Música

Interrompemos a Gravação do Disco do Ratos de Porão

Fotos por Raphael Tognini e celular do João Gordo

Século Sinistro. Quando fiquei sabendo que esse seria o nome do novo álbum de inéditas do Ratos de Porão, a impressão foi das melhores. É perigoso se surpreender nesses casos em que a tentativa de inovação pode botar tudo a perder, e um título assim, afinal, traz consigo a ideia de um pessimismo punk-metaleiro bem ao estilo do Ratos. É aquilo que se espera dos caras: peso sobre peso embalando letras ácidas de um papo reto sem elaborações pretensiosas. O full length, sucessor de Homem Inimigo do Homem, lançado em 2006, compila faixas que a banda vem cozinhando ao correr dos últimos três anos, e que acabaram ganhando uma versão final somente agora, às vésperas da entrada em estúdio.

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Se a temática aborda polêmicas surgidas com os avanços tecnológicos e seus efeitos no nosso comportamento político e social, bem como a recente onda de protestos no Brasil, o instrumental não faz por menos. Ainda que não tenham sido concebidas coletivamente, a sonoridade das 13 faixas revela uma banda mais entrosada do que nunca, remontando à fase do começo dos anos 90, só que com uma carga mais explosiva (!). Algo, digamos, mais para o lado do Anarkophobia do que para o Crucificados Pelo Sistema. De quebra, participações especiais temperam algumas músicas. O Moysés, do Krisiun, acrescentou solos de guitarra aos riffs de “Neocanibalismo”, enquanto o já ilustre porco Atum participa como backing vocal na faixa “Sangue & Bunda”.

Na correria entre as sessões de gravação do álbum, lançamento da breja da banda e um monte de shows que eles fizeram nesse meio-tempo, conversei com o guitarrista Jão sobre o que vem por aí:

Noisey: Depois de um hiato sem gravar repertório inédito, como anda a química entre vocês no estúdio? Podemos esperar um álbum super produzido, repleto de dobras de guitarra e elementos surpresa, ou um disco mais cru?
Jão: O RDP tem uma química muito boa no sentido de saber o que quer fazer em estúdio, não é uma superprodução, mas uma produção caprichada, com bastante detalhes, dobras de guitarra, preocupação com a sonoridade desejada e tal.

Quantas músicas vão entrar no Século Sinistro e por quê esse nome? Podemos esperar um trabalho com letras temáticas sobre coisas que mudaram os rumos ou que marcaram o nosso século?
O disco terá 13 músicas, a música “Século Sinistro” traz uma visão pessimista desse século que começou. Teremos internet ilimitada e não teremos água potável. Outras músicas tratam de temas atuais e até corriqueiros, como “Viciado Digital”, que fala de gente que fica conectada 24h, lava roupa suja da vida pessoal no Facebook, ou “Conflito Violento”, que fala dos recentes protestos e a truculência da polícia contra professores e outros ‘vândalos’ (risos).

Vocês começaram a compor as músicas do novo álbum aos poucos, nesse hiato entre o Homem Inimigo do Homem e a fase atual? Ou foi um lance tipo: “agora é hora de pensar no próximo disco”?
Na verdade, após o Homem Inimigo do Homem, lançamos um split com uma banda espanhola chamada Looking for an Answer, em 2010. Depois disso tivemos muita dificuldade de nos reunirmos para compor, tanto é que poucas músicas são composições de toda a banda, tem músicas aí que foram compostas três anos atrás. Nesse ano de 2013, começou realmente a incomodar a falta de material novo, aí decidimos arregaçar as mangas e terminar o que havíamos começado.

O que você anda curtindo de som? Alguma dessas coisas surge como influência no som novo do Ratos?
É difícil dizer o que eu ando curtindo, às vezes acordo ouvindo rock 70, às vezes punk 77, às vezes jazz… Ouço coisas que não têm a ver com o som do Ratos, e que não influenciam no som da banda, talvez os outros integrantes te dariam uma resposta diferente sobre isso…

O Juninho, que no RDP toca baixo, mas que tem uma longa e notável trajetória como guitarrista de bandas de hardcore, é uma figura que acrescenta às elaborações das suas bases de guitarra? Existe essa troca de figurinhas entre vocês quando o assunto é compor?
O Juninho compõe bastante, nesse disco tem muitos riffs e bases dele. O cara já está no Ratos há dez anos, sabe como funciona nosso método de compor e se espelha mais em outros trabalhos do Ratos do que no que ele fez como guitarrista em outras bandas. Até porque temos estilos bem diferentes como guitarristas.

Vocês estão gravando esse repertório em digital ou analógico? É real esse lance de que gravar em rolo dá mais punch para um som como o do Ratos? Quanto tempo vocês levam para finalizar uma faixa no estúdio? São muito detalhistas com microfonação de bateria, essas coisas?
O Ratos sempre grava analógico. Além do punch, o analógico te permite uma sonoridade única para o disco. É claro que também acaba se fazendo necessária uma atenção maior com microfonação e timbres dos instrumentos, pois isso vai levar à sonoridade desejada. É difícil precisar o tempo que leva pra finalizar uma faixa, até porque tudo vai sendo gravado separadamente.

Com essa série de relançamentos de discos do Ratos, um DVD comemorativo aos 30 anos da banda a caminho e um documentário mais ou menos recente, vocês teriam algum empecilho de que alguém publicasse uma biografia do Ratos sem autorização? O que vocês pensam dessa polêmica que está pegando na mídia nos últimos tempos?
Não conheço ninguém que possa escrever uma biografia do Ratos, porque nesses 32 anos de banda não houve ninguém que acompanhasse de perto nossa trajetória por todo o tempo. Quanto a essa polêmica, tem muito artista sacana que quer pagar de bom moço, aí alguém escreve sobre o cara falando seus podres, porque, afinal, todo ser humano tem seu lado obscuro, inclusive quem escreve sobre os outros, e é óbvio que o cara não vai gostar, né?

Em sua opinião, o que há de melhor e pior acontecendo na música rock/metal atualmente?
O melhor está no underground, muitas bandas boas em todas as vertentes. Fora do underground, não sei o que rola, não gosto de bandas de modinha, não gosto da música atual no geral. Acho que estou ficando um velho chato e nostálgico (risos).

Para terminar, se me permite, uma curiosidade: me disseram que você participa todos os anos de uma quermesse. É real essa fita? Você faz parte da organização, tem envolvimento com trabalho social, algo do tipo?
Eu participo, sim, mas não faço parte da organização, vou lá pra ajudar meu sogro e minha sogra, que fazem parte da organização. É trabalho voluntário, mas não gosto de me envolver. Às vezes, fico pensando: “Para onde vai esse dinheiro todo? Será que realmente está sendo utilizado de maneira correta? Está chegando aonde necessitam?”. Bom… eu faço minha parte. Se quem está envolvido na utilização da grana, nesse caso a Igreja Católica, não faz a sua, esse karma não é meu…