No portão da escola, nos corredores do escritório, no grupo de WhatsApp da família, no Twitter, na vida. Não há lugar no planeta que resista à melancolia que se instaura nas manhãs de segunda-feira. Mas fiquem tranquilos, nada dura para sempre. Poucas horas se passam até que empenhados garçons comecem a aparecer nas calçadas dos seus estabelecimentos, com panos de prato nos ombros, carregando simpáticas e pequeninas lousas de madeira. Na superfície verde-escura, está escrita a mensagem que representa, talvez, o primeiro sopro de felicidade do dia: ” Prato de hoje – Virado à paulista”.
Na opinião da professora Paula Pinto e Silva, doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo, o prato do dia é a comida de casa colocada na rua, em um restaurante. Autora do livro Farinha, feijão e carne-seca: Um tripé culinário no Brasil colonial(Senac), ela afirma que ao se estipular uma escolha do cardápio relacionada a um dia da semana, existe aí uma forma de vínculo de quem precisa comer fora com a comida. “Está ligado a um contexto urbano. Na cidade pequena, a pessoa volta para casa e almoça; na metrópole, você sai pela manhã e retorna à noite”, ressalta. Quando se institui nessa rotina um prato fixo para cada dia, cria-se uma chance de se estabelecer uma “mínima constância” na alimentação. “Não importa o que aconteça, toda quarta-feira tem feijoada. Se ele não comer nessa semana, certamente pode comer na próxima”, diz.
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ORIGENS
Segundo a pesquisadora, as raízes dessa tradição encontram-se ainda no século 19, no Rio de Janeiro, sede do império, diante de todas as situações que montavam o cenário da época. Nesse quadro estão, por exemplo, a própria transferência de toda a corte portuguesa para o Brasil e a consequente chegada de viajantes da Itália, França, Portugal, Inglaterra. E, também, a presença de gente daqui, que rumava para a mesma cidade em ebulição, como fazendeiros falidos da região da cana-de-açúcar no Nordeste.
“É o início do restaurante no país, ou do comer fora. A literatura chama de ‘casas de pasto’, que serviam refeições aos homens solteiros, que não estavam ali com a família”, explica. E nessa nova rotina, os estabelecimentos passam a estipular receitas fixas através de cardápios (ou ementas, para os portugueses).
Em tempos mais recentes, segundo Paula, a tradição do prato feito nosso de todo dia e está na mesa do seu restaurante predileto, com direito a diferenças regionais. “O prato do dia é a escolha que a sua região fez por você”, afirma.
RANGO E IDENTIDADE
Além da nutrição, a professora explica que a comida é um veículo de expressão de identidade. “Quando como, falo quem sou e de onde vim”, cita a especialista, que salienta, até mesmo, o papel de apontar para o futuro que uma simples refeição possui. “Quando os restaurantes de comida japonesa chegaram a São Paulo, por exemplo, quem os frequentava eram apenas os orientais ou, então, pessoas mais abertas a novas experiências, a pratos que não se comia naquela época, mas que poderiam ser adotados no futuro”, diz.
Agora que já sabe de onde veio essa história toda de cada dia ter seu prato típico, selecionamos cinco opções em estabelecimentos tradicionais da capital paulista para você bater aquele rango nervoso.
Segunda-feira
Começar a semana saboreando o arroz branco, tutu, bisteca, ovo frito, torresmo e banana frita do Ao Guanabara (ou Bar Guanabara) pode ser a mesma experiência gastronômica vivida pelo pioneiro da aviação Santos Dumont (1873-1932), ou pelo advogado, jornalista e poeta paulista Guilherme de Almeida (1890-1969). Afinal, o restaurante foi aberto, em seu primeiro endereço, na Av. São João, em 1910.
O gerente Edivalson da Silva, mais conhecido como “Vavá do Bexiga”, veio da Bahia para estudar teatro e o que era um emprego para bancar os estudos diurnos, transformou-se na profissão de uma vida: está há 46 anos em restaurantes do mesmo grupo. “O virado sai bastante aqui na casa. Era a comida dos tropeiros, pois era mais fácil de transportar e aqui faz tanto sucesso que estamos servindo até de sábado”, diz.
