?
James: Ter um equilíbrio entre liberdade individual e permitir que os mercados funcionem, simultaneamente tendo um governo que possa efetivamente proteger as liberdades pessoais, tanto positivas quanto negativas, é difícil. E eu realmente acredito que isso pode ser alcançado com políticas neoliberais. Já fui comunista — no colegial e nas primeiras semanas na faculdade, me desculpe — e acreditava que o governo deveria fornecer bem-estar completo para seus cidadãos. O que não é o caso, como sei agora.
Quando você começou a se identificar como neoliberal?
Depois da eleição de 2016. Fiquei frustrado. Eu não queria ir tão para a esquerda com Bernie, e a ideia de ir para a direita com Trump era tão atraente quanto comer minhas unhas do pé. A insatisfação do clima político norte-americano desencadeou uma grande desconfiança nas instituições, nas normas e no status quo na classe trabalhadora da nova era da globalização… Políticas insultantes como um salário-mínimo de US$15/h ou “cancelar” as dívidas estudantis como a Flexibilização Quantitativa me impediam de ir mais à esquerda. [Nota da autora: Flexibilização Quantitativa para empréstimos estudantis foi uma das plataformas de 2016 de Jill Stein, mas não é aceita por toda a esquerda.] Eu me sentia sozinho na ideia que, enquanto realmente acredito que a esquerda quer ajudar as comunidades mais pobres e negligenciadas, também acho que eles não sabem a melhor maneira de fazer isso.
Como você entende a diferença entre neoliberalismo e liberalismo?
Geralmente há uma grande diferença entre o que as pessoas acham dos “liberais” hoje e a ideia de “neoliberalismo”. A maioria dos liberais apoiam várias políticas neoliberais sem saber.
Numa conversa que tive com a escritora marxista Roqayah Chamseddine, ela definiu “neoliberalismo” como “a concentração de poder nas mãos dos ricos sob o verniz de ‘livres’ mercados como um jeito de organizar toda a sociedade. A lógica do neoliberalismo, por exemplo, não vê saúde pública como uma necessidade humana básica, mas como uma oportunidade de negócio”. Você concorda com isso?
Essa definição da esquerda de “neoliberalismo” é correta tecnicamente, mas não conta a história toda. A economia deveria ser usada como um método de organizar a sociedade e melhorar o bem-estar para todos — você pode voltar à A Riqueza das Nações para ver que, no geral, é isso que a economia faz. Discordo com a última parte da definição: um governo deve fornecer um nível básico de saúde pública para todos os cidadãos. Isso inclui fornecimento público de saúde, cuidado com crianças, educação e abrigo.
Esse ódio que os neoliberais recebem da esquerda se justifica?
Da perspectiva deles, representamos um status quo falho que não fez nada para mudar as instituições financeiras depois da recessão de 2008, que não fez nada para proteger comunidades durante a perda de empregos na indústria no século 21, não fez nada para combater as questões sociais sistêmicas domesticamente, e o fracasso em ir contra duas guerras desastrosas e a intervenção continuada no Oriente Médio. Entendo a frustração deles — e é fácil culpar o bicho-papão neoliberal, mas eles não entendem o que os princípios neoliberais visam realmente.
“Acreditamos que livres mercados e capitalismo comercial são ferramentas para justiça social, não o inimigo.” – Samuel Hammond
Aryeh Cohen-Wade, 34 anos, redator e editor na Universidade de Rochester, Nova York
VICE: Quando você começou a se identificar como neoliberal?
Aryeh Cohen-Wade: Li muito Matt Yglesias e Jon Chait quando tinha 20 e poucos anos. Eu me identificava mais como um “obamista”, se é que isso existe. Abracei o neoliberalismo porque o socialismo falhou sempre que foi tentado — tenho primos que moram num kibbutz em Israel, e eles abandonaram quase que completamente seus princípios socialistas. O capitalismo de mercado é uma consequência inevitável da natureza humana. [Mas] acredito que o Estado deve evitar os excessos do capitalismo e fornecer uma rede de segurança para todos os cidadãos, incluindo saúde pública universal.
Como você entende a diferença entre neoliberalismo e liberalismo?
Neoliberalismo aceita mais os mercados — acho que é isso.
