Order of Appearance, o novo livro do fotógrafo sul coreano Jim Jocoy, apresenta um nível de personalidade e intimidade nunca visto antes em seu trabalho. Quinze anos atrás ele lançava seu primeiro livro, We’re Desperate, um grande arquivo do estilo punk dos anos 70 orquestrado com ajuda de Thurston Moore, Marc Jacobs e Exene Cervenka. Agora, em vez de uma coleção de retratos estáticos enfatizando o que os garotos da Costa Oeste usavam nos shows no final dos anos 70, Order of Appearance captura esses garotos sendo eles mesmos.
Para o livro, Jocoy juntou pedaços de uma noite de balada na cena punk em ascensão na Bay Area, dos preparativos até a ressaca da manhã seguinte. Ao contrário de outras imagens punk da era, como as de Michael Jang, Edward Colver ou Pennie Smith, o livro é cheio de cores e sem nenhuma banda realmente se apresentando. Em vez disso, as fotos preservam momentos íntimos de seus amigos tingindo o cabelo, apertados num carro e desmaiando em público. Jocoy encontra o contraste poderoso de uma era em São Francisco ensanduichada entre a liberação sexual e a epidemia de AIDS, nessas fotos cheias de vida de amigos que foram afetados pelos dois períodos.
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Me encontrei com Jocoy logo depois do lançamento do livro na Los Angeles Art Book Fair, para falar sobre como foi capturar esses retratos íntimos e divertidos do punk dos anos 70 na Bay Area.
VICE: O que estava acontecendo na sua vida quando você começou a fazer esse corpo de trabalho?
Jim Jocoy: Eu estudava na UC Santa Cruz quando comecei a fazer essas fotos. Quando estava em Santa Cruz, eles tinham uma habilitação chamada estudos estéticos, e até hoje, não sei bem o que era aquilo. Acho que isso mostra como eu era um estudante sério na época. Larguei o curso depois de um tempo. Passei alguns anos trabalhando de dia e saindo à noite, tirando fotos — fazendo isso em vez de ser um bom estudante e conseguir um diploma. Mas foi assim que comecei.
Um amigo que morava na mesma cidade me ligou e disse “Ei, você quer assistir ao show de uma banda? Eles chamam Ramones e estão tocando em São Francisco”. Isso foi em 1976, a primeira turnê deles lá. Esse primeiro show em North Beach mudou totalmente a cena em São Francisco. Em semanas, várias bandas começaram na área.
Você sentia que algo significativo estava acontecendo quando começou a tirar essas fotos?
Acho que eu tinha noção de que algo estava acontecendo em São Francisco. Lembro que o punk parecia algo acontecendo na Inglaterra, Nova York e outros lugares, então fiquei interessado em ver o que nasceria em São Francisco. Pensando agora, depois de todos esses anos, eu achava que seria uma coisa de uma ou duas temporadas no máximo, mas acabou sendo algo muito maior do que eu poderia imaginar. Como um lugar que foi meio que a largada do movimento hippie, parecia que a área nunca poderia competir com o impacto cultural que uma geração de jovens teve dez anos antes. Mas agora parece que os punks vieram logo atrás dos hippies e estabeleceram uma cultura que tinha alguma longevidade.
O que te fez começar a documentar tudo isso?
Sempre me interessei por fotografia. Foi algo que embarquei de cara. Não sei se isso acontece com a maioria dos fotógrafos, mas eu era muito introvertido e tímido. Então, com a câmera, eu podia me misturar com pessoas que eu achava que estavam fazendo coisas interessantes, como formar uma banda. Era só um jeito de sentir que estava participando e produzindo, porque o que estava acontecendo parecia interessante. A coisa DIY de que falam hoje não era a nomenclatura na época. Mas era isso que estava acontecendo.
Você usou forma e cor de um jeito muito interessante nessas fotos. Como você desenvolveu esse estilo?
Parte da razão para tirar fotos coloridas naquela época era porque eu trabalhava numa copiadora, e eles tinham o primeiro modelo de máquina Xerox colorida. Era um negócio muito, muito primitivo. Era um projetor de slides de 35 mm em carrossel que projetava num espelho, que refletia no vidro. Você conseguia impressões primitivas de slides coloridos.
Na época, as fotografias tradicionais da cena punk rock geralmente eram imagens em preto e branco de alto-contraste. Então, para introduzir cor, eu tive que ser ousado. O visual hippie era meio que suave e fora de foco. Mas o punk é mais granulado e contrastante. Então eu estava procurando cores fortes. Para usar cor, achei que eu tinha que usar o mesmo tipo de visual agressivo. Quando olho para as pessoas que fotografei naquela época, elas parecem normais e corriqueiras hoje. Mas na época, era chocante se vestir do jeito como muitos dos meus temas se vestiam.