Preço: R$ 51 (individual) (serve duas pessoas)
Avenida São João, 128
(11) 3228-0958
Terça-feira
Preparada por um mineiro, a dobradinha do PASV Restaurante e Churrascaria é feita à moda portuguesa, com bucho e feijão branco. O proprietário Ramon Ares serve o prato desde os anos 1960 e conta que os pedidos costumam ser maiores no clima frio.
Instalado em um salão comprido, o PASV tem um ambiente rústico, com móveis e detalhes na parede em madeira. É aconchegante e chega a lembrar um pouco a casa da vovó.
É comum, em São Paulo, encontrar estabelecimentos que ofereçam bifê à rolê ou à milanesa como prato do dia às terças-feiras. No entanto, a dobradinha parece ser a opção mais frequente para o segundo dia útil da semana.
Preço: R$ 28 (individual)
Avenida São João, 1145
(11) 3221-2715
Quarta-feira
Quarta é dia de feijuca e já que é para abreviar e apelidar o nome das coisas, nada melhor que conferir a opção do Restaurante Ita — que, por sinal, é uma abreviação do nome da cidade mineira de Itanhandu, terra natal do proprietário, que inaugurou a casa em São Paulo, localizada no Largo do Payssandu, em 6 de março de 1953.
Desde sempre instalado no mesmo ponto, segundo um dos sócios Luis Nunes Pedro, a opção da feijoada com costelinha, linguiça toscana e molho apimentado é sucesso de longa data às quartas e, também, aos sábados.
Tão clássica quanto o estabelecimento é a placa com os tradicionais pratos do dia, historicamente definidos. “Só mudam os preços”, brinca.
Preço: R$ 19 (individual)
Rua do Boticário, 31
(11) 3223-3845
Quinta-feira
Sentar e comer no pequenino Giba’s Bar é quase uma extensão de fazer um tour pelo italiano bairro da Mooca, já que ele está, há 52 anos, na esquina da Rua Javari, sede do “Moleque Travesso”, o Clube Atlético Juventus.
Como quinta-feira é dia de massas, é possível saborear o espaguete ou nhoque (receita da nona, feita às 11 horas da manhã), que acompanha a brajola ou porpeta. “Aqui não servimos com frango, pois é um restaurante italiano”, avisa Gilberto Luizetto, que há 35 anos assumiu o lugar do pai Ferdinando, atrás do balcão.
Por respirar futebol, não é raro encontrar grandes nomes da história do esporte nas suas mesas. Basílio, ídolo do Corínthians, e Serginho Chulapa estão sempre por lá. Quem também adorava as mesas do Giba’s era o ex-goleiro da Seleção Brasileira, Félix (1937-2012).
Preço: R$ 40 (individual)
Rua Visconde de Laguna, 139 – Mooca
(11) 2692-0026
Sexta-Feira
Comer peixe nesse dia tem alguma relação com a Sexta-feira Santa? Segundo a professora Paula Pinto e Silva, sim. “O Brasil possui a matriz católica e, apesar que para a religião esse é um dia de jejum, há esse costume de comer o peixe”, diz.
Famoso por seu sanduíche de pernil — e pelo fato de ficar aberto 24 horas por dia, por 363 dias no ano (só baixa as portas em 31 de dezembro e 1º de janeiro), o Estadão Lanches não foge à tradição do prato do dia.
De acordo com o gerente Cícero Tiezzi, o filé de peixe à dorê ao molho de ervas, servido com arroz e purê, é o prato do dia a partir das 18 horas da quinta-feira, até as 14 horas da sexta, ocasião em que dá lugar no cardápio para a opção de sábado. E assim os clientes atravessam a madrugada, principalmente no inverno, como ressalta o gerente: comendo peixe.
Preço: R$ 20,50
Viaduto Nove de Julho, 193
(11) 3257-7121