Este artigo foi publicado originalmente na Noisey Itália e traduzido do inglês .
Todo mundo que, assim como eu, sofreu horrores com derrotas inclementes no FIFA ano após ano e sempre foi o lanterninha dos torneios com os amigos sabe muito bem o quão desesperadora é a última semana de setembro, quando lançam a nova versão do jogo. Bom, finalmente saiu o FIFA 18, e sinto informar aos colegas perdedores que a história se repete.
Joguei minhas primeiras duas partidas na casa de um dos meus amigos loucos por FIFA (vale mencionar que são amigos diabólicos), cercado de fanáticos, e não deu outra. Fracasso em dobro: perdi por 2 a 1, depois 6 a 0. Talvez eu devesse tentar críquete, não? Nunca é tarde para mudar de esporte. De qualquer forma, gostaria de relembrar um aspecto periférico do jogo, a trilha sonora, que com o passar dos anos ganhou um papel cada vez mais central.
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Com o tempo, FIFA se tornou (e ainda é) um grande catalisador de música, facilitando a diversificação de gostos em uma época em que distinções de gênero ainda cabiam somente à crítica — e à dinâmica social entre adolescentes. O jogo lançou tendências, a começar pela miscelânea do início dos anos 2000, permitindo a polinização cruzada de gêneros, que se ramificaram em inúmeros subgêneros (como no caso do trance e da decorrente música dance) e por fim caíram nas graças, talvez por razões puramente capitalistas, da música globalizada.
Antes de analisar a trilha das edições passadas e atuais, preciso deixar claro que, para muitas pessoas, FIFA é muito mais que um jogo. FIFA é um estado de espírito, um poço de angústia, um indicador da hierarquia social no grupo. É um vício. FIFA é uma âncora da qual é impossível se afastar, apesar das sucessivas derrotas, amizades desfeitas e controles lançados contra a parede (se você nunca quebrou um controle em um acesso de raiva jogando FIFA, trate de se retirar desta reunião de nerds agora mesmo).
FIFA também abriu a porta para a música entrar em minha vida. Entre uma partida e outra nos estádios de FIFA 98, aqueles primeiros “UHUUUL” do Blur invadiram os meus ouvidos, assim como os ouvidos de centenas de milhares de jovens, transformando uma mera obra de rock universitário em um clássico insuperável, uma das memórias afetivas mais potentes dos trintões modernos.
E olha que ainda nem mencionamos o FIFA 16-bit… ah, deixa pra lá. Melhor não falar sobre isso.
As trilhas das primeiras edições de FIFA — da versão de 1994 para o Super Nintendo à estreia no primeiro PlayStation, em 1997 — foram gravadas pela própria Electronic Arts Sports, e não tinham nada a ver com a pitada moderna de indie e música eletrônica. Eram músicas tão estapafúrdias, que escutá-las novamente, mesmo vinte anos depois, dói. Dói no âmago. As primeiras cinco faixas oscilam entre pauladas de grunge (ainda era aquela época) e riffs tão brutais que constrangeriam até o próprio Joe Satriani.
Então saiu o FIFA 99, com Christian “Bobo” Vieri estampado na capa da caixinha italiana (ainda novato na época), e o conceito maluco de European Dream League, um cruzamento bizarro entre a Champions League e um campeonato normal entre as melhores equipes europeias. Nostalgia desenfreada. Foi o ano da explosão do trance.
Na tela inicial, tocava o remix de ” Gotta Learn ” produzido por Dub Pistols Sick Junkie, música original do duo Danmass, seguido de ” Naked and Ashamed “, do Dylan Rhymes, faixas ideais para criar uma atmosfera trance ao estilo de Trainspotting. E então, a cereja do bolo: Fatboy Slim, com o hit ” The Rockafeller Skank “, bombando nos menus de opções de jogo e substituições, atravancando — mas não muito — o alvoroço com o jogo, que tinha evoluído muito desde a edição anterior.
O FIFA 2000 acrescentou uma digressão pop à inclinação eletrônica do jogo, descolamento crescente nos anos seguintes. Na época, programas de ranking de música, como o Top of the Pops, ainda estavam com a corda toda, e a MTV detinha o monopólio global da música nas telas.
Contudo, com a chegada de plataformas digitais de compartilhamento, o cenário estava mudando, e a EA Sports sabia disso. A escolha de faixas como ” It’s Only Us “, do Robbie Williams, e ” Sell Out “, do Reel Big Fish, não foi mera coincidência. A música pop agregava valor ao jogo, fator crítico naquele momento, em que a concorrente Konami aumentava a pressão com o lançamento do ISS (ou Winning Eleven) para o PlayStation.
Com a chegada do novo milênio, a EA Sports fez diversas modificaçõezinhas no jogo, tanto em termos de jogabilidade quanto seleção musical, o que deixou FIFA ainda melhor. Por exemplo, lembra quando as partidas terminavam caso não houvesse jogadores o bastante em campo? Pois eu lembro: o FIFA 2001 chegou na voadora, tanto no mercado dos games (junto com o PlayStation 2) quanto nas canelas dos oponentes.
