Cabo Daciolo: da greve ao monte, com escala no socialismo
Ilustração: Cassio Tisseo

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Quem quer ser presidente

Cabo Daciolo: da greve ao monte, com escala no socialismo

Na série de apresentação dos presidenciáveis para 2018, a VICE conta a trajetória de Cabo Daciolo, candidato do Patriota.

A primeira vez que muitos cariocas ouviram falar no Cabo Daciolo foi na tarde do dia 17 de abril de 2011. Ele estava entre os cerca de 130 bombeiros, salva-vidas e policiais militares, que fizeram um protesto na praia de Copacabana, na zona sul do Rio, reclamando de melhores salários e condições de trabalho. Queriam ser recebidos pelo então governador, Sergio Cabral Filho, e chegaram a fretar, por R$ 1.500, um avião que sobrevoou a orla levando uma faixa com os dizeres: “Bombeiros pedem socorro! População carioca, precisamos de vocês". O jornal O Globo registrou a manifestação no dia seguinte, com uma foto da faixa e uma declaração creditada ao “cabo bombeiro Benevenuto Daciolo” — que, sete anos mais tarde, volta às manchetes por sua candidatura à Presidência pelo Patriota.

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“O protesto é uma reação à política do Estado, que desrespeita e desvaloriza o trabalho dos bombeiros. O movimento nada tem a ver com a postura dos comandantes das unidades operacionais. E não estamos contra a população. Nossa missão é salvar vidas e precisamos do apoio da coletividade”, disse o cabo naquele dia, segundo o registro do jornal, com todo o cuidado para não ferir a rígida hierarquia militar. O protesto foi realizado sem farda, para evitar uma infração militar, o que não impediu o início de uma investigação pelos oficiais.

Sem serem atendidos pelo governador, os bombeiros voltaram às ruas uma semana depois. No dia 23, feriado nacional, montaram um acampamento em frente ao Grupamento Marítimo em Copacabana, alegando que tinham o pior salário do país entre a categoria, com piso de R$ 950, além de falta de equipamentos de apoio, como óculos escuros, protetor solar e nadadeiras. Sem resposta, entraram em greve no mês seguinte. No dia 11 de maio, uma quarta-feira de sol, em vez de estar nas praias para acudir eventuais banhistas em perigo, os salva-vidas foram para o centro da cidade protestar e fizeram novo acampamento, agora em frente à sede da Assembleia Legislativa. Daciolo já era visto como o líder do movimento grevista de um grupo que, oficialmente, não pode fazer greve nem se filiar a sindicatos. O Globo aos chamou de “larga-vidas”.

Alguns dias depois, parte do grupo, com ele à frente, chegou a ocupar o Quartel Central da Polícia Militar. A paralisação acabou na noite do dia 17 de maio, quando Daciolo se entregou aos superiores. Passou nove dias em cana no presídio Bangu 1 e passou a responder a um processo que resultou em sua expulsão da corporação, em março do ano seguinte. Já era, então, um nome conhecido no meio: também colaborou num movimento grevista de policiais e bombeiros em Salvador. A expulsão foi revogada por Cabral em 2013, mas já era tarde: agora Daciolo só queria mesmo saber de política. Aceitou filiar-se ao PSOL, num movimento que até hoje gera debates no partido.

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Acompanhe a nossa cobertura das Eleições 2018:


Mas, apesar de a imprensa em geral registrar a eleição de 2014 como a primeira aventura política de Daciolo, o cabo já havia passado duas vezes — sem sucesso — pelo escrutínio dos eleitores. A primeira foi em 2006, quando ele saiu como deputado estadual pelo PRTB, com o número 28193 — os três dígitos finais fazem referência ao número do telefone de emergência dos bombeiros. Foram apenas 2.976 votos. Dois anos mais tarde, já pelo PRB, Daciolo candidatou-se a vereador, mantendo a lógica do número — agora, 10193, para atender à nova legenda. Convenceu apenas 2.097 eleitores e, como o partido elegeu um representante, chegou a ser nomeado suplente, embora nunca tenha assumido o posto na Câmara. Entre as duas eleições, Daciolo concluiu a faculdade de Turismo — sua assessoria não informou em qual instituição fez o curso.

