‘Load’ é o disco definitivo do Metallica justamente porque é uma bosta

Texto originalmente publicado no Noisey US .

Ao observar a história vagamente deprimente do Metallica, há uma clara distinção entre o melhor disco da banda e seu disco fundamental. O melhor provavelmente é Master of Puppets porque suas canções são as mais agradáveis (no sentido de soar como um thrash meio ácido). Mas não é seu disco fundamental — o álbum que exemplifica o ethos e atitude da banda. Esse foi lançado há 20 anos atrás neste mesmo mês, e você provavelmente o odeia. É aquele em que eles usaram maquiagem e camisetinhas cortadas, penteados meio espalhafatosos na bendita sessão de fotos e meteram uma capa que parece fogo ou lava, mas na real eram fluidos e secreções bovinas e humanas entre duas placas de acrílico.

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Para a maioria, Load é só mais um disco terrível de 1996 — 80 minutos que indicam que a mais bem-sucedida entre as bandas do Big Four teria deixado de lado o metal pra fazer rock de tiozão autoindulgente. O que, aliás, é verdade em grande parte, mas deixa de lado um aspecto que só tem ganhado força com duas décadas de retrospectiva: Load foi a primeira prova incontestável de que o Metallica sempre esteve zoando e alienando seu próprio público.

De certa forma, Load é uma rejeição completa do som que fez o Metallica ganhar popularidade. Por outro lado, a contrariedade do Load referencia as músicas do Kill ‘Em All de 1983: o thrash rápido e atonal do disco de estreia era música abrasiva para pessoas abrasivas, ajudando seus eus cabeludos, toscos, batedores de cabeça a criarem um nicho distante da crescente cena hair metal. E a cada disco violavam-se expectativas definidas por seus predecessores. Eles meteram violões e baladas em Ride the Lightning e Master of Puppets. Em …And Justice For All, os riffs e estruturas das canções foram ficando cada vez mais complicadas e intrincadas. Assim que faixas de nove minutos viraram o lugar-comum, a banda simplificou sua sonoridade no amigável (para as rádios), Black Album chegando a marca de 16 milhões de cópias vendidas.

Quase meia década sem música se passou após o Black Album, em que “Metallica” virou um eufemismo para “doideira heavy metal sem limites”. Eles eram acessíveis o suficiente a ponto de terem vendido milhões de discos, artistas o bastante pra levar uns Grammys e autênticos a ponto de que citar a banda virou uma espécie de abreviação cultural. Um motorista de limusine em Seinfeld os citou. O irmão preguiçoso de Viva! A Babá Morreu usava uma camiseta do Metallica. O Beavis também.

Fora isso, Metallica era a banda perfeita para estudantes de quarta série misantropos. Eu tinha nove anos quando fucei uma caixa de fitas cassete no quarto da minha irmã e encontrei o …And Justice for All. Em dois anos, enchi uma gaveta de camisetas da banda. Num trabalhinho da aula de literatura, acabei lendo uma biografia mambembe do Metallica e fiz um pôster pra apresentação com um desenhaço do Pushead bem no meio, possivelmente aterrorizando a professora substituta. Parei de jogar bola e comecei a tocar guitarra, mas larguei mão das aulas em uns meses porque o professor queria me ensinar “I Want to Hold Your Hand” e eu só queria mesmo era mandar o solo de “One”. O Metallica não era só minha banda favorita: era a única que eu ouvia, praticamente.

Com a chegada da primavera de 1996 e do lançamento de Load, pirei com o clipe de “Until It Sleeps”. Provavelmente como eu era um moleque burro de sexta série, tudo parecia “artístico” e “conceitual”, mas a faixa em si era pesada o bastante pra me deixar ansioso. Depois da aula, na terça-feira, 4 de junho de 1996, fui até a Record Town, com um monte notas de um dólar, depois fiz a longa caminhada de volta para casa e taquei o Load no meu sonzinho da Sony.

Na época, adorei o disco que ouvi tanto a ponto de cagar o CD. Hoje em dia, não faço ideia do que estava fazendo.

Load é a trilha perfeita pra deixar crescer um cavanhaquinho escroto, graças a riffs blues distorcidos e os gritos semi-coitais de James Hetfield. As músicas imitam Lynyrd Skynyrd, Led Zeppelin, AC/DC, e outras bandas que se ouve numa oficina enquanto trocam seu óleo. “Ain’t My Bitch” tem um solo de guitarra slide. “Mama Said” é uma porra dum country. E ao contrário das jams de quatro a seis minutos do Black Album, muitas das 14 faixas de Load são tão inchadas que a banda teve que cortar o final da faixa de 10 minutos pra que a parada toda coubesse num único CD. Em termos estilísticos, Reload — o sucessor de 1997 gravado em grande parte durante as sessões de Load — trata basicamente do mesmo que seu predecessor: em “Fuel”, a banda que uma vez cagava pra esse negócio de tocar em rádio e escrevia sobre alienação, doenças mentais e horrores da guerra, fez o favor de compor um rock bunda-mole sobre carros que cai bem num domingão assistindo NFL. As principais diferenças entre os discos aqui eram os materiais utilizados por Andres Serrano para as capas. Load contava com uma mistura de sangue de vaca e sêmen. Reload tinha sangue e urina.

