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Cientistas testemunharam uma estrela morta 'arrastar' o tecido da realidade

Astrônomos passaram 20 anos usando uma estrela morta como um gigantesco “relógio cósmico” para testar uma previsão incrível da teoria da relatividade geral de Einstein.
Image: pixelparticle/Getty​
Imagem: pixelparticle/Getty.

Em 1918, uma dupla de matemáticos austríacos chamados Josef Lense e Hans Thirring estavam analisando as implicações da teoria da relatividade geral que Albert Einstein tinha acabado de publicar. Se o tecido do espaço pode ser distorcido pela gravidade, eles perceberam, significava que objetos girando rapidamente podiam arrastar o espaço-tempo contínuo ao redor deles enquanto rotacionavam.

Um século mais tarde, cientistas agora testemunharam esse efeito, conhecido como arrasto de referenciais Lense-Thirring, acontecendo num sistema estelar dramático chamado PSR J1141-6545, segundo um estudo publicado na quinta-feira [30] na Science.

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“Essa é a primeira evidência de arrasto de referenciais num sistema estelar binário”, disse o autor líder Vivek Venkatraman Krishnan, um físico do Max Planck Institute for Radio Astronomy, por e-mail. “Esses são sistemas onde há duas estrelas girando ao redor uma da outra, diferente do Sol que é solitário.”

Astrônomos descobriram o PSR J1141-6545 nos anos 1990 usando o radiotelescópio Parkes na Austrália, e logo perceberam que ele era um laboratório natural útil para testar a relatividade geral. Enquanto a teoria previa que todos os objetos giratórios arrastam o espaço-tempo com eles, o arrasto de referencial é mais fácil de detectar em torno desses corpos celestes enormes que giram incrivelmente rápido.

O sistema contém uma pulsar e uma anã branca, dois tipos diferentes de estrelas mortas. A anã branca rotaciona incrivelmente rápido por causa de interações passadas com sua companheira, enquanto a ultradensa pulsar age como um “relógio cósmico” gigante que os cientistas usam para medir o arrasto de referenciais do espaço-tempo enquanto a anã branca gira.

“O período de rotação do Sol é de cerca de 25 dias, o que é lento de mais para medirmos o arrasto”, explicou Krishnan. “Mas estrelas como buracos negros, estrelas de nêutrons e anãs brancas – que são grandes e rápidas o suficiente por si só – podem fornecer um efeito possível de medir.”

O PSR J1141-6545 é particularmente único porque a anã branca no sistema se formou antes da pulsar, o que é o reverso da sequência normal para esses binários. A estrela que criou a pulsar estava em seu leito de morte cerca de um milhão de anos atrás, mas antes de explodir em sua forma superdensa atual, ela soltou muito de seu material externo.

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Um pouco do material dessa estrela foi jogado na anã branca, o que impulsionou sua rotação para um período de cerca de três minutos, em vez da escala de horas de anãs brancas mais típicas.

Felizmente, a companheira da anã branca emite pulsos de luz em tempo preciso – daí o termo pulsar – que é o que torna esses objetos relógios cósmicos úteis no espaço. Nos últimos 20 anos, astrônomos cronometraram os pulsos da PSR J1141-6545 a uma pequena fração de segundo. Isso permitiu a eles testemunhar uma deriva gradual do plano orbital do sistema em 0.0004 graus por ano, que esse estudo confirmou que é devido ao arrasto de referenciais gerado pela anã branca girando super-rápido.

“Podemos fazer isso porque há uma pulsar no sistema”, disse Krishnan. “Pulsares têm uma estabilidade rotacional extrema e quando um de seus polos fica de frente para a Terra, ela emite para nós um pulso a cada rotação. Isso pode ser usado para mapear a órbita da pulsar com alta precisão – algo que não é possível em outras estrelas.”

Embora um arrasto de referenciais fraco tenha sido observado em torno do nosso próprio planeta usando satélites extremamente sensíveis, esse sistema binário exótico “induz um arrasto de referenciais que é 100 milhões de vezes mais forte que o da Terra”, segundo Krishnan.

A equipe espera que essa observação desencadeie outras pesquisar por arrastos de referenciais extremos no universo. Essa caçada será impulsionada por uma nova geração de observatórios por rádio, como o telescópio MeerKAT na África do Sul.

“O Hemisfério Sul tem uma porção rica de plano galático de nossa Via Láctea”, disse Krishnan. “O novo telescópio MeerKAT abriu vários caminhos para descobrir e observar outros sistemas binários exóticos”, que podem ajudar os cientistas a “entender a física fundamental”.

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