Foi a versão que apresentou a falta intencional, o que, pelo menos para mim, mudou todo o escopo do jogo: foda-se o gol, o negócio agora é tentar aleijar o maior número possível de jogadores adversários. Com esse mod, pude descarregar minhas ânsias sexuais pubescentes reprimidas em todo e qualquer azarado que topasse jogar comigo.
Além disso, nessa mesma versão, a música eletrônica superou todos os outros gêneros, com o clássico imortal de Moby, ” Bodyrock “, e o eletro-funk do Utah Saints. Então surgiram as primeiras mixagens próprias, no FIFA 2002, com curadoria do próprio DJ Tiësto e participação de R4 e BT, com a exceção — embora ainda se tratasse de música eletrônica — do remix de Southchild para a música “19/2000”, do Gorillaz.
Anos se passaram, a tecnologia avançou, e os gêneros mudaram: enquanto Avril Lavigne tomava as rádios com “Complicated”, a Electronic Arts e outras desenvolvedoras de jogos voltavam sua atenção para o drum’n’bass e hip hop. Os consoles estavam cada vez mais potentes e velozes, então havia mais espaço para música também.
Dali em diante, as trilhas sonoras foram ficando mais e mais robustas e diversificadas. O FIFA 2004 chegou com tudo, com 28 faixas, uma amálgama gloriosa, inesquecível, com Dandy Warhols, DJ Sensei, a música ” L.S.F. “, do Kasabian, Kings of Leon, Caesars, Goldfrapp, Radiohead (sim, “Myxomatosis”), Stone Roses e os melosos Tribalistas. Por incrível que pareça, tudo isso numa só edição do jogo.
Embora atrasada em relação à franquia FIFA, a Konami também abraçou a filosofia underground na época e lançou seu contra-ataque. A edição de som do Pro Evolution Soccer também passou a revolver em torno de direitos musicais e pagamento de artistas. Foi quando o Kasabian entrou para a folha de pagamento da franquia, abrindo o PES 2005 com “Club Foot”.
Até aquele momento, as trilhas do PES haviam sido em grande parte gravadas por Nekomata Master, nome artístico de Naoyuki Sato, compositor e produtor da Konami desde 1999. A empresa custou para entender a importância estratégica de extrapolar a trilha dos games lançando faixas de artistas internacionais no menu principal. Foi só em 2009 que começou uma mudança gradual, com “People Power“ e “Do It Again“, de Anderson Shelter. No ano seguinte, foi a vez do Chemical Brothers (com as matadoras “Midnight Madness“ e “Galaxy Bounce“) e Stereophonics (com “A Thousand Trees“ e “Dakota“, meu despertador durante anos a fio), além de Keane, Kaiser Chiefs, Hoobastank e DJ Shadow.
De 2010 em diante, as playlists passaram a se aproximar da franquia FIFA — uma fusão de gêneros diversos, com artistas internacionais e explosões de techno/trance aqui e acolá.
2005 também foi o ano do FIFA Street, um experimento perverso, criado por pessoas que claramente detestavam futebol, para pessoas que também detestavam futebol. O problema, no entanto, não se estendia à música. A trilha do primeiro FIFA Street era quente: sonzeiras tropicais e melodias de reggae casavam perfeitamente com a atmosfera surrealista do jogo. Essa paisagem sonora fantástica, de clima equatorial, contava ainda com “Jin Go La Ba”, do FatboySlim.
Já o FIFA 2005 (aproveitando o ensejo, vou citar aqui alguns dos jogadores: Kaká, van Nistelrooy, Shevchenko, Henry, Del Piero, Fernando Morientes, Ronaldinho, Owen, Zidane, Beckham e Sua Majestade, o capitão Francesco Totti), além de Brothers e Sandro Bit, tinha Flogging Molly e Franz Ferdinand, mostrando como a direção artística da EA buscou respeitar as peculiaridades e demandas de uma cena musical cada vez mais globalizada, tanto em termos geográficos quanto econômicos. Em outras palavras, a produtora abriu a zaga (rs).
Dali em diante, a seleção musical passou a pender mais para o pop-rock e se distanciar do som exclusivamente eletrônico dos anos anteriores, sem deixar qualquer gênero popular para trás. Por exemplo, outro dia, a EA lançou a playlist oficial da edição deste ano: 39 faixas, duas horas e meias de mistureba. De Run the Jewels a ODESZA, The National, xx e Alt-J a Slowdive, é uma trilha sortida que mostra, mais uma vez, como a música pode enriquecer a experiência de jogo e conduzir a cultura musical de velhas e novas gerações.
Agora peço licença, que eu e minha equipe do Paris Saint-Germain temos uma surra marcada. Se um dia você quiser mergulhar nas memórias da juventude longínqua (apenas aceite), escute esta playlist, montada por este que vos fala, com as melhores faixas dos últimos vinte anos de FIFA, um jogo que marcou infâncias ao redor do mundo todo. E não se esqueça: os nerds de FIFA são diabólicos, em especial aqueles que conseguem chutar de letra .
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