Quando Norbert veio na redação da VICE, ele me contou várias histórias sobre sua mãe, a lutadora brasileira Olga Zumbano, algumas delas passadas durante a Segunda Guerra Mundial: de como ela quebrou o pescoço de um soldado russo que tentou sequestrá-la e das noites nas quais ela saía com suas tias para atirar em paraquedistas enquanto seu pai estava no front. De volta ao Brasil, Olga conquistou, na porrada e na estrada, o título de Rainha do Ringue. Aliás, o pai dele, o austríaco Hans Norbert, também tinha uma alcunha louca. Quando campeão europeu meio-médio, era conhecido como “A Metralhadora Austríaca”, o que faz sentido mesmo fora do mundo do boxe, já que o casal mal havia chegado na terra natal do pugilista para uma lua de mel tardia — e o nascimento de Norbert —quando a Segunda Guerra Mundial começou e o desportista herói teve que pegar em armas.
De qualquer jeito, não quero superdimensionar essa transa da Guerra, porque afinal de contas o que interessa agora são essas fotos inéditas que Norbert fez de sua mãe, uma mulher forte, corajosa e desbravadora — ou por acaso você acha que era bolinho fazer shows de luta livre nos circos que rodavam o Brasil da década de 40?
Porra, no começo ela teve até que inventar um nome falso de espanhola —”Yo soy Nina Olivera, soy española”, Norbert contou que ela falava pros—canas metidos a guardiões da moral que queriam impedir a brasileira de lutar. “Bom, pugilista nunca se deu bem com polícia, pugilista se dava bem com gangster”, ele acrescentou. Olga era boxeadora desde criança, ela vem do clã Jofre-Zumbano, que deu ao Brasil o maior nome no esporte: Éder Jofre. “Nenhum dos meus avós era lutador. Mas como viviam numa época em que tudo se resolvia na pancada, na bala — no meio dos italianos, máfia e essa coisa toda —, então botaram os 13 filhos pra treinar boxe no quintal da casa. E, nessa brincadeira, havia duas mulheres: a Angelina, que é a mãe do Éder Jofre, e a Olga, que é minha mãe”, contou Norbert. “A vida da família Zumbano, imigrantes italianos, começou em Mococa, interior de São Paulo. Chegaram na capital porque, com aquela história de treinar boxe, começaram a fazer exibições e a ganhar um dinheirinho. Eles montavam um ringue e faziam as exibições — menos a minha mãe e a minha tia que ainda não pensavam nisso.”
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Olga e Hans se conheceram em São Paulo, onde ele estava de passagem a caminho da Argentina, onde lutaria, mas viu a menina Olga no portão da casa da família Zumbano e se apaixonou. Foi durante a tal lua-de-mel-transformada-em-guerra que Olga resolveu aprender, novamente como forma de defesa, uma nova modalidade, a luta greco-romana, sob a supervisão do ator e campeão Ady Berber. “Minha mãe descobriu que havia outras mulheres treinando com ele; que não era a única na Áustria”, disse o Norbert, “Quando a guerra acabou ela falou para o meu pai, ‘Escuta, não é uma boa levar essas mulheres para o Brasil pra fazer umas exibições e tal?’. E não deu outra. Meu pai fechou negócio com o Ady Berber pra trazer as moças. Eram umas sete ou oito.” O show itinerante lotou circos por todo o Brasil, ganhou capas de revistas e “chegou a ter LP com a narração de uma luta histórica num estádio em Minas Gerais”, conta Norbert. O esquema de Olga e suas comparsas era desafiar os valentões locais— e quebrá-los na porrada, na frente de todo mundo.
Eventualmente Olga se separou de Hans — “Um dia tiraram uma foto da minha mãe com um lutador em Santos e meu pai ficou p da vida”— e comprou seu próprio circo, terras, carros, apartamentos, e até deu entrada num barco a vapor para subir o Rio Negro —”foi pra Serra Pelada na época do começo do garimpo e voltou de lá com aquelas garrafas de guaraná de dois litros cheias de ouro em pó”. As gringas de sua gangue foram gradualmente substituídas por brasileiras, já que “a austríaca especialista em dar tesoura no pescoço dos homens casou e voltou para casa, a inglesa boa de joelhada desistiu, a cubana foi assassinada”, e acabou por se esfacelar.
Olga casou outras três vezes, viveu de comprar e revender circos e continuou se apresentando nos picadeiros, agora no papel da vilã, em lutas combinadas nas quais ela ganhava repetidas lutas e perdia no último momento ou noite de apresentação na cidade para o deleite do público. Perdeu muito dinheiro e lutou até os 60 anos de idade. Morreu do coração dia 3 de setembro de 2000, aos 84 anos.
Acervo de fotos: Norbert Franz Novotny, Produção: Caio Porto