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O Instagram do Sylvester Stallone é a única obra de arte de verdade neste mundo feio

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK


Tem uma montagem importante em Rocky IV que diz tudo que você precisa saber sobre os filmes do Rocky, ou seja: eles não são sobre boxe. Quer dizer, sim: Rocky é um boxeador e literalmente todos os filmes terminam numa luta de boxe, em que ele ganha ( II, III, IV) ou perde por pouco ( I, Balboa), aí ele é apresentado com um microfone na mão, o rosto um grande pedaço de carne rosa coberta de vaselina, todo suado, e alguém decide que essa é a melhor hora para falar com ele, então ele meio que gagueja algo no microfone — “Se eu posso mudar, você pode mudar, todo mundo pode mudar!” ou algo assim, parecendo aqueles momentos em que você vomitou numa festa e está implorando pro seu amigo te trazer um copo d’água — e a multidão delira, e a esposa dele funga e chora. Todos os Rocky são assim. Então tudo bem se você achava que os filmes eram sobre boxe. Mas não são.

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Agora eu poderia fazer um discurso açucarado sobre como os Rocky são sobre seguir seu coração, família, superar seu adversário, e que muito treino pode levar à natural superação, que ser socado na cara várias vezes é heroico, ou a importância de subir correndo escadas, mas como a montagem do Rocky em Rocky IV mostra: não, os filmes do Rocky são sobre uma coisa, e só uma: ser louco e forte num campo é uma técnica melhor de treinamento que realmente malhar numa academia, sempre.

Considere o seguinte: Rocky I — ele vence os adversários socando carnes num açougue, sendo perseguido por crianças e correndo atrás de uma galinha num quintal. Rocky II: OK, aqui ele malha numa academia e vence. Desconsidere esse. Rocky III: o Rocky fica metido, apanha de um cara muito mais novo, e para ganhar sua antiga forma, faz umas corridas homoeróticas na praia com Apollo Creed e nada um pouco. Rocky IV: ele só corre pra caralho na neve. Balboa: ser velho e forte numa academia mal iluminada, trilha sonora estendida de saxofone.

Então a lição para se aprender com os filmes do Rocky é: na superfície, é exatamente o que parece. Nada é sobre o que você acha que é. Às vezes você tem que descascar a pintura para ver o verdadeiro coração cru lá dentro: o que está na superfície não te diz tudo que você precisa saber sobre alguma coisa. Veja um exemplo: você pode achar que a conta no Instagram do Sylvester Stallone é só uma conta no Instagram. Mas você está errado. É arte.

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Acho que para você apreciar de verdade o Instagram do Sylvester Stallone pelo que realmente é, vconsidere isso do ponto de vista do que ele não é. Ou seja: não é uma conta no Instagram em nenhum sentido da palavra. Vai lá dar uma olhada no seu Instagram agora: uma paleta de cores bem pensada, fotos de coquetéis que você pede no bar, um prato bonito de comida, uma foto em que você ficou bonito. Isso é o Instagram: um feed sob sua própria curadoria mostrando o que você come, bebe, o que parece e onde mora. Quantos cachorros você encontrou esta semana. Uma placa que você viu uma vez, talvez uma pixação irônica. Um pôr do sol decente. E é isso. Essa é a ideia básica — gerada de uma matéria do Thought Catalog dois anos atrás, se queremos atribuir a culpa —, uma ideia de que as redes sociais são “apenas os destaques”, um foco no bom e um afastamento cuidadoso no mau, e nada é tão assim quanto o Instagram. A gente nunca chora no Instagram e raramente somos melancólicos. Nunca estamos com fome e jantamos “só duas torradas”. Nosso cabelo está sempre cuidadosamente penteado e nunca molhado da chuva. Digamos que você sentou numa pequena poça de porra no banco traseiro de um táxi — isso já aconteceu com todo mundo! — isso, porém, não vai parar no seu Instagram. O Instagram é sobre luz, não sombras. É o nosso melhor sem nenhuma falha.

Mas o feed do Instagram do Sylvester Stallone não é assim. Simplificando, o Instagram de Sylvester Stallone é:

– Vídeos nos quais Sylvester Stallone tira sarro do irmão, Frank, que parece o fim da linha inevitável do Elvis se ele tivesse vivido o suficiente para chegar nesse ponto. Você morre Elvis ou vive o suficiente para se transformar em Frank Stallone;

– Vídeos nos quais Sylvester Stallone conta piadas de tiozão inescrutáveis para suas filhas modelos, que já estão de saco cheio mas tentam disfarçar;

– Stills de 30 anos atrás de Rocky , porque como já foi discutido, os filmes do Rocky são os melhores, etc. etc. etc.

E eu acho essa consistência calmante, como uma pílula. Sinto que isso é importante. Então vamos dar uma olhada em alguns dos maiores sucessos de Sylvester Stallone no Instagram, e no final concordar que eu estava certo e que isso é a obra de arte mais perfeita disponível atualmente no mundo, amém.

ARTE Nº1: ‘SYLVESTER TRANCA A PORTA’

Primeiro você assiste esse vídeo e pensa: “Isso não é arte, só dois velhos musculosos de zoeira que nem moleques de 12 anos. Isso não tem nada de arte”. Errado! Assista ao vídeo de novo, porque é uma zona: Frank fala por cima de Sly; Sly está dizendo merdas tipo “Ei, Frank, você sabe nadar? Por que você não dá um mortal de costas naquela poça ali?” Tipo, são piadas péssimas, e o Frank parece um cara louco que tiraram da selva agora para dizer que a Guerra do Vietnã acabou 42 anos atrás. Aí o vídeo chega ao fim: focando perfeitamente nas gotas de chuva no vidro; Frank, fora de foco ao fundo, balançando o taco de golfe; e as palavras “O Idiota”. Certeza que isso é o final de todos os filmes de arte franceses já feitos.

