Existe um ponto idiota e obviamente franco em todo homem que é facilmente estimulado pela mera inflexão de uma estética James Bond. Se fossemos minichefes de videogame, o córtex 007 seria uma grande bola laranja de vulnerabilidade óbvia, independentemente de você se considerar um mano das antigas ou um acólito do feminismo de mente aberta. É um atalho para a essência mais primordial da masculinidade – e, por extensão, de classicismo, sexismo e outros traços inerentes, porém detestáveis.
Seja esse o caso literal ou só um arquétipo geral, a ideia de um agente secreto com números no lugar do nome é um tipo de culto ao herói passado pelos nossos pais, irmãos mais velhos e/ou caras fortes que fizeram parte da sua vida. Bond lembra um sotaque elegante, um cara fodão numa escala sem paralelos, alguém que confunde os limites entre inteligência e uso da tecnologia, encarnando o ideal de masculino do período – garantindo, assim, a eternidade dos debates de homens sobre o ápice da testosterona.
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Apesar de o conceito James Bond ser de 1953, até hoje é impossível usurpar sua sincronia com o que seja considerado “legal”. Sua marca vende carros, relógios e até destinos turísticos exóticos. E, claro, Bond também vende videogames.
E é aí que está o problema.
Em 1997, a desenvolvedora britânica Rare produziu e lançou um jogo para Nintendo 64 chamado GoldenEye 007. Apesar de ser um game de tiro em primeira pessoa numa plataforma Nintendo baseado num filme lançado dois anos antes, ele fez uma coisa que só acontece uma vez a cada geração: conquistou corações. Todo mundo nascido nos anos 80 que teve alguma relação com videogames tem uma história sobre a primeira noite que virou na casa de um amigo estourando a cara virtual dos colegas. Não só a plataforma multiplayer redefiniu as festas do pijama da molecada, mas o jogo single-player transformou uma narrativa cinematográfica numa forma interativa. Só os millennials podem entender como isso ultrapassou um filme B melhor do que qualquer feito artístico listado no top 100 do American Film Institute. O cartucho da Rare não é apenas uma traição artística dentro da história do meio: isso causou um dano permanente na ligação entre videogames e cinema – e, mesmo que o jogo seja incomensuravelmente melhor que o filme, isso barateia e limita o alcance da crítica de videogames até hoje.
O que estou dizendo é que, se o licenciamento de E.T. para a Atari quase destruiu (no mito) os videogames em 1982, o lançamento de um game de tiro de espião sobre uma limpeza étnica russa nos rodapés da história definiria um novo patamar que, sem dúvida, nunca mais será questionado.
O que se segue é a questão do licenciamento. O jogo de James Bond se tornou um aplicativo assassino para uma geração inteira; então, quem iria continuar o trabalho? A responsabilidade poderia facilmente cair numa das muitas adaptações e ícones caluniados, de Batman a Super-Homem, de X-Men a Mario. Como a arte interativa conseguiria não capitalizar de maneira similar em cima de nomes e histórias que combinavam inerentemente com o escapismo dos gatilhos e joysticks? Mais irritante ainda: quem mais faria um videogame do James Bond que conseguiria duplicar mesmo uma fração do sucesso de GoldenEye?
Com essa frustração em mente, fiquei obcecado com a incapacidade de forçar um raio a atingir o mesmo lugar duas vezes. Assim, usei o eBay para rastrear quantos títulos do James Bond eu pudesse, porém depois – infelizmente – fiquei bêbado e acabei comprando todos numa única noite. Esses são os achados de uma jornada que o herói recusou para descobrir o que o licenciamento de James Bond nos ensina sobre intenção, diversão e desespero nos videogames. (E, sim, eu sei que existem jogos de videogame do Bond lançados antes dos anos 90, mas você tem tempo para jogar todos os games dele já lançados? Ou os consoles para fazer isso? Exatamente.)
‘Operation Stealth’ (1990)
Esse é um jogo que eu já tinha. Comprei o cartucho quando fiquei sem aventuras do Space Quest, conseguindo mantê-lo a salvo no fundo do meu armário até hoje. A aventura de apontar e clicar foi licenciada como uma aventura de Bond para seu lançamento nos EUA, embora ela carregue muitos erros de seu status de copyright no Reino Unido, tipo quando um “Mr. Glames” toma o comando da CIA para derrotar um bandido militar latino-americano que curte logos em forma de aranha. Como muitos títulos de aventura da época, isso foi pensando como um pesadelo pixelado cheio de quebra-cabeças de lógica dependentes de combinações de engenharia reversa ou subcomandos de instrução manual. É mais gostoso ver situações típicas do Bond dos primórdios, como interrogatórios usando um tubarão com lasers renderizados em bit-arte, do que resolver os quebra-cabeças sem sentido ou sobreviver às sequências de arcade constrangedoras, como Bond do Surfe versus Pedras. Esse título merece ser exorcizado da história dos videogames do personagem, e eu realmente gostaria de pegar de volta os 60 paus que meu pai gastou nisso. (Mais pesquisas mostraram que as vozes digitalizadas fazem o jogo inteiro travar se você tenta pular uma única linha de diálogo. Lembra quando eles tinham a cara de pau de vender um game com esse tipo de erro? Que delícia!)
