Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.
Há pouco tempo, assisti o anúncio da revolução dos trolls. No lançamento da Young British Heritage Society — que se descreve como uma “nova organização estudantil nacional conservadora e libertária, dedicada a se opor ao politicamente correto nas universidades” —, o presidente Danial Mirza pediu que o público levantasse a mão: quem ali já tinha sido expulso do Facebook ou Twitter? Um punhado de braços subiu no meio da multidão.
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Esses são os jovens revolucionários inexplicavelmente furiosos da internet, pessoas que às vezes viram manchete quando são acusados de arruinar a vida de outro jornalista liberal ou feminista. A maioria das pessoas têm uma ideia vaga de como eles são: monstruosos online, seguros atrás da tela do computador, espalhando bile e ressentimento para todos os lados, mas tímidos constrangidos na vida real. O que não está muito longe da verdade.
O público no Conway Hall era composto basicamente por homens jovens de rosto comprido e entusiasmo desengonçado, exibindo uma variedade de escolhas de moda infelizes: lenço de pescoço, calça chino com blazer azul-marinho, camisetas de dragão e barbas emaranhadas, e pelo menos um cara usando paletó de tweed com bermuda cargo. Uma meia dúzia, bem no meio de Londres, usava o boné do Donald Trump, com o slogan “Make America Great Again”.
Mas também havia algo extremamente cativante no lote que compareceu ao evento: eram todos jovens sem nenhuma ironia, apaixonados por política e nem um pouco constrangidos com a própria esquisitice.
O problema é quando eles abriam a boca. O grande bicho-papão da noite era o feminismo. “Elas não são como as feministas originais que só queriam votar”, um deles me disse. “Elas realmente são anti-homem.” Outro explicou sua admiração por Donald Trump. “Ele vai se livrar desse terrível feminismo da terceira onda, que perpetua o racismo e o sexismo. O único jeito do racismo acabar e parando de falar nisso.”
Muita gente com quem falei não queria que seu nome fosse citado, e parecia suspeitar da mídia. Uma jovem gujarati explicou que “se você visita a Índia, a China, o Japão, todos eles têm culturas distintas. Acho que é isso que falta no ocidente”. Como exemplo, ela citou o novo filme do James Bond, que é “totalmente de esquerda”. Como pode acontecer, não concordo com ela, nem com muitas das outras pessoas com quem falei, mas eles têm direito de ter sua opinião, né? Eles não têm direito à liberdade de expressão?
E essa era a grande questão da noite: a Young British Heritage Society é a última coisa a surgir da nossa guerra de liberdade de expressão cada vez mais idiota. Seu secretário-geral, Jamie Patel, usou seu curto discurso para anunciar que “o marxismo cultural sequestrou as instituições do país”, e que “qualquer tentativa de celebrar a história britânica” é silenciada pelo politicamente correto.
A palestrante Sophie Thomas declarou de modo aforístico que a censura nos campi era “uma sombra negra de mau agouro”. O palestrante principal, Milo Yiannopoulos, destacou que “se você questiona o feminismo, você pode acabar expulso da sua universidade”. A impressão de todos os lados era que vivemos numa sociedade sob o totalitarismo do politicamente correto, onde qualquer opinião que fuja dos dogmas liberais da academia é implacavelmente silenciada. O que é estranho, porque ao se abrir qualquer jornal ou assistir aos noticiários, você sempre acha alguém dizendo a mesma coisa. Se a polícia do PC está realmente tentando acabar com a liberdade de expressão, ela está fazendo um serviço de merda.
Mas liberdade de expressão aqui não quer dizer realmente liberdade de expressão. Afinal de contas, esse é o pessoal do mesmo meio social da direita alternativa que deu o chilique Gamergate, quando jornalistas de videogame escreveram coisas que eles não aprovavam, dizendo implicitamente que esse tipo de coisa não deveria poder ser escrita; e teve outro ataque de birra com o novo filme dos Caça-Fantasmas com mulheres, dizendo implicitamente que o filme não deveria ter permissão para ser feito.
Vários palestrantes mencionaram a política sem plataforma das uniões estudantis, sob as quais pessoas como Peter Tatchell e Germaine Greer foram desconvidados para fazer discursos em universidades. Uma coisa inconveniente, mas dificilmente censurada — nunca fui convidado para palestrar numa universidade, mas minha liberdade de expressão continua intacta. No entanto, a maioria das reclamações aqui não eram específicas; a censura não estava vindo dos governos e instituições, mas de todos os lados.
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A brigada anti-PC não estava puta porque não pode dizer o que quer; ela fica puta quando fala o que quer e outras pessoas discordam. A sociedade é um protesto contra a censura inaceitável das pessoas que fogem quando algum carinha numa festa começa a falar que o feminismo envenena tudo; é uma fúria contra o fato de que as pessoas se ofendem quando você é ofensivo com elas.
