Matéria originalmente publicada no Broadly .
Assédio sexual tem sido o assunto da temporada, e por uma boa razão. De Harvey Weinstein a Roy Moore — sem falar em brasileiros como José Mayer —, vários homens em posição de poder foram denunciados por assediar e abusar de mulheres por anos. E pela primeira vez, muitos deles estão realmente encarando as consequências. Como resultado, os homens estão agindo com um pouco mais de cautela no trabalho e além — seja porque querem ser aliados das mulheres ou ter certeza de que não terão problemas com o RH. Mas se tem uma coisa que aprendemos com a onda de alegações e da conversa que se seguiu, é que muita gente (especialmente homens) ainda não entende completamente como navegar sem extrapolar os limites sexuais. Um novo estudo sobre como os homens interpretam interações sexuais sugere que apesar dos esforços incansáveis de ativistas e educadores, os homens ainda mandam muito mal na hora de determinar consentimento sexual.
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O estudo de uma grande universidade norte-americana — intitulado “Determinantes Situacionais da Percepção de Homens Universitários sobre Desejo e Consentimento de Mulheres para o Sexo: Uma Análise por Vinhetas” — ouviu 145 homens universitários héteros com uma média de idade de 20 anos. Por telefone, o Dr. Richard E. Mattson, um dos autores do estudo, disse à VICE reconhecer que a amostragem do estudo é pequena e a demografia bastante específica (92% brancos, 58% protestantes), mas informou que o próximo estudo, em processo de revisão, terá mais diversidade. O estudo publicado, no entanto, oferece pontos importantes.
Numa pesquisa digital, cada estudante foi apresentado a seis cenários curtos envolvendo uma mulher. Em cada situação hipotética, os homens recebiam a informação de que a mulher era alguém que eles achavam “muito atraente e com quem esperavam fazer sexo”.
Cada cenário colocava a descrição da mulher segundo vários fatores, suas roupas, histórico sexual, consumo de álcool, histórico de relacionamento e nível de intimidade expresso durante a interação, fatores baseados em “pesquisas capazes de demonstrar que esses são indicadores construídos de intenção sexual e mostram a percepção de terceiros da ‘responsabilidade’ da vítima em ataques sexuais”, segundo o estudo. Cada vinheta também apresentava uma resposta da mulher depois de um convite sexual explícito, mostrando níveis variados de consentimento, recusa ou passividade, exibidos através de comportamento não-verbal, verbal ou verbal e não-verbal combinados.
Depois de apresentados a cada cenário, os participantes tinham que responder entre 1 (discordo fortemente) a 7 (concordo fortemente) para três perguntas: quanto eles achavam que a mulher queria a interação sexual, quanto ela comunicou aceitar (consentiu) com a interação sexual e até que extensão ela comunicou consentimento para fazer sexo.
Os resultados da pesquisa foram assustadores mas não surpreendentes. Segundo o Dr. Mattson, os homens do estudo tenderam a confundir consentimento com desejo sexual, ou, em outras palavras, assumiram que se achavam que a mulher queria mais interação sexual, isso contava como consentimento. No cenário onde a mulher não respondia aos avanços sexuais do homem, onde ela “parava de responder mas não resistia”, a resposta média era de 3,71 na escala de consentimento de 7 a 1 — perto do 4 (nem concordo nem discordo), o que o Dr. Mattson chama de “o limite de onde o consentimento foi dado”.
Como era previsível, recusa verbal e consentimento tiveram as médias mais baixas e altas respectivamente, sugerindo que os homens entendem consentimento ou falta dele melhor quando ele é comunicado dessa maneira. Ainda assim, a média para recusa verbal foi de 2,34, significando que quando uma mulher nesse cenário vocaliza sua recusa de um avanço sexual, não fica entendido imediatamente que ela não está consentindo com os avanços.
Além disso, muitos homens interpretaram equivocadamente fatores situacionais, como relacionamento íntimo anterior com a mulher, como consentimento. “Nossos resultados estabeleceram que homens confundem fatores contextuais indicativos de desejo sexual com consentimento implícito”, diz o estudo. Dr. Mattson explicou melhor: “Se o participante percebia desejo [por parte da mulher], ele achava que ela estava comunicando que aceitava os avanços sexuais, e também presumia que ela estava comunicando consentimento final para o coito”.
Depois de submeterem seus cenários, os homens tinham que responder uma série de questões de personalidade e atitude para medir características de psicopatia, empatia, níveis de sexismo hostil, aceitação do mito do estupro e atitudes sobre hipermasculinidade. “Há muita literatura sugerindo que certos tipos de homens com certas características são mais propensos a se envolver em agressões sexuais”, diz Dr. Mattson. E mesmo havendo pesquisa para apoiar essa ideia, o que Mattson e seus colegas pesquisadores descobriram foi que a maioria das respostas “emergiram como uma função de diferentes situações, ao contrário das tendências gerais de um indivíduo”. Esses resultados sugerem outra verdade desconfortável: até os homens mais progressistas e que respeitam as mulheres podem confundir consentimento e falta dele, e acabar cometendo agressão sexual.
A pesquisa do Dr. Mattson e seus colegas fornece evidência de que “homens heterossexuais confiam em diferenças sutis na comunicação não-verbal para deduzir consentimento quando a intenção sexual da mulher é de qualquer forma ambígua”. Quando apresentados a uma descrição de uma mulher que “para de responder, mas não resiste de qualquer forma” durante um encontro sexual, os participantes tinham mais chance de achar que ela tinha desejo sexual e estava consentindo do que quando ela “ficava tensa e não dizia nada”.
Quando usamos linguagem corporal, comunicação verbal, gestos, expressões faciais e outros comportamentos sutis para determinar o que nossos parceiros estão ou não dispostos a fazer, consentimento pode ser confuso e pouco claro. Mas nossas respostas diante de um parceiro cujo consentimento é ambíguo nunca deve ser concluir consentimento. A seção de discussão do estudo resume isso:
“Considerando tudo, essas descobertas destacam a utilidade de programas de redução de risco que empoderem mulheres para comunicar de maneira afirmativa seus desejos sexuais, e também reforçar a importância de educação sobre comportamento não-ambíguo e afirmativo sendo o padrão do consentimento, particularmente para homens inclinados a deduzir consentimento quando as intenções sexuais de uma mulher não estão claras.”
Mais sucintamente, se você não tem certeza se seu parceiro está dando seu consentimento, tem um jeito simples de saber: pergunte.