ARTE Nº2: ‘O RETRATO DE UM HOMEM EM PAZ’

Pense em Sylvester Stallone nos momentos mais calmos de sua vida. Sylvester Stallone, velho, forte, com uma linha do cabelo de ferro, apenas curtindo sua casa palaciana em LA. Ele senta num sofá que faz um rangido. Ele coloca seu óculos para olhar um iPad. Talvez Sylvester Stallone faça um molho de macarrão, cortando cuidadosamente as cebolas com suas mãos enormes. Quando você acha que foi a última vez que Sylvester Stallone chorou no banho? Aposto que há décadas. Quando você acha que foi a última vez que ele ficou puto com uma multa de estacionamento? Não. Gosto de pensar nele como um homem de paz, e aqui está: tão calmo que esqueceu uma palavra, tão zen que pode ziguezaguear no trânsito enquanto fala sobre Os Mercenários 4. E esse vídeo é realmente engraçado porque ele tem que fazer todo um movimento para desligar a gravação no final, e fica parecendo um Honey Bun Baby velho e forte por um segundo:

ARTE Nº3: ‘SYLVESTER STALLONE É O PAI MAIS FORTE DO MUNDO’

Quando eu era moleque, no primário, a gente resolvia as brigas assim: você se gabava do quanto seu pai era foda. Você sabe como funciona: alguém derruba seu sanduíche no chão, ou pisa no seu Polenguinho, te chama de cabeça de cocô ou algo assim, aí você olha a pessoa nos olhos e diz: “Meu pai dava uma surra no seu pai”. Ou “Ah, é? Bom, meu pai é mais forte que o seu”. Quer dizer, nunca realmente fiz isso porque, mesmo aos sete anos de idade, eu meio que suspeitava que meu pai era bundão e não ia durar nem sete segundos em qualquer situação violenta com o pai de outra pessoa. As manchetes diriam: “Pai de Joel fica tão apavorado que mija nas calças”. Ou “Óculos de Tony Golby se espatifa no chão depois de um único soco do outro pai, e ele ainda está inconsciente”. Esse tipo de coisa.

Mas o pai mais foda do mundo — o pai que poderia bater em todos os outros pais — é Sylvester Stallone. É importante que você saiba que ele continua sendo um pai. É por isso que ele continua nos lembrando disso filmando esses vídeos com suas filhas longilíneas. Não sei quantas filhas ele tem, porque elas são todas idênticas, mas acho que é algo entre três e 40, e elas sempre estão com um olhar de pânico quando ele liga a câmera do celular perto delas — o subtexto, acho, do Instagram de Sylvester Stallone, é que ele grava umas boas oito, dez horas do seu dia, mas só vemos os vídeos que ele decide colocar online — aqueles momentos em que as filhas dele pensam “De novo não”. E esse vídeo é um exemplo perfeito disso: um momento puro e simples de família (a filha dançando na cozinha), sequestrado por 20 segundos de pura tiozãozisse (“Não, espera aí… você vai torcer alguma coisa”) por nenhuma razão, e a cereja do bolo é uma piada que não faz nenhum sentido, que nem pode ser considerada uma piada, mas é contada como uma piada. E a piada é: “Yeah. DANCING WITH THE BARS”.

Às vezes arte não faz sentido mesmo.

ARTE Nº4: FORÇA

Em certo momento você fica tão forte que só pode fazer essa pose em fotos, essa é a lei, e olha como isso aqui é perfeito. Olha. Silvester Stallone é tão forte que sua espinha sofre para conter sua força. Quantas milhares, centenas de milhares, de fotos existem de Sylvester Stallone mostrando o punho para a câmera? Os cientistas não conseguem calcular o número. Arte.

ARTE Nº5: ‘COMO MATAR FRANK STALLONE’

Você já imaginou como seria assassinar Frank Stallone? Não, nem eu. E quanto a assassinar Frank Stallone contando uma piada meio fraca do Elton John, tipo num filme policial dos anos 80 no qual você tem que dizer alguma coisa engraçadinha antes de atirar ou prender alguém? Não, eu também nunca fiz isso. Mas se você sempre quis ver como seria, provavelmente seria assim. É assim que seria estrangular Frank Stallone. E seria arte.

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Curto muito, sabe? Toda celebridade — e, de fato, toda pessoa; você não precisa ser famoso para postar só selfies boas no Instagram — escolhe, retoca e maquia sua presença online, tuíta suas iniciais nas raras vezes em que diz uma frase sua, vive uma vida distante, muito longe do resto de nós. Mas não Sylvester Stallone. Sylvester Stallone está pouco se fodendo para o Instagram. Ele passa o tempo inteiro irritando de leve as pessoas mais próximas dele e depois mostra seu punho pra câmera.

Todo mundo precisa escapar, de vez em quando, não é mesmo, desse mundo frio; e é aí que a arte entra. Arte pode ser cara e desafiadora; pode ser obtusa e provocativa. Pode ser difícil de decifrar. Mas pode ser só Sylvester Stallone com uma cara triste ouvindo Drake no banco de trás de um táxi. Difícil dizer.

@joelgolby

Tradução: Marina Schnoor

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