Você tem várias fotos bem íntimas no livro. Que memórias você tem das pessoas que estava fotografando?
Paul [Schiek] e Lester [Rosso, os editores da TBW Books] pegaram 500 dos meus slides coloridos para criar uma certa vibe para o livro, mas muitos dos temas eram amigos próximos. Esse livro é muito mais íntimo das minhas experiências, enquanto We’re Desperate era mais quando eu pedia para as pessoas posarem contra uma parede e simplesmente clicava. O arco desse livro são as pessoas se vestindo para sair, depois indo para a rua e experimentando coisas. Eu estava com amigos, e enquanto a gente se preparava, eu tirava fotos e me certificava de que a câmera estava pronta.
Quem eram alguns dos seus amigos no livro?
Tem uma foto da minha amiga Jonnie cortando o cabelo com meu amigo Rico. É engraçado, naquela época todo mundo tinha uma cor de cabelo e corte diferente toda semana. Você queria chegar no clube com um visual novo e mais chocante. Uma coisa interessante é que esses garotos de São Francisco tinham acesso a corte de cabelo grátis. Vidal Sasoon tinha um salão em São Francisco onde os alunos dele tingiam cabelo de graça. Então os garotos punks estavam sempre prontos para ir até lá e fazer alguma coisa diferente com o cabelo. Foi o que começou essa coisa dos visuais radicais. Então minha amiga Jonnie, de cabelo azul nessa foto — acho que ela ficou loira na semana seguinte, depois preto uma semana depois. Era tipo uma rotina.
Numa passagem no final, você escreve “As coisas inchavam e levava tempo para que elas emergissem na época”. Como isso deu o tom para o que você estava fotografando?
Era uma época pré-MTV, então os movimentos culturais não eram cooptados tão facilmente. Depois da MTV, você via uma cena acontecer, e logo depois todo mundo estava tentando ganhar alguma coisa com ela. Como não havia uma explosão imediata para as massas, isso meio que cozinhava por mais de tempo.
Nessa época em São Francisco, passamos por alguns golpes fortes. O prefeito, Harvey Milk, sendo assassinado. Depois, ao mesmo tempo, a tragédia de Jonestown. Aí, em 1976, o vírus HIV chegou a São Francisco. Foi mais ou menos na época que eu estava tirando as fotos para esse livro. Então tinha alguma coisa fervendo. Era um momento pós-liberação sexual, em que valia tudo, e especialmente em São Francisco, as coisas eram selvagens. Na época, descendo a Castro, lembro que tinha uma farmácia onde alguém fez um cartaz improvisado com fotos de Polaroide de úlceras e feridas. O cartaz dizia algo como “Você tem isso no seu corpo? Tem um novo câncer se espalhando”. Você via as pessoas na rua com as feridas, especialmente Sarcoma de Kaposi. As pessoas estavam morrendo de pneumonia e infecções bizarras para a idade delas. E isso teve uma influência na cena punk.
Tinha algo de teatral em como as bandas falavam de estarmos numa nova idade das trevas. Sinto que muita gente expressou isso em músicas, cartazes e imagens. Com a nova administração Reagan chegando, era um pesadelo para pensadores livres e progressistas. Foi como o alvorecer de uma idade das trevas na minha história pessoal. Eu tinha tantos amigos, muitos que aparecem nesse livro, que morreram de AIDS, drogas e coisas assim.
“Era uma época pré-MTV, então os movimentos culturais não eram cooptados tão facilmente. Depois da MTV, você via uma cena acontecer, e logo depois todo mundo estava tentando ganhar alguma coisa com ela.”
As fotos transmitem uma sensação de otimismo que parece contradizer o que você descreve sobre a era. Você via as coisas com mais otimismo quando estava fotografando?
Tem uma certa dualidade, mas minha motivação era capturar juventude, energia e vida, não as coisas sombrias que pairavam sobre nós. Essa energia, apenas celebrar a vida quando você é jovem – vendo minhas fotos, era isso que eu achava que estava capturando. Só um tempo depois consegui enxergar isso. Apesar da cena que estava acontecendo, também havia uma vibe sombria.
Como você se sente revisitando esse trabalho?
Pode parecer bobo, mas toda vez que olho para esse livro, penso “Meus Deus, como essa gente era bonita!” É meio contraditório, porque todo mundo pensa que o punk é sujo, feio, não belo. Beleza e punk meio que não se misturam. Mas para mim, depois de tudo, o que vejo é beleza.
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Order of Appearance de Jim Jocoy já está disponível online e nas livrarias.
Tradução: Marina Schnoor