‘Tomorrow Never Dies’ (1999)
O jogo GoldenEye saiu em 1997, e logo veio a sequência Tomorrow Never Dies. Continuando no ritmo, o game foi lançado dois anos depois do filme – e, puta merda, que vergonha. TMD é basicamente um jogo de tiro linear no qual Bond está sempre disparando alarmes agudos pelas locações nevadas do filme, além de contar com referências inexplicáveis de baixa resolução a uma película completamente diferente. Se GoldenEye foi um marco na história dos videogames, um jogo que estabeleceu uma jogabilidade íntima e desafiou o jogador a contextualizar estratégias elaboradas, essa sequência só serve como um game de arminha de luz de fliperama ligado na mesma tomada que Area 51. O fato de isso ser a resposta do Playstation ao Bond melhor da Nintendo é um insulto ainda maior.
‘The World Is Not Enough’ (2000)
Quando o terceiro filme de Brosnan chegou, os tipos criativos finalmente entenderam que jogos bestas com algum cuidado por trás tinham feito uma geração amar um filme mais do que deveria – cumprindo a promessa inicial feita aos acionistas quatro anos antes. A Rare tinha desistido do licenciamento, mas a desenvolvedora EA tentou copiar a fórmula de GoldenEye num título que seria idêntico em N64 e Playstation. Num testemunho do que a Rare desencadeou, esse game de quase cinco anos depois parece uma piada pirateada. A grande adição é um gancho de escalada no relógio de Bond que permite que o jogador atinja áreas secretas com bônus em dinheiro, embora o fato de um agente do MI6 precisar de uns trocados seja outro prego no caixão de um título cujos editores esperavam que agregasse algum valor. Como um jogador bêbado moderno, isso significa entrar em cantos incompletos de fases mal planejadas na esperança de encontrar uma única escolha criativa.
‘007: Agent Under Fire’ (2001)
De repente, os jogos do James Bond perceberam que tinham de contar uma história que não estivesse nos filmes nem nos livros, e é nisso que Agent Under Fire investiu. Estranhamente, o game pede emprestada muita coisa do filme do Batman de Adam West, mas os desenvolvedores finalmente sacaram o que fazia o GoldenEye funcionar e aplicaram isso ao esquema. Os cenários mudam loucamente da Ásia para a Europa, passando para a África e até uma aventura submarina. No caminho, sua performance pode ser recompensada por prazer sexual proporcionado pela nova Bond girl Zoe Nightshade, que entrou nesse espaço de jogo, se tornando a primeira recompensa sexual do game – ao custo das jogadoras, que não estavam dispostas a detonar a Romênia para conseguir uma punheta submarina.
‘007: Nightfire’ (2002)
Um festival de merda. Seguindo o sucesso anterior do agente, Nightfire tem alguma história sobre uma coisa genérica asiática, porém nada chega a se encaixar. É uma bagunça impossível de jogar que ocasionalmente ameaça ter relevância. Um sinal de muita coisa sendo enfiada pela porta de uma vez só.
‘Everything or Nothing’ (2003)
Essa versão multiplataforma fez toda a experiência valer a pena. Willem Dafoe é o antagonista principal numa pseudo-sequência de 007: Na Mira dos Assassinos, de 1985, enquanto Brosnan opera carros e aviões contra uma ameaça invasora, se envolvendo em trocas de armas muito antes de Gears of War aperfeiçoar esse estilo. De todos os pesadelos do Bond que o uísque me ajudou a enfrentar, esse talvez seja o único que os aficionados sóbrios deveriam procurar. Esse título também é o quinto item dessa lista a apresentar a voz de Judy Dench, porque essa mulher é um tesouro nacional.
‘GoldenEye: Rogue Agent’ (2004)
Apesar de existir como o próximo numa linha de cumprimentos de contrato da EA, Rogue Agent tentou enganar os consumidores com o retorno da marca GoldenEye – e, sem querer, se tornou meu jogo favorito do universo Bond. Você começa como um agente do MI6 saindo da sombra de Bond, embora logo se veja envolvido com os vilões que são marca registrada do universo SPECTRE. Cada missão é acompanhada de atualizações que são quase superpoderes, adicionando elementos como visão de raio-X e criação de campos de força. Infelizmente, o jogo é muito curto, e isso é realmente um crime. Rogue toma emprestados elementos de sucessos da época, mas também previu títulos como Titanfall e, mais diretamente, a violência inteligente de Bulletstorm.
