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Falamos com o Diretor Takashi Miike Sobre seu Filme de Vampiros Yakuza

Todos os stills de ‘Yakuza Apocalypse’ cotesia de Festival de Cinema de Toronto.

Quinze anos atrás, o cineasta japonês Takashi Miike dominou um certo segmento do cinema mundial com uma sequência de filmes chocantes e/ou irreverentes (Audição, Gozu, The Happiness of the Katakuris, Ichi – O Assassino, Visitor Q), o que o estabeleceu como um dos diretores cult mais importantes do mundo. De 1999 até 2003, ele dirigiu algo entre cinco a oito filmes por ano, o tornando uma presença constante no circuito de festivais. No final desse período, o cinema japonês encontrou um lugar mais proeminente no mainstream, graças a Ring/O Chamado, Ju-on/O Grito e os filmes Kill Bill de Quentin Tarantino. Para alguns, Miike continua sendo uma das vozes mais vibrantes e imprevisíveis no cinema japonês moderno.

Agora com 55 anos, a produtividade do diretor diminuiu graças ao seu próprio sucesso – como ele explica abaixo, orçamentos maiores consumem mais tempo – mas os impulsos excêntricos que construíram sua reputação estão bem vivos. Para provar isso, você não precisa ir além de Yakuza Apocalypse, o novo épico de vampiros yakuza que estreou mês passado no Festival Internacional de Toronto, chegou aos cinemas e plataformas de filmes por demanda nos EUA semana passada e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Durante o Festival de Toronto, nos encontramos com o enigmático diretor para discutir sua produtividade sem precedentes, os desafios de entrar para Hollywood e a estranha experiência da mãe dele com Ichi – O Assassino.

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VICE: Qual o processo para fazer um filme como Yakuza Apocalypse? Quanto tempo isso levou?
Takashi Miike: De todos os filmes que fiz, esse foi um caso especial. Eu estava escalado para fazer um filme em Hollywood que foi cancelado no último minuto, então, do nada, nos vimos com um buraco na nossa agenda. Saímos para beber – os produtores, eu e a equipe – e falamos sobre coisas sérias. “OK, o que fazemos agora? Que tipo de filme gostaríamos de fazer?” Era só conversa de bar, mas aí notei que o produtor estava sério. Vi um pequeno brilho nos olhos dele, e no dia seguinte tivemos sinal verde. O roteiro tinha que ser escrito, mas já começamos a filmar um mês depois. Você quase pode dizer que esse é um filme de Hollywood, por causa do jeito como ele nasceu.

Qual era o filme de Hollywood que você ia fazer?
O nome era The Outsider. Tom Hardy deveria ser o astro, ele tinha acabado de filmar Mad Max. A produção daquele filme tinha acabado, então estávamos esperando ele chegar. Ainda não sabemos o motivo dele ter se retirado do projeto. Recebemos uma ligação do advogado. Estávamos na Coreia nos preparando para filmar e ele disse: “Bom, o filme foi cancelado. Vocês podem voltar para o Japão”. Depois disso a conversa foi entre os advogados.


Você já fez muitos filmes de yakuza. Há uma razão especial para você continuar voltando ao tema?
Agora que você disse, acho que é verdade, fiz vários filmes onde o personagem acaba sendo yakuza. Nem sempre é porque eu pretendia fazer um filme de yakuza. É só que as pessoas – os patrocinadores, produtores, o público – querem que filmes tenham yakuza. Pessoalmente, gosto de fazer esses filmes porque tudo neles é sobre velocidade. O estilo deles é rápido. Eles vivem por instinto. Eles podem entrar em brigas. Se você está fazendo um filme sobre políticos, levaria dez anos para eles chegarem a isso, mas yakuzas fazem isso numa noite. Eles também são pessoas normais lá no fundo.

Os gêneros em que você trabalha – terror, ação, ficção científica, fantasia – frequentemente são vistos como escapismo ou sem substância. É importante para você achar maneiras de elevar esses gêneros de alguma forma?
Não estou realmente querendo mandar uma mensagem ou fazer um comentário sobre a nossa sociedade. Só estou tentando fazer filmes sobre a vida. Naturalmente, quando estou fazendo isso, terror, violência e todas essas coisas se misturam. Essas coisas acontecem na realidade.

E quanto ao lado mais surreal dos seus filmes? Em Yakuza Apocalypse, há um especialista em artes marciais numa fantasia de sapo. Qual o pensamento por trás disso?
Quando eu era garoto, tinha esse cara na minha escola que era muito popular com as garotas, alguém que tinha treinado artes marciais. Quando ele tinha que lutar, ele era muito forte. Havia muitas coisas assim, coisas que eu queria ter. Eu era cheio de complexos. Talvez esses personagens nos meus filmes sejam um produto dos meus sonhos e fantasias. É assim que eles nascem. Quando eles aparecem nos filmes, pessoas que têm os mesmos complexos que eu dizem “É, é exatamente assim que eu queria ser”. Alguns vão dizer que é só comédia, mas depende de quem está assistindo. Isso tem diferentes significados e ressonâncias para diferentes pessoas.