Com meia década de trabalho, foi isso que o Metallica conseguiu fazer: álbuns de hard rock derivativo, embalados em sangue, mijo e porra. Não é que o Load mostre o Metallica se vendendo — é difícil justificar essa acusação levando em conta o sucesso financeiro e crítico obtido anteriormente. Em vez disso, o Metallica parece ter tratado seus ouvintes com algo próximo do desprezo, os desafiando a desligarem o CD player.

Ainda assim, minha devoção ao Metallica — na verdade, meu senso adolescente de obrigação com algo trivial como música — era tamanha que defendia o Load de qualquer um que o odiava, ou seja, todo mundo que não fosse a Rolling Stone. Comprei aquela mentira de que o novo som da banda era um sinal de maturidade e tal. Vi o Metallica ao vivo quatro vezes ao longo dos anos, todas elas pós- Load, e foi foda. Algo ali, entre o rímel e suas tentativas falhas de serem um Black Sabbath na meiota, era a banda que eu amava.

Mas quando a música do Metallica em si não era fonte de irritação, a banda em si, com o tempo, se tornou. Em 1997, após uma presença quase 100% baseada em trilhas de filmes (com exceção da série de documentários Paraíso Perdido), a banda emprestou “For Whom the Bell Tolls” ao DJ Spooky para a trilha de Spawn – O Soldado do Inferno, pelo amor de Deus. Três anos depois, gravaram uma faixa para Missão Impossível 2, uma demo que vazou no Napster junto do resto de sua discografia. Foi aí que a banda, notoriamente, processou o serviço de compartilhamento de arquivos pela infração da lei de direitos autorais. Ter gente ouvindo música deles foi o suficiente para removê-la da plataforma.

Os espectadores puderam dar uma sacada melhor neste Metallica no documentário Some Kind of Monster, de 2004: a banda era um trio — porque nem Jason Newsted aguentava essa merda mais — de homens-criança frágeis e disfuncionais vivendo em um mundo cheio de problemas de gente rica. Eles contrataram um terapeuta e falaram de seus sentimentos. Tiveram discussões existenciais sobre a presença ou ausência de solos de guitarra. Eles reutilizaram conversas cotidianas na forma de (péssimas) letras. Lars Ulrich tocou uma batida tão horrorosa que parecia piada. No final, o documentário é uma das melhores provas de que o heavy metal te deixa burro com o tempo.

Por mais controversos que os discos tenham sido há 20 anos, o tempo foi relativamente gentil com Load e Reload — “Bleeding Me” sendo um bom momento — isso porque o que veio depois é muito pior. St. Anger, o disco de 2003 cuja criação foi documentada em Some Kind of Monster, soa como um acidente de trem. Death Magnetic sugeria o retorno do Metallica a um terreno mais familiar, aí veio Lulu em 2011, um disco conceitual com Lou Reed que soa como velhos ficando dementes sem ninguém pra cuidar por perto. Poderia muito bem ter sido um projeto paralelo caso não tivessem cagado tudo antes, então ali estava mais lixo criado propositalmente pelo Metallica de forma que você não o ouvisse.

No outono após o lançamento de Load, encontrei outra fita no quarto da minha irmã, uma coletânea com as faixas escritas à mão: Youth of Today, Quicksand, Gorilla Biscuits, Minor Threat, Dag Nasty, Black Flag. As músicas eram provocativas, e o mais importante, nunca passavam dos três minutos. O hardcore na época das páginas do Geocities tinham que ser descobertas por puro acaso e pedidos pelo correio, e quando finalmente ouvi bandas como Earth Crisis e Hatebreed, elas soavam como as boas partes do Metallica sem a chatice. Com as barreiras sônicas embaçadas, logo deixei de ouvir Metallica mesmo. Seus discos pareciam sempre provocar os ouvintes a deixarem de ouví-los, então o fiz.

Load deixou claro o antagonismo subjacente da banda ao seu público. Agora, admitir ouvir Metallica tem que vir com uma condição: “Gosto das paradas antigas”. Ninguém curte a discografia. O álbum com sangue e porra na capa garantiu isso.

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