‘From Russia With Love’ (2005)
Do nada, você tem um jogo baseado num filme de 1963, emulando um jovem Sean Connery e, por alguma razão, incorporando uma dublagem nova do Highlander escocês. A fórmula GoldenEye é aplicada para desenvolver cenas da película em fases jogáveis, embora, considerando a idade do filme, não seja surpresa o fato de que esse título não consegue alcançar o número de momentos mágicos – mesmo para uma aventura abreviada de Bond, o que significa que partes de outros títulos, como Goldfinger e 007 Contra a Chantagem Atômica, entram no enredo. Mesmo minerando toda a extensão do catálogo da franquia, o game também é um exemplo de como atores famosos podem gerar ondas artísticas consideráveis, contribuindo com algumas horas de dublagem. Além disso, você pode fazer o Sean Connery dizer “whee!” enquanto ele voa sobre o castelo do inimigo num jetpack – e são coisas assim que fazem a vida valer a pena.
‘Quantum of Solace’ (2008)
Eca. Finalmente os jogos modernos alcançam a franquia, e o resultado é um game vergonhoso de pinte-pelos-números. Bond recapitula momentos de destaque através de uma entrada focada no personagem da série, em que a bomba que foi Cassino Royale é reciclada como um flashback. Poucos títulos de todos os games modernos usam com tanto orgulho o emblema da economia. Estima-se que a Warner Bros. perdeu US$ 100 milhões por não conseguir fazer a sequência de Dark Knight; mas Quantum of Solace supera isso, enfiando partes de um trabalho cancelado num jogo novo. Se esse fosse o título final, ele serviria como uma lápide apropriada para licenciamentos populares. Infelizmente, o fundo do poço ainda não chegou.
‘GoldenEye’ (2010) / ‘GoldenEye Reloaded’ (2011)
Nascidos de uma reedição para Wii e eventualmente ganhando uma repaginada em HD, esses títulos fizeram com que os jogadores de consoles da (então) nova geração ganhassem uma atualização dos pontos altos do jogo contextualizados num game moderno de tiro com pouco a oferecer. Jogar esse pesadelo é como assistir a um remake norte-americano de um filme estrangeiro de que você gosta muito – claro, você vai ver sombras vagamente familiares, porém não demora muito para entender que a alma da aventura não está apenas ausente: ela foi removida cirurgicamente. A tentativa de incorporar as mecânicas de jogos de tiro modernos numa interface complexa de duas gerações atrás destaca cada armadilha em que a indústria atual cai, tudo de um jeito tão nu que você poderia escrever um livro sobre esse marco da cagada.
‘007: Blood Stone’ (2010)
Um título totalmente fora da sequência, essa história original mostra um Bond pós-Quantum viajando por Mônaco, Sibéria, Genebra e Myanmar para investigar uma conspiração de um sindicato do crime. Por razões de 2010, Joss Stone não só é a Bond girl como também canta a música-tema muito abaixo da média. O game em si é uma força que tem de ser reconhecida. Sempre prometeram um jogo de corrida do Bond, e Blood Stone entrega essas sequências; no entanto, ele também nos dá monstruosidades em terceira pessoa impossíveis de jogar, atolando um conceito que poderia ser ótimo se usado um pouco mais seletivamente.
‘007: Legends’ (2012)
O lançamento mais recente é o ponto mais baixo da série. Eu preferia colocar meu nome em qualquer outro jogo tosco que a franquia lançou nos últimos 15 anos.
Legends toma uma posição ousada, que é um reflexo honesto da encarnação moderna do Bond, e reconhece que, fora alguns momentos de parkour estilo Mirror’s Edge (com o qual nenhum dos mecanismos licenciados consegue lidar), o novo MI6 ancorado na realidade nunca poderia fazer a transição para as mais de 20 fases de galeria de tiro do jeito que GoldenEye fez. Logo, eles reinventaram a franquia inteira, imaginando Daniel Craig como um simples pistoleiro e o mostrando dentro de seis dos filmes que nunca ganharam uma extensão para videogame. Essa manipulação interativa de destaques dentro de 007 Contra o Foguete da Morte, 007: A Serviço Secreto de Sua Majestade e até 007 – Um Novo Dia para Morrer deveria ter aberto a porta para uma aventura completamente reimaginada. Em vez disso, esse game de orçamento limitado foi lançado inacabado e ainda teve a pachorra de insistir no status DLC para uma única fase de Skyfall.
Dezoito anos depois do jogo que fez todo mundo prestar atenção na franquia, de alguma forma estamos exponencialmente menos conscientes de como fazer um bom título de videogame com o famoso agente secreto. Os maiores nomes da indústria tentaram usar o licenciamento como a última fonte de imortalidade; entretanto, mesmo que alguns bons produtos tenham emergido em raras ocasiões de criatividade, esse jogo de soma zero é uma coleção de adições esquecíveis para um gênero que se tornou um ouroboros – quando ele poderia o ter transcendido –, e isso é uma puta decepção.
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Tradução: Marina Schnoor.