Os Húngaros Estão Furiosos com seu Governo “Iliberal”

No fim de outubro, dezenas de milhares de húngaros marcharam pela capital Budapeste contra a implementação do “imposto de internet”. O governo queria que os usuários individuais da rede pagassem 150 florins (R$ 2) por cada gigabit de informação baixado. Os burocratas voltaram atrás rapidinho depois dos protestos, mas a simples proposta do imposto foi a gota d’água numa longa lista de legislações que ameaçam as liberdades na Hungria. Por isso, as manifestações continuaram.

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Desde 2010, o partido Fidesz vem introduzindo uma série de leis que podam a liberdade de imprensa e o Judiciário, levando os húngaros às ruas diversas vezes. Em dezembro do mesmo ano, o Parlamento introduziu uma lei para multar meios de comunicação que se envolvessem em “coberturas desequilibradas”. O partido conservador Fidesz também criou um órgão regulador de mídia chamado Autoridade de Mídia e Infocomunicações Nacional, cujos membros são eleitos pelo Parlamento. Entre outros poderes, a autoridade nomeia os executivos de todas as mídias públicas. 

O Fidesz também fez mudanças na constituição húngara em 2013, limitando o poder do Tribunal Constitucional para investigar e se sobrepor ao Parlamento no futuro. Uma declaração da Comissão Europeia, na época, dizia que as mudanças constitucionais “levantavam preocupações a respeito do princípio de Estado de Direito”.

Sob a batuta do Fidesz, a Hungria tem se afastado da democracia. O próprio primeiro-ministro Viktor Orban afirmou no verão que queria sucatear a democracia “liberal” e construir um “Estado iliberal”. Declarou ainda que o país devia se inspirar não no Ocidente, mas na Rússia, na China e na Turquia. Em termos de relações internacionais, Orban está se voltando cada vez mais para a esfera de influência russa. Recentemente, o premiê anunciou que o gasoduto russo South Stream vai passar pela Hungria apesar de objeções na Europa. 

Sem surpresa, o governo americano está cada vez mais descontente com Orban e Fidesz. Em setembro, Obama disse que a Hungria era um país onde “regulamentos sem fim e intimidação ostensiva visavam cada vez mais à sociedade civil”. Então, em outubro, o encarregado da embaixada americana em Budapeste anunciou que seis membros do governo húngaro tinham sido proibidos de entrar nos EUA por envolvimento com corrupção. A chefe do fisco húngaro, Ildiko Vida, admitiu pouco tempo depois estar na lista da embaixada americana. Vida chamou a proibição de “um ataque sujo” e de “acusações escusas formuladas como generalizações”. Milhares protestaram pedindo que ela renunciasse.

Mais de 10 mil pessoas foram às ruas nesta semana para exigir a renúncia do primeiro-ministro. A chamada para a manifestação, expressa numa página de evento no Facebook, era: “Diga não à corrupção, diga não aos impostos excessivos, diga não às relações estrangeiras atuais, diga sim à Europa e diga sim à liberdade”.

Depois que o protesto principal acabou, alguns milhares continuaram na praça e se recusaram a ir embora. As pessoas começaram a empurrar a linha de policiais que estava na escadaria do Parlamento. Vi um cara usando um megafone para incentivar os manifestantes a empurrar a polícia. Outro deles gritou que queria entrar no edifício. Algumas pessoas foram presas, mas a polícia conseguiu evitar o confronto total. Os manifestantes não foram muito longe; no final da história, os dois lados estavam exaustos. 

Algumas vezes, durante a tarde, os manifestantes compararam o protesto à revolução húngara de 1956, quando a população do país reagiu contra o governo stalinista. A comparação pode ser um tanto exagerada nessa fase, e aquela revolução foi brutalmente reprimida por colunas de tanques soviéticos e 30 mil soldados. Precedentes históricos mais contemporâneos podem ser mais relevantes. Os protestos na Hungria levaram a mudanças políticas genuínas no passado recente. Em 2006, quando o primeiro-ministro do governo socialista foi pego dizendo que tinha mentido sobre a economia para se eleger, Budapeste foi varrida por tumultos violentos exigindo sua renúncia. Os números do MszP (o Partido Socialista Húngaro) despencaram, e o primeiro-ministro se viu forçado a renunciar depois de outro escândalo alguns anos depois.

O Fidesz deve estar esperando que os protestos deem em nada. Desencantadas com todos os principais partidos políticos, as pessoas com quem falei expressaram a determinação de seguir protestando nas ruas para fazer as mudanças que querem na Hungria.

@owebb

Informações adicionais por Hannah Webb.

Tradução: Marina Schnoor