Como você se sente com o ódio que os neoliberais recebem da esquerda? Você acha que isso se justifica?
Acho isso intolerável e contraproducente. O trumpismo é um alarme de incêndio que todo mundo na esquerda (na definição mais ampla) deveria escutar e se unir para combater. Essa coisa Chapo Trap House está convencendo a esquerda de que seus verdadeiros inimigos são as pessoas que concordam com eles em 75% das coisas, em vez das pessoas que discordam 100%. Se lutar contra Trump não unir a esquerda, nada vai [uni-la].
“Entendo o ódio… Me sinto provocado sempre que Bernie Sanders fala, então provavelmente é a mesma coisa do lado deles.” – Brian Croarkin
Samuel Hammond, 25 anos, analista de políticas de bem-estar e pobreza do Niskanen Center , Washington, DC
VICE: Como você define “neoliberalismo”?
Samuel Hammond: “Neoliberalismo” se refere a um conjunto de políticas sobrepostas e comprometimentos filosóficos, em vez de precisamente uma ideologia. Como whigs modernos, somos globalistas do livre mercado, e evangelistas do poder incrível da liberalização do comércio para gerar riqueza, eliminar doenças, tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza e acabar com as pré-condições para guerra.
Ao mesmo tempo, somos mais pragmáticos e consequencialistas do que nossos colegas utópicos e deontológicos libertários… Acreditamos que livres mercados e capitalismo comercial são ferramentas para a justiça social, não o inimigo.
A maioria dos seus amigos/colegas são neoliberais?
Os neoliberais têm um histórico de ser uma “terceira via“, algo que não é nem de esquerda nem de direita. E como globalistas tendemos a ser anti-bairristas por natureza… Estranhamente, há muitos neoliberais chamados Sam – o suficiente para termos um grupo de Facebook chamado “Sams Neoliberais”.
Qual seu meme neoliberal favorito?
Brian Croarkin, 26 anos, contador
VICE: Como você define “neoliberalismo”?
Brian Croarkin: “Neoliberalismo” é a ideia de que você pode ser pró-negócios, pró-pobres e socialmente liberal – tudo ao mesmo tempo.
Quando você começou a se identificar como neoliberal?
Comecei a me identificar como neoliberal durante as primárias democratas de 2016, porque os dois candidatos eram muito de esquerda pro meu gosto, e eu queria um rótulo diferente. Nenhum amigo meu se identifica assim. Meus colegas de trabalho votaram no Trump e acham que sou comunista, meus amigos são superliberais e acham que sou um conservador com chapeuzindo do MAGA. Acho que neoliberal se tornou um termo pejorativo para todo o espectro político.
Como você se sente com o ódio que os neoliberais recebem da esquerda? Você acha que é justificado?
Entendo o ódio. As pessoas estão muito polarizadas agora e tenho opiniões fortes, então acho que ideologias de centro provocam as pessoas. Me sinto provocado sempre que Bernie Sanders fala, então provavelmente é a mesma coisa do lado deles.
Qual o maior equívoco sobre o neoliberalismo?
Que neoliberais são basicamente conservadores. Conservadores acreditam que livres mercados são um fim em si, e neoliberais acreditam que você começa com um livre mercado para evitar ineficácias e depois tem o governo para corrigir alguns dos efeitos colaterais de um mercado não regulado, como a desigualdade.
Qual seu meme neoliberal favorito?
Jimmy Vu, 31 anos, engenheiro de software, São Francisco
VICE: Como você define “neoliberalismo”?
Jimmy Vu: É algo bem próximo da abordagem do Partido Democrata, como liderado pelo presidente Obama. Na Europa, isso pode ser interpretado para incluir figuras de centro-direita como Angela Merkel e centristas como Emanuel Macron.
Quando você começou a se identificar como neoliberal?
Comecei a me identificar como neoliberal depois dos debates de habitação de São Francisco nos últimos oito anos. Era uma gíria comum usada por ativistas da esquerda contra pessoas que apoiavam novos desenvolvimentos imobiliários regulados pelo mercado, e eu abraçava isso parcialmente porque acho que essas pessoas e o modo como elas conduzem o debate são censuráveis. Para mim, parecia que a abordagem política deles era identificar seus inimigos de classe (geralmente qualquer pessoa simpática a atividades comerciais) e se envolver em assassinato de caráter, acusando qualquer um que argumenta contra eles de serem vendidos.
