Cinquenta e cinco anos atrás, na Sexta-Feira Santa de 1962, o pesquisador norte-americano Walter Pahnke cometia o que para muitos soa como um sacrilégio, mas que não poderia estar mais distante disto. Sob orientação do guru da psicodelia Timothy Leary, o também pastor Pahnke deu psilocibina a um grupo de estudantes dentro da capela Marsh, na Universidade de Boston. O objetivo era avaliar se a substância facilitaria uma experiência mística.
Psilocibina, para quem não sabe, é o componente químico que faz dos cogumelos algo mágico. Nascia, então, a Escala da Experiência Mística.
Videos by VICE
Quem conta a história é Eduardo Ekman Schenberg, neurocientista ligado ao Instituto Plantando Consciência que encabeçou a tradução e validação da Escala para o Brasil desde o começo desse ano. Pode parecer conversa de doidão, mas a Escala de Experiência Mística é uma ferramenta importante para pesquisadores interessados em investigar interação entre as tais experiências e terapias e tratamentos para patologias diversas. “Validar esse instrumento permite que estudos feitos no Brasil possam ser comparáveis aos do exterior”, diz Eduardo. “É como fazer a fundação da casa.”
Leia também: Brasileiros criaram um mapa colaborativo para caçadores de cogumelos mágicos
A Escala é composto por 30 itens (eram 43 originalmente), que abarcam seis características de uma experiência mística: sacralidade (“Sensação de reverência”, por exemplo), qualidade noética (“Você está convencido agora, quando avalia sua experiência passada, de que você encontrou a realidade última”), unidade (“Percepção da vida ou de uma presença viva em todas as coisas”), humor positivo (“Sentimentos de paz e tranquilidade”), inefabilidade (“Sensação de que a experiência não pode ser descrita adequadamente através de palavras”), e transcendência de tempo e espaço (“Experiência de atemporalidade”).
Para cada um desses itens, o sujeito do estudo atribui um grau de 0 a 5 de intensidade. Ao final, o pesquisador determina se houve ou não uma experiência mística ali. “Um estudo norte-americano que considerou a psilocibina no controle do tabagismo, por exemplo, identificou que os participantes que tiveram uma pontuação mais alta responderam melhor ao tratamento”, diz Luís Fernando Tófoli, psiquiatra e coordenador do o Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi) da Unicamp, que também participou da validação da Escala.
A psilocibina tem sido a referência usada em pesquisas do tipo do exterior, mas ela não é o único fio condutor possível. Para garantir que a Escala de Experiência Mística se adequava à realidade brasileira, foi feito um levantamento com 1504 pessoas que utilizaram algum tipo de substância psicodélica. LSD (35,6%) e Ayahuasca (42,3%) lideraram o ranking — apenas 10,1% dos respondentes haviam utilizado psilocibina ou cogumelos.
“Essa foi outra vantagem da validação, aproximar esse instrumento de substâncias como o Ayahuasca”, afirma Eduardo. Com uma característica mística intrínseca ao seu consumo (na maior parte do tempo, vá lá), a Ayahuasca é bastante estudada no Brasil, mas essa é uma nova referência que pode ser utilizada. “Daqui para frente pretendemos utilizá-la para todos nossas pesquisas com psicolélicos, tanto clínicas quanto experimentais”, diz Tófoli.
Também não é necessário o envolvimento de qualquer tipo de substância para o uso da Escala de Experiências Místicas. Rituais de umbanda e outras cerimônias religiosas, meditação, hipnose, enfim, o caminho está aberto. “A espiritualidade faz parte da vida, mas ela ainda é mal vista como só uma coisa sobrenatural em vários campos”, fala Eduardo. “É importante mudar isso.”