Tudo isso é amarrado com o pedantismo profundamente desinspirado do debate nerd. Os palestrantes não se cansavam de fazer invocações fetichizadas da Lógica, Razão e Fatos; como Sophie Thomas disse: “o ódio absoluto contra pessoas que têm opiniões diferentes contraria o debate socrático” — como se todo mundo que se opõe a você precisasse seguir o padrão de debate de Oxford. Não é difícil ver o porquê: só em debates formais você é obrigado a ouvir ideias bestas e chatas até o fim. Na verdade, um dos primeiros palestrantes, um jornalista do Breitbart, entregou o jogo. “Não importa o que aconteça”, ele disse, “essas opiniões não vão ser ignoradas”.
A Young British Heritage Society tem grandes planos: ela quer formar grupos em todas as universidades britânicas — mas não está claro o que eles vão realmente fazer, além de se encontrar no boteco uma vez por semana e apreciar a lógica e a racionalidade dos próprios peidos. Mas a maioria das pessoas com quem falei não estava lá para apoiar o YBHS, mas para se maravilhar com o palestrante principal, o “gay conservador” Milo Yiannopoulos.
Leia: “Tentei deixar Milo Yiannopoulos me convencer a ser uma simpatizante gay de Donald Trump”
Pensei agora que algumas pessoas que podem estar lendo isto são gente normal e feliz, pessoas que vivem no sol e não coladas na tela do computador, e que podem não fazer a menor ideia de quem é Milo Yiannopoulos. Se esse é seu caso, melhor parar de ler agora; é só meter o clique no botão compartilhar e ir curtir o resto da sua vida. Não que Yiannopoulos seja uma pessoa particularmente perigosa ou perturbadora, mesmo gostando de pensar que é, ou que suas visões são mais detestáveis que as de qualquer outro cara intolerante da mídia; é só que o que ele mais quer na vida é que você saiba quem ele é, e a gente não devia dar esse gostinho a ele.
Para os fãs, Milo Yiannopoulos não é só um jornalista arruinado com cabelo de vassoura e um talento especial para irritar estudantes sérios; ele é um deus vivo e objeto de desejo desesperado. “Eu adoraria conhecê-lo”, me disse um acólito. “Eu amo o Milo. Ele representa a verdade, a lógica e o bom senso. Ele é incrível.”
Algumas pessoas da plateia estavam até imitando o Milo, usando o bizarro uniforme da nova extrema-direita: cabelo oxigenado e jaqueta jeans. Quando o ar ficou abafado demais e Milo tirou seu cardigã no meio do discurso, um gemido de angustia irrompeu da multidão. Na seção de perguntas e respostas, quase ninguém conseguiu falar com ele sem um tremor na voz. Milo é o rei dos idiotas, mas é difícil entender por quê. No final das contas, ele é só um cara profundamente chato.
O que ele quer ser é um erudito, um iconoclasta sardônico, o homem que diz o indizível e faz isso com estilo. Na verdade, ele está se esforçando demais. Pinceladas de Christopher Hitchens e William F. Buckey escapam de seus maneirismos; eu ficaria surpreso se ele não tiver passado horas assistindo os discursos pomposos do segundo no YouTube, praticando as falas em voz alta, cortando e colando perfeitamente seu tom desdenhoso de idiota lógico e racional. Mas pensando em Buckley e Hitchens, a arrogância deles vinha naturalmente. Mas em Milo, a arrogância é ensaiada e tristemente descarada. “Faz tempo que eu não voltava à Inglaterra”, ele disse. “Eu estava ocupado ficando famoso e fazendo sucesso.” Mais tarde ele lembrou que “você nunca vai ter meu visual, meu cabelo ou meu guarda-roupa, mas posso te dar táticas e estratégias”.
Ainda assim, lá no fundo, ele é só um nerd de debate tão pedante quanto qualquer outro do salão, só aprendeu a substituir o chiado asmático usual por um sotaque pomposo. A esquerda “negocia em termos de xingamentos e teorias da conspiração em vez de com ciência, lógica e história”; eles tentam calá-lo porque “não conseguem ganhar de mim numa discussão”. Ele é exatamente como seus fãs: é por isso que eles o amam, e é por isso que em seus momentos mais distraídos, o desdém total de Milo por eles ocasionalmente escapa — todos esses nerds, essas roupas bregas, toda essa falta de popularidade. Talvez por isso mesmo ele milite tanto em favor da versão bizarra de liberdade de expressão do YBHS: pelo modelo do grupo, você não precisa se contentar com o público que te foi dado.
Tradução: Marina Schnoor