Nessa época, Daciolo já professava a fé evangélica, à qual diz ter aderido no começo da década passada, depois de uma vida de “mulherengo” e de “beber demais”. Sua entrada no PSOL, em 2013, após o apoio do partido à greve dos bombeiros, foi acompanhada de espanto por parte da legenda, considerada de “extrema esquerda” por grande parcela dos religiosos. “Deus está no comando” era uma frase sempre proferida em reuniões e ações partidárias, segundo texto escrito neste mês pelo dirigente do partido José Luiz Fevereiro.

Daciolo foi o terceiro candidato mais votado do PSOL fluminense em 2014, elegendo-se ao lado de Ivan Valente e Jean Wyllis. Mas, assim que chegou a Brasília “deslumbrou-se e deixou o messianismo aflorar”, nas palavras de Fevereiro. Em abril, ao protocolar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que pretendia mudar o parágrafo único do primeiro artigo da Carta Magna de “Todo o poder emana do povo” para “Todo o poder emana de Deus”, acabou expulso da legenda. Ficou sem partido por quase um ano até entrar no PT do B, depois rebatizado como Avante. Neste ano, depois de profetizar no plenário da Câmara que tinha “um plano para a nação brasileira”, acertou sua filiação ao Patriota, antigo PEN, para se candidatar a presidente. O partido chegou a negociar com Jair Bolsonaro, mas o capitão reformado do Exército acabou fechando com o PSL.

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No Congresso, Daciolo se destaca mais pelas bizarrices do que pelo trabalho como parlamentar. Reportagem da revista Época mostra que ele se dá melhor com servidores do Congresso do que com os colegas parlamentares, a quem acusa de “enganadores do povo”. Num de seus momentos mais constrangedores na Casa, chegou a prever, com a bíblia na mão e para dali a “alguns minutos”, a cura da deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégica. Não aconteceu. Entre seus desafetos também está a Maçonaria, a quem já acusou na tribuna da Câmara de “mandar no Brasil desde José Bonifácio” — de fato, o Patriarca da Independência era maçom, e Daciolo acusou Michel Temer de também fazer parte do grupo, o que o presidente negou.

Na campanha presidencial, Daciolo ficou famoso no debate da TV Bandeirantes ao questionar Ciro Gomes (PDT) sobre o Foro de São Paulo e a Ursal, União das Repúblicas Socialistas da América Latina, que imediatamente saiu do campo das teorias de conspiração e se tornou um meme imediato. À negativa do adversário, o candidato do Patriota agiu como um bom apreciador de teses conspiratórias: “Ele sabe sim, mas quer esconder como a mídia esconde”, disse, citando até a Nova Ordem Mundial. Como disseram no Twitter, mais alguns minutos e ele talvez se declarasse um terraplanista. Ciro, aos risos, disse que a democracia “tem custos”, como a participação de Daciolo em debates, assegurada pela representação do Patriota no Congresso.

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O deputado também ganhou fama por “subir o monte” após o debate para fazer jejum, e denunciou uma “conspiração Illuminatti” que queria matá-lo por ter denunciado suas reais intenções no debate. Desceu para participar de outro debate, agora na RedeTV!, onde se comportou de forma mais discreta.

No mundo real, Daciolo apresentou em três anos e meio de parlamento 56 projetos, a maioria relacionados a segurança pública e ao ensino religioso nas escolas — nada passou. Votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff e contra a reforma trabalhista proposta pelo presidente Michel Temer. Embora suas propostas religiosas estejam relacionadas sempre à direita, Daciolo aponta os bancos como “grande mal do país”, um discurso celebrado à esquerda. Como se vê, trata-se de um homem de extremos, pouco afeito ao meio termo. No último Datafolha, Daciolo apareceu com 1% das intenções de voto.

Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos
Formação: Bacharelado em Turismo (não declarou a instituição)
Idade: 42
Patrimônio: Não declarou bens
Trajetória (partidos): PRTN-PRB-PSOL-Avante-Patriota
Vice: Professora Suelene Balduino (Patriota)

Acompanhe as trajetórias de todos os presidenciáveis na série Quem quer ser presidente . Novos perfis toda segunda, quarta e sexta.

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