Ao que parece, agora que o Tribunal Supremo aprovou o casamento gay em todo o território dos EUA, os cristãos homofóbicos apareceram do nada e puseram-se a falar sobre o quanto odeiam os gays. Como judeu heterossexual, sempre me intrigou a homofobia entre os seguidores de Jesus. Convenhamos que rezar aos pés de um homem vestido com roupa rasgada é ligeiramente homoerótico. Mas é Jesus que faz com que o meu gaydar brilhe como se fosse uma árvore de Natal. É um jovem elegante, rodeado de amigos e que anda de um lado para o outro a pedir que toda a gente ame o próximo, mas depois chega um grupo de conservadores intolerantes e magoam-no porque temem uma mudança.
Acontece que esta teoria não é novidade nenhuma. O reverendo Bob Shore-Goss, um padre que se declarou abertamente gay, escreveu vários livros sobre o tema, entre eles: Queering Christ e Jesus ACTED UP: A Gay and Lesbian Manifesto. Shore-Goss estudou um doutoramento de religião comparativa em Harvard e trabalha no Conselho Nacional de Assessores do Centro de Estudos sobre Lesbianismo e a Homossexualidade na Religião. Ah, e acredita que Jesus era gay. Entrei em contacto com o reverendo Goss, que expôs a evidência bíblica e que contesta a sua teoria.
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VICE: Jesus Cristo era gay?
Bob Shore-Goss: Espero que sim. Eu acho que sim. Adorava ter-me enrolado com Jesus. Pelo menos era queer. Digo-o porque quebrou as regras da sua cultura, da heterossexualidade obrigatória. Alterou a masculinidade e os códigos de género na sua cultura. Ser queer não significa ter apenas uma orientação sexual distinta, mesmo que isso também possa acontecer. Hoje em dia, por exemplo, São Paulo é considerado homossexual que não saiu do armário, pois naquela época não existia a expressão.
Como era a homossexualidade na época de Jesus?
Não existia o conceito de orientação sexual, existia sim o conceito de género. Por isso, segundo a Bíblia, era uma abominação um homem dormir com outro homem como se fosse uma mulher. Está relacionado com o facto de que o homem atraiçoa o seu status e se afemina a si mesmo. Não é uma violação sexual, é uma violação de género. O código da masculinidade era muito forte no mundo antigo. Contudo, as relações homoeróticas também eram muito comuns no mundo daquela época, em especial no greco-romano.
Jesus falou desse tema em algum momento?
Um dos milagres de Jesus foi ter curado um menino, o servo de um centurião. Está escrito no evangelho de Mateus e no de Lucas. Mateus utiliza a palavra pais – que significa juventude e de onde deriva a palavra pederastia – para descrever esse menino, que tinha uma relação de concubino com o centurião. A sua relação era erótica. O centurião acode a Jesus e pede-lhe que salve o seu namorado. E quando Jesus se disponibiliza a realizar o milagre, o centurião diz: “Não sou digno de que entres em minha casa, mas uma palavra tua bastará para salvar o meu servo”. Jesus ficou estarrecido pela fé do centurião, que recordemos mantinha uma relação homoerótica com o miúdo, e disse: “Nem em Israel consegui espalhar tanta fé!”.
O melhor de tudo isto é que todos os Domingos, milhões de católicos vão à igreja e dizem: “Senhor, não sou digno que entres em minha casa, mas uma palavra tua bastará para me salvar”. Repetem a frase homoerótica que pronunciou um centurião que tinha uma relação homossexual com um jovem. Com o tempo, os crentes deturparam e esqueceram este tipo de coisas. Mas a igreja do século II entendia que esta era uma relação homossexual e não era nada de outro mundo.
Que provas há na Bíblia sobre a homossexualidade de Jesus?
Há pistas, mas é necessário ler nas entrelinhas. Principalmente todo o evangelho de João, quando menciona o “discípulo amado” de Jesus. Ele e Jesus têm uma relação íntima, se bem que ainda há dúvidas acerca da verdadeira identidade do discípulo. De qualquer modo, o discípulo amado jazia sobre o peito de Jesus na última ceia, supostamente sobre a sua “túnica interior”, que é o equivalente à roupa interior actual. É um gesto muito íntimo e de grande afecto entre ambos.
Imagino que Jesus amava todos os seus discípulos porque lhes dizia que amassem o próximo. Portanto, esta pessoa devia ser muito importante para que o chamassem “seu amado”.
