Meu, o Bruce Pavitt esteve lá


O Bruce, em 1989, na tour 
“Heavier Than Heaven” com  Nirvana, Mudhoney e TAD.

Se calhar não sabem quem é o Bruce Pavitt, mas de certeza que sabem tudo sobre a editora que ele fundou nos anos 90, a Sub Pop Records. Ao contrário daquilo que se pensa, a Sub Pop não deu à luz o “grunge” — os media é que trataram disso. E bandas como os Mudhoney, os Soundgarden, os Nirvana e outros pesos pesados do cardápio da Sub Pop é que eram os gajos da música.

Por estes dias, o Bruce já se reformou do seu posto na editora, mas recentemente lançou um livro de fotos com na Bazillion Points chamado Experiencing Nirvana: Grunge in Europe 1989. O livro em questão segue os Nirvana, os Tad e os Mudhoney na sua primeira tour europeia e se quiserem podem ver umas fotos exclusivas que publicámos há uns meses atrás. Quase três décadas depois, o grunge tornou-se um fenómeno cultural e regressou como tendência retro para os novos músicos. Reduzir, reutilizar, reciclar.

Então, porquê lançar este livro agora? Liguei ao Bruce porque ele é um gajo porreiro e porque queria falar sobre os anos 90, a editora e o porquê de este livro ser necessário no mundo.

VICE: Olá Bruce. Para começar, porquê fazer este livro?
Bruce Pavitt: No essencial, a cena de Seattle no final dos anos 80 foi uma coisa revolucionária. A intensidade emocional que aquelas bandas transmitiam era incrível. Achei que já era tempo de partilhar algumas dessas memórias.

O que achaste do livro The Oral History of Grunge?
Honestamente, nem sequer o li.

A sério? Quer dizer, não precisas mesmo de o ler tendo em conta que estiveste mesmo… lá.
Sim, na verdade, depois do Kurt ter morrido passei algum tempo sem pensar nas cenas. Só no ano passado é que resolvi revisitar esses tempos.

O que te fez regressar?
Andava a ver umas fotos com um amigo meu, o Dan Burke, e vimos que havia ali uma história. A partir daí, foi só andar para a frente. Acho que a história é mesmo épica, e é muito mais do que uma simples compilação de fotos.



Não podemos negar o poder do Kurt. Sem rodeios. Como se sentes ao ver a relação que vocês tinham? O que achas de todas as biografias, reedições, documentários…

O Kurt e eu éramos amigos. A malta de falhados de Seattle, que tomou conta do mundo e o abanou todo, era malta amiga. Era uma família alargada, uma tribo, uma comunidade. Viemos do meio do nada e mudámos a face da música. O talento do Kurt explodiu exponencialmente. Acho que nenhum desses livros consegue capturar a camaradagem, a sinceridade, ou a inocência desses anos pré-fama dos Nirvana. 

Então estavas a tentar alcançar isso com este livro?
Sim. O livro mostra esse mundo dos pequenos bares, das carrinhas, dos concertos familiares, das conversas com os fãs, do curtir com a malta. Foi uma altura em que todo o talento se relevou de uma maneira poderosa – antes de tudo ter sido posto à luz de um microscópio.

Sou músico e já fiz algumas tours com a minha banda punk. É assim que se começa — falido como tudo, mas ninguém anda em cima de ti. És livre. Podes não ter dinheiro para comer, mas ao menos o problema é só teu.
É mesmo isso. Imagina que acordas e és o músico rock mais conhecido do mundo. É o fim da tua vida como a conheces.

Como é que o Kurt lidava com a fama?
O Kurt era muito sensível, apesar de se passar em palco. Muitas das bandas de metal mais comerciais eram muito yang, como se diz. Talvez te lembres de ver t-shirts com slogans do género “A SIDA mata os bichas”? O Kurt não concordava com esses sentimentos. Mas claro que quanto mais popular ele se tornou, mais mainstream o público se tornou. Acho que os Nirvana ajudaram a alterar o ambiente da cultura rock. Devias ver a entrevista à Rocket que está no fim do livro em que ele diz que gosta de bandas “fofas” como os Beat Happening, os Pixies, as Shonen Knife e os Vaselines. Não é um gosto muito metal.

Ainda há pouco tempo tive de escrever um conto baseado na “Rape Me” para o aniversário do In Utero. Foi uma bela tarefa que me deram. 
Sabes aquela história de dois “fãs” que violaram uma rapariga enquanto tocava essa música? O Kurt passou-se com isso.

Não, nunca ouvi falar nisso…
Foi uma história que circulou na altura.

Isso é horrível. Imagino a possibilidade de alguém não compreender o que quero dizer… Sentir-me-ia responsável? Ou ficava furioso?
O Kurt apareceu na capa da Advocate depois de se ter tornado famoso. Fez tudo para promover os direitos das mulheres e dos gays. Era assim que ele interpretava o punk.

Hipoteticamente, achas que os Nirvana ainda existiriam se o Kurt fosse vivo? Achas que as coisas podiam ter corrido de outra forma?
Uma pergunta complicada. Acredito que a relação entre os membros da banda era boa, mas estava constrangida devido a uma terceira pessoa que não vou mencionar.

O que achas da forma como a Sub Pop tem crescido? Quais eram as tuas intenções quando fundaste a editora?
A minha intenção era apoiar a cena local, respeitando e reconhecendo outras cenas locais (em primeiro lugar através do “The Singles Club”). Sempre fiquei muito mais fascinado com o potencial das cenas locais do que com os artistas a nível individual.



O que é que te fascina nesses mundos?
As cenas locais envolvem outras entidades criativas — artistas visuais, produtores, donos de aparelhagens e fãs. Quando tudo converge é uma coisa mágica. A cena de Seattle não teria rebentado sem as fotos do Charles Peterson, por exemplo. O Charles é provavelmente o fotógrafo rock mais brilhante de todos os tempos. Mas acho que a Sub Pop cresceu de uma maneira muito saudável. Conseguiu manter-se no negócio e lançou uns álbuns radicais no processo. Já ouviste os Metz?

Meu, andei numa tour com eles em Abril. Tentei bater com força no Hayden. Foi divertido e assustador. 
[Risos] Também tentei bater no Hayden. Já temos algo em comum.

Se pudesses voltar atrás e assinar ou chutar uma banda, qual seria e porquê?
Uma das bandas que me arrependi de não ter assinado no início dos 90 foram os Stereolab. O álbum deles chamado Mars Audiac Quintet é uma obra-prima. Alta cena.