Alguns dos seus filmes mais cultuados são conhecidos por momentos chocantes. Você recebe alguma resistência ou críticas de amigos ou familiares sobre esses filmes?
Tenho três filhos. Agora eles estão crescidos, mas quando eram pequenos, toda vez que eu começava um novo projeto, eles diziam: “Pai, você está fazendo um filme que podemos assistir ou um filme que não podemos assistir?”. Esse era o tipo de coisa que eles perguntavam. As pessoas ao meu redor – família e amigos – geralmente sabem quando assistir e quando não assistir. Uma vez, minha mãe trouxe um grupo de 30 amigos para ver um dos meus filmes, dizendo: “Esse filme é ótimo. Foi meu filho quem fez”.

Ela tinha visto o anterior, um drama humano com uma qualidade moralista, mas o filme que eles assistiram foi Ichi – O Assassino. As amigas dela ficaram alvoroçadas e disseram “Por que você nos trouxe para ver esse filme? Isso é loucura. O que seu filho estava pensando?”. Aí recebi uma ligação da minha mãe, dizendo: “O que você estava pensando? O que você fez”. É minha opinião que o público tem a escolha de assistir ou não. Não depende de mim, mas agora as pessoas ao meu redor sabem se devem assistir um filme só de olhar nos meus olhos.

Muitos cinéfilos te consideram um dos cineastas mais prolíficos do mundo. Por um tempo, você estava fazendo seis, sete, até oito filmes por ano. Agora você diminuiu para dois. O que você tem a dizer sobre essa mudança?
Nos anos em que fiz um monte de filmes, eu tinha que trabalhar com orçamentos bem pequenos. Tínhamos duas semanas para filmar tudo. Incluindo a edição e tudo mais, eles levavam uns dois meses para ficar prontos. Esse era todo o tempo que eu podia gastar nesses filmes. Hoje, levo uns dois meses para filmar. Com a tecnologia do CG e tudo mais, isso leva muito mais tempo. Isso me limita a dois filmes por ano, mesmo usando meu tempo da maneira mais eficiente. Para ser honesto, nunca pensei em manter um certo ritmo ou aumentar meu ritmo. Não acho que é necessariamente bom fazer um monte de filmes. É um processo natural que eu tenha acabado fazendo dois filmes por ano.

Você se sente igualmente ligado a todos esses filmes ou alguns deles são mais marcantes que outros?
É igual. Os títulos podem ser diferentes, os personagens podem ser diferentes, o tema pode ser diferente, mas sinto como se estivesse fazendo um longo filme contínuo. Claro que isso depende de como estou fisicamente, minha condição física – às vezes não me sinto ótimo quando estou fazendo um filme – mas em termos de ligação, e sempre a mesma coisa.

Como você se encaixa na indústria cinematográfica do Japão atualmente? Você é um diretor celebrado ou mais cult?
Na indústria cinematográfica japonesa moderna, filmes que seriam chamados de entretenimento soft são a norma. Tendemos a fazer filmes que todo mundo aprecia, todo mundo gosta, todo mundo se sente confortável assistindo. Quando você está no cinema, nada de inesperado acontece. Você pode entrar lá sabendo que vai aproveitar a experiência. Também faço esses filmes, mas de vez em quando, faço algo realmente estranho como Yakuza Apocalypse. No geral, provavelmente sou visto como um diretor incomum. Alguns fãs no Japão gostam dos meus filmes como algo cult, mas o nível cult – se é que você pode chamar assim – deles é muito diluído comparado com o que existe nos EUA.

Seu episódio para a série Mestres do Terror, “Imprint”, não passou na TV nos EUA porque o Showtime considerou isso muito extremo para os espectadores norte-americanos, e recentemente você teve esse problema com o filme de Tom Hardy. O que você acha que te impede de realmente entrar para a indústria norte-americana?
Tive algumas ofertas para fazer filmes nos EUA, mas é algo muito difícil para mim como ser humano. Não estou falando necessariamente sobre o processo criativo, estou falando sobre ser um diretor nos EUA. Isso requer muita energia. Em termos de energia, fazer um filme em Hollywood é o equivalente a fazer dez ou 20 filmes no Japão. Se tenho que gastar tanta energia para ser um diretor de Hollywood, prefiro continuar no Japão. Se eu tivesse recebido essas ofertas quando tinha 20 ou 30 anos, a história seria diferente.

O que você achou do remake de Uma Chamada Perdida por Hollywood?
Quando um dos meus filmes é refeito por Hollywood, acho que isso é um contínuo da resposta do público. Se isso foi bem recebido, ele é refeito. É um grande prazer para mim. É uma honra. Mas não assisti o remake de Uma Chamada Perdida.

Agora que você fez quase cem filmes, há alguma coisa que você ainda sonha em filmar? Você tem esse projeto elusivo que ainda espera há anos para colocar em andamento?
Essa é uma pergunta muito difícil. Para ser totalmente honesto, acho que não. Para mim, não importa o filme que faço, não importa o gênero ou o orçamento, todos têm o mesmo tema no centro: medo da morte e alegria de viver. Então, respondendo sua pergunta: não, não tenho um projeto dos sonhos.

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Tradução: Marina Schnoor.

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