Sim. Jesus apenas se refere a outra pessoa como “amado”, e essa pessoa é Lázaro. Na década de 60, Morton Smith, professor de história antiga, descobriu uma carta onde se citam os fragmentos de um evangelho apócrifo que se crê que data de finais do século I. Um dos fragmentos descreve um jovem nu que acode a Jesus ao final da tarde e passa a noite com ele para a sua “iniciação”. Claro que, este excerto é muito polémico e existem dúvidas acerca da sua autenticidade. Mas o que aprendemos disto é que havia um tipo de relação homoerótica, uma relação de amor.
Ao que parece, como em toda a Bíblia, cada pessoa pode retirar as suas próprias conclusões, como a de que Jesus era gay. Porque, bem, tem um perfil queer, nunca se casou…
Este factor é muito importante. Jesus era rabino, um mestre, e praticamente todos os rabinos daquela época estavam casados. Mas não existem provas do casamento de Jesus. E há teorias muito interessantes, como a de que Jesus era bisexual e tinha uma relação com Maria Madalena e outra com o seu discípulo amado. Talvez fosse intersexual ou trans porque nasceu sem pai e, portanto, nasceu como mulher e tomou o fenótipo de homem. Virginia Mollenkott, autora de Omnigender, apresenta esse argumento no seu livro. É um argumento muito bonito. Refiro-me ao facto das pessoas darem muita importância a isso. Uma vez, uma aluna lésbica disse-me: “Jesus não era gay, era perfeito”. O que quer dizer isto tendo em conta a forma como esta rapariga vê a sua própria sexualidade? A postura católica diz que Jesus é perfeito, por isso, é bom e correcto por natureza. Essa posição implica que ser gay é mau e denota uma personalidade transtornada. Até os evangelhos dizem que Jesus era perfeito e segundo eles, para receber a salvação é necessário ser heterossexual.
Mas se Jesus era gay e perfeito, então os gays são os únicos dignos do céu, correcto? É tão irónico… É espectacular.
Penso que existe um panorama muito mais amplo sobre o universal que Jesus era. Também tinha uma sexualidade. Antes eu achava que tudo sobre Jesus era perfeito. Até que um dia, no meu primeiro ano de escola, estava a ler um livro intitulado “The Human Face of God”, escrito por John A.T. Robinson, um bispo anglicano que investiga o Novo Testamento, e vi um rodapé que me perturbou. Dizia que Jesus também se peidava e pensei: Ai, meu Deus! Depois pensei, Ok, é normal, porque também é humano. O que me levou a pensar: Se ele também era humano, também tinha erecções durante a noite? Também tinha sonhos húmidos? Todos os homens os têm. Tudo isso alterou os meus fundamentos cristãos sobre Jesus. Mais tarde comecei a questionar-me se Jesus era sexual ou não, e com quem praticava sexo. Perguntei-me se isso era realmente importante e cheguei à conclusão que sim.
Se Jesus era totalmente humano, devia ser totalmente erótico. Isso significa que a sexualidade é algo positivo. Necessitamos recuperar o conceito de que a sexualidade é maravilhosa e positiva, sem importar a orientação sexual. Entendes a que me refiro? É preciso destacar que todas as sexualidades são uma benção original porque somos feitos à imagem e semelhança de Deus.
O que aprendi com tudo isto foi que Jesus, como indivíduo queer e humano, pelo menos se identificava com as dificuldade dos gays. Com “dificuldades” refiro-me ao facto de se sentirem marginalizados, vitimas de violência pela sua orientação sexual, etc.
Sim, o teu argumento é sólido.
E mesmo que Jesus não tivesse sido gay, imagino que sentia mais afinidade com a maioria homossexual do que com os cristãos hetero que predicavam o ódio.
É curioso porque os fundamentalistas interpretam mal estas coisas e põem-se histéricos porque não entendem o contexto histórico. Fazem um mal uso da informação e mal interpretam a sua própria ideologia. E enquanto isso defendem-na com tanta veemência porque a sua homofobia está muito interiorizada, pelo qual, de acordo com o meu ponto de vista, é um indicativo de que eles mesmo sentem atracção pelo mesmo sexo e sentem a necessidade de reprimir esse sentimento nos outros. Jesus não era fundamentalista nem literal. Falava com parábolas, metáforas e histórias.
Jesus era activo ou passivo?
Versátil.
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