Fomos ao Trips e queremos repetir a dose

Amplificasom e Lovers. Bastariam estas duas palavras para vos convencer a juntarem-se ao Trips. Sim, sabemos que é de bom tom ser contra marcas e rótulos, mas falo de dois titãs da oferta cultural do Porto, uma cidade onde não há lugar para a Feira do Livro, mas há espaço para uma Sala VIP de culturalices à la carte em plenos Aliados. E, assim sendo, o trabalho constante destas duas promotoras começa a ganhar contornos de missão.





DIA UM
O primeiro dia do festival foi no domingo, no coração da Baixa, com concertos divididos entre o Café au Lait e o Plano B. Se não estiverem familiarizados com o Porto, deixem-me garantir-vos: o domingo é o dia por excelência da ressaca, o dia em que noctívagos incautos vão dar com o nariz em portas fechadas onde quer que tentem a sua sorte. Mas desta vez não foi assim. Bem cedinho, logo após o jantar, desceram ao Plano B os Process of Guilt, recém-chegados da passagem pela Holanda onde foram entronizados no Roadburn. Por motivos de digestão maior, já só me foi possível apanhar a recta final do concerto, mas valeu para testemunhar que a parede sónica dos eborenses continua a adensar-se. De qualquer forma, os sobreviventes de Barroselas presentes agradeceram a extensão de peso.



O concerto seguinte foi no Café au Lait e a romaria até lá lembrou-me do dia da semana em que estávamos. Passei de ruas sepulcrais ao novo charme de lobby de hotel do au Lait e daí à cave de concertos, que parece não ter sido desvirtuada pelas obras de remodelação, mantendo o mesmo espírito cru e inclinado. Um bom cenário, então, para receber os Torto, um projecto que junta três instrumentistas bem rodados em campos diversos. Lamentavelmente, o todo parece ainda inferior à soma das partes. Houve vários temas a energizar o público, mas sempre intercalados com longas pausas entre a música e com flutuações de tom que deixaram tanta incerteza quanto havia antes do concerto.



Por fim, foi hora de regressar ao Plano B para curtir com Nü Sensae e o trio canadiano deu a descarga que se esperava. Sem misericórdia alguma na bateria ou contenção na voz. O público, encurralado entre as cortinas da sala e o assalto que vinha do palco, não teve qualquer hipótese senão render-se. Houve uma pequena quebra quando baterista e vocalista trocaram de lugares, mas esta mudança para um registo mais introspectivo teve tal recepção que durou apenas uma música. No final do concerto, e após tocada a anunciada última canção, a banda anuncia, timidamente, “just another short one”, enquanto lançam um olhar envergonhado à organização. Tudo isso, finalmente, me remeteu de novo para o contexto: era um domingo no Porto, afinal de contas. E como o staff insistia: este sítio nem costuma estar aberto. Sem cerimónias, fui convidado a devolvermo-me às ruas desertas para tentar a sorte num outro tasco.



DIA DOIS
Este seria mais um dia tipicamente caseiro a meio da semana, não fosse véspera de um feriado sagrado. Abriu a noite um duo de trabalhadores aplicados, os familiares Black Bombaim e, por mais concertos que nos ofereçam, nunca me vou cansar da capacidade de construírem castelos no ar com pontas de dedos e de pés.



Algures entre os rumores de mais um atentado do Pingo Doce no dia seguinte e acusações a quem tinha falhado o primeiro dia do festival, o pelotão seguiu para o Café au Lait. Aí teve lugar o concerto de Tom Carter, metade não-cara-metade dos Charalambides. Diz quem foi que valeu o sacrifício de trocar a temperatura exterior pela cave do Au Lait, mas eu fui mais fraco do que isso.



O prato forte da noite, contudo, ainda estava para vir. De volta ao Plano B, o Trips fechou com algo refrescante por ser tão ortodoxo: os Endless Boogie soltaram uma maré de rock. Depois da vitalidade de Nü Sensae e das camadas dos Black Bombaim, os veteranos nova-iorquinos apresentaram-se sem artifícios e confiaram apenas no essencial: riffs mirabolantes e sem misericórdia. Notou-se a recepção morna do público ao princípio (houve mesmo algumas desistências após as primeiras canções), mas a ética blue-collar deste tipo de rock tem aquele efeito da combustão lenta: se calhar, no princípio até estavam apenas a cabecear o ritmo, mas no fim não havia ninguém imóvel e foi evidente a vontade de ouvir mais quando o grupo pousou os instrumentos sem cerimónia e se dirigiu ao bar para os merecidos refrescos.

Não se apoquente quem não aproveitou ou quem, tendo aproveitado, ficou com vontade de mais. É já a 25 de Junho que o Trips regressa, com Marnie Stern e Eagle Twin. Guardem um espacinho na barriga.


Fotografia por Ricardo Almeida

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