Os fatos são manipulados e distorcidos para se encaixar em seus vieses preexistentes. Nem todas as provas do mundo poderiam convencer os esquerdistas de que suas políticas estão prejudicando todo mundo, incluindo as pessoas pobres e de classe média, porque eles veem tudo em termos de falhas de caráter dos oponentes.
Como sua identidade moldou seu entendimento de neoliberalismo?
Meus pais são imigrantes vietnamitas que fugiram do comunismo, e eles sempre trabalharam em empregos da indústria até se aposentarem. Éramos da classe trabalhadora e não tínhamos muitos luxos, mas eu não me sentia privado de nada. Minhas duas irmãs e eu frequentamos escolas públicas suburbanas de maioria imigrante. Depender de instituições públicas e crescer como um gay de minoria racial incutiu em mim os valores da tolerância e liberalismo cultural, e que o governo pode ter um papel importante em expandir oportunidades.
Como você se sente com o ódio que os neoliberais recebem da esquerda? Você acha isso justificado?
O ódio vem do fracasso da esquerda nas eleições, mesmo dentro de partidos de centro-esquerda em jurisdições de extrema-esquerda. Esse fracasso é atribuído à influência corrupta das finanças, corporações e assim por diante. Pode ter certeza que não estou recebendo nenhum dinheiro de corporações ou imobiliárias, exceto na medida que meu trabalho e moradia dependem da continuação da nossa sociedade e tudo mais.
Dan B., 35 anos, engenheiro de software, Nova York
VICE: Como você define “neoliberalismo”?
Dan B.: Ai, sinto que isso tem sido definido para mim por pessoas escorando outras afirmações. Então deixe-me dizer em que acredito:
– A sociedade é incrível quando as pessoas vivem uma vida boa e alcançam seu potencial.
– O governo deveria ajudar as pessoas a fazer isso, impedindo bullies.
– Mercados são uma ótima maneira de deixar as pessoas fazerem suas próprias escolhas para viver melhor.
– Menos quando não são (saúde pública, monopólios, etc.)
Quando você começou a se identificar como neoliberal?
Ano passado, quando vi o DSA (Socialistas Democráticos da América) e os fãs do Bernie surgirem. Fiquei realmente surpreso. Gosto de políticas sólidas que têm objetivos claros e os números batiam. Acho que o mundo é complicado, e governar é difícil e exige muito equilíbrio.
Seus amigos são neoliberais? E seus colegas?
Acho que eu definiria assim:
-15% estão com Ela.
– 10% estão com Ela, mas dizer isso vai queimar meu filme
– 25% democratas
– 25% DSA/Bernie Teria Ganhado
– 5% MAGA
Então acho que eu agruparia os três primeiros como neoliberais?
Qual o equívoco mais comum sobre o neoliberalismo? Você tem um meme neoliberal favorito?
Não é um meme com imagem, mas acho importante: o capitalismo tirou bilhões de pessoas da pobreza. Nunca houve menos pobres do que agora.
Acho que o capitalismo fracassou em vários quesitos em desenvolver economias, e fico puto com isso. A saúde pública é fodida; as dívidas estudantis são ridículas. A desigualdade econômica está crescendo. Quero consertar isso, mas acho que o jeito é consertar mesmo, não mudar totalmente.
Outro equívoco: Vejo muito esse tuíte.
É hilário, mas o argumento é mais: “Se tivermos organizações mais representativas, podemos mudar suas estruturas e normas para termos menos atrocidades”. Claro, os fuzileiros navais vão estuprar mulheres e compartilhar pornô de vingança quando a instituição é comandada por homens que passaram por trotes violentos. Se mudarmos os fuzileiros, vamos ter militares de quem podemos nos orgulhar e que podem pensar: “Ei, matar pessoas não está funcionando; vamos parar”.
Acho que isso não é tanto “identidade neoliberal” quanto você gostaria.
As entrevistas foram editadas para dar maior clareza.
Tradução: Marina Schnoor