Colorida e piscante, uma jukebox deve morar nas suas lembranças como um daqueles itens de filmes sessentistas, com garotas de saia rodada que usavam sapatos e meias na canela dançando twist. Mas ainda assim, e à sua própria revelia de usuário de Spotify, essas máquinas resistem à modernidade como um aparelhinho infalível e sempre presente nos bares mais populares de São Paulo — e de tantas outras cidades do país, afinal as jukeboxes são quase um entidade no universo botequeiro desse nosso Brasilzão. Democrática, com uma nota de R$ 2 é possível selecionar até quatro músicas num vasto cardápio musical, que varia entre o rap, rock, psicodelia, hardcore, metal, ragga, forró e pagode.
Mas nesse vasto universo de jukeboxes e seus discos, quais são as músicas mais todas em São Paulo? O Noisey sujou o sapato na rua em busca de registrar o som nos botecos no centro da capital paulista frequentados por trabalhadores no fim do expediente. Nosso DATAFODA-SE é tão preciso quanto uma balança desregulada,mas quem se importa?
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A boa e velha vaquinha, com as moedinhas perdidas na carteira, é uma estratégia comum da galera que quer escolher um bom som em grupo. E foi o que fizeram uns caras que jogavam sinuca num boteco da rua Augusta. “Gosto muito de rock, mas escolhi algo que todo mundo ouve”, contou o comerciário Emerson Feijão, 20, que já teve uma banda de hardcore, mas preferiu botar Snoop Dogg com Xzibit (“Bitch Please“) na máquina.
Antes de trocarem uns beijos no canto de um bar no Vale do Anhangabaú, os namorados Caio Ribeiro, 20, e Alana Terrolis, 17, selecionaram Notorious Big, Tupac, Snoop Dogg, Foxy Brown e Coolio — “O cara que inspirou as trancinhas do Sabotage”, como me contou o jovem tatuador. Alana, que usava um batonzão, bem estilo gótica suave, garantiu que além de rap, gosta “de tudo”, incluso aí “mpb” e “Alceu Valença”. Caio, morador do Jaçanã, declarou ser bem fã das máquinas de música e que sempre as usa “lá na quebrada”. “Quero um fliperama e uma jukebox na minha casa, aí não preciso mais nem sair para fazer rolê”, brincou.
Nesta mesma lanchonete estava o administrador Marco Aurélio Silva, 26, que tinha acabado de dar uma voltinha na Galeria do Rock à procura de um cinto de rebite. Com duas amigas, uma cerveja e porção de batata frita, ele selecionou Metallica (“Master Of Puppets“, “Overkill“), Raimundos (“Eu Quero Ver o Oco“) e Ramones (“Pet Sematery“), mas ficou chateado com a ausência de “Canceriano Sem Lar“, de Raul Seixas, no catálogo. “É a história da vida dele lá na Clínica Tobias, sofrendo com o alcoolismo…”, disse.
Raul Seixas, aliás, foi a única alternativa oferecida pela jukebox num restaurante no Centro compatível com o gosto musical do Brow, um artesão paranaense há 30 anos em São Paulo. A jukebox com 11 discos da banda de forró Calcinha Preta não o agradou muito, mas ele pôde ao menos selecionar “Rock das Aranhas”. “Eu queria ‘Another Brick In The Wall’ do Pink Floyd, mas não tinha”, disse, entre bravo e desconfiado, o hippie cinquentão que não quis revelar o nome e muito menos ser fotografado. “Quer tirar foto? Tira do Gerson, ele que gosta de aparecer”.
E foi só chamar que Gerson apareceu. O chapeiro, garçom, cozinheiro, faz-tudo e autointitulado “Severino” Gerson Araújo Fernandes, 31, garante que todo dia coloca um som na aparelhagem do seu trabalho. Enquanto estávamos no bar, ele selecionou Zezé de Camargo de Luciano (“Do Jeito que a Moçada Gosta“) e cantou o refrão (“Que hoje eu tô do jeito que a morena gosta/ Hoje eu tô do jeito que a loirinha quer”) uníssono com dois clientes; um metalúrgico fã de pagode paulista (“Raça Negra”, “Exaltasamba”, “Chrigor” e “Péricles”) e um compositor amador de forrós de sacanagem já idoso. “Como todo nordestino, gosto de música romântica e brega, mas ouço de tudo. Só não gosto quando colocam funk, mas ainda bem que quase nunca colocam”, me falou o trabalhador cearense enquanto cortava uma cebola do lado de lá do balcão. O mestre dos rangos também é fã declarado de Pablo, o Rei da Sofrência, e Amado Batista.
Os bares e lanchonetes não costumam pagar pela aquisição da aparelhagem digital. “A máquina fica aí e o dono dela vem a cada duas semanas e divide o valor com a gente. Se junta R$ 400, aí é R$ 200 para nós e outros R$ 200 para eles”, exemplificou a proprietária da lanchonete frequentada por peruanos, na avenida Rio Branco, enquanto preparava um suco no liquidificador. Um outro empresário relatou pagar R$ 170 para empresa que faz a permuta dos equipamentos, mas que também divide o lucros. “Aí eles pagam os direitos autorais tudo certinho”, falou. De fato, as todas as máquinas vistas tinham o adesivinho da ABLF (Associação Brasileira Licenciamento Fonográfico), indicando serem legais.
Num pé sujo na região de Pinheiros, as meninas que por lá ofereciam seus serviços sexuais curtiam pagode e sertanejo. As amigas Sabrina Santos, 18, e Kelly Cristine Moreira, 23, amam tanto Belo e o hit “Farol das Estrelas” que colocaram a faixa duas vezes seguidas. De short branco curtíssimo e maquiagem de gatinho nos olhos, Sabrina também selecionou uns sertanejos universitários com uma nota de R$ 2 que ganhou de um velho que passou a noite se esfregando nela. “Comecei a dançar sertanejo ouvindo Cristiano Araújo e Henrique e Juliano, por isso escolhi eles”, disse ela que “antes eu só dançava funk”. Mirradinha, a morena que acabou de atingir a maioridade contou trabalhar como “garota” desde os 14.
Kelly, que trocou o saião típicos das frequentadoras da Assembleia de Deus por um short preto coladíssimo e o emprego em um escritório de engenharia pela noite, mandou ver no Pixote (“Insegurança“) e Sorriso Maroto (“O Que É, O Que É?“). A morena magrinha cantarolou e mostrou ter uma uma voz afinada similar aos candidatos dos concursos de calouros da televisão. “Eu era evangélica e cantei na igreja por cinco anos, alguma coisa aprendi. E como dizem, quem canta seus males espanta”, falou enquantotomava uma cervejinha. A jovem não titubeou ao responder o artista que mais gosta: Sorriso Maroto. “Eles fazem muitos shows, mas não tive a oportunidade de ir. Sou mãe solteira e crio meus filhos sozinha, então tenho muito gasto com eles, que são minha prioridade, e acabo nem saindo assim”, disse.
As máquinas de música também fazem sucesso em alguns bordeis, contou Ana Estela Santos, 20, que estava no barzinho só para falar um “oi” para as colegas e pegar um cigarro. “Lá na boate também tem uma jukebox e o que mais toca é sertanejo para dançar agarradinho e, como se diz, música de corno também”, falou em meio a risadas. Amante de música e usuária do YouTube nas horas livres, ela recomendou ainda Simone e Simaria, dupla inexistente no cardápio musical da máquina do bar e da boate. “São aquelas do violão e do cachorro, sabe?”
A Camilla Feltrin curte muitão uma jukebox e está no Twitter.
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