Missas de domingo e trips espirituais



O George Steiner, um filósofo contemporâneo que poderia perfeitamente ser o primo mais novo do McLuhan, caso tivesse nascido no Canadá, disse que vivemos na era de maior irracionalidade desde a idade média, mas eu não concordo. Acho é que vivemos numa era de maior ingratidão desde aquele arrufo do Édipo na Grécia clássica.

Isto porque, além de termos vindo a revelar uma falta de capacidade de agradecimento aos profetas neo-liberais pela genialidade que é desregulamentar o sistema económico, temos feito algo muito pior: desrespeitar a dignidade dos estupefacientes. Não compreendo — nem aceito — a ingratidão da sociedade em relação às drogas. Elas estiveram lá em todos os momentos de boas decisões, como, por exemplo, na noite em que contamos peripécias íntimas àquela pessoa com capacidade de sigilo duvidosa; na outra em que acabámos na cama de um gajo com lençóis do StarTrek ou quando gastámos o dinheiro que estava reservado para pagar a luz num grama de coca toda traçada com paracetamol.

É por estes motivos que fico magoada quando vejo pessoas a atribuir qualidades xamânicas ao consumo de substâncias psicoactivas. Onde é que fica a dignidade da pastilha? A virtude da coca? A sapiência dos micropontos?


Por acaso, estes são do Star Wars. Quiçá mais acessíveis e com um potencial erótico semelhante.

Da mesma forma que o membro da Opus Dei necessita do casamento para fornicar, o xamânico precisa de evocar a espiritualidade para colar um selo, ou seja, quando o estriquinado da percepção range os dentes, ele fá-lo de modo a emitir radiações cósmico-quânticas que vão equilibrar os chakras da humanidade.

Se nos rituais católicos é compreensível a necessidade de um sacerdote mágico que tenha a habilidade de transformar substâncias que a ciência ainda não catalogou como psicoactivas em hóstias e água com superpoderes que vão desde o encontro com um ser imaginário até à expurgação do pecado, no caso dos estupefacientes eles são autênticos David Copperfields para os nossos neurónios por mérito próprio, portanto, parece-me ofensivo retirar protagonismo a tão ilustres mágicos.

Apesar de alguns mitras conseguirem suscitar alguma empatia pelo grau de atraso mental que evidenciam, o xamã está mais na linha daquele conhecido que crava boleias constantes para a outra ponta da cidade e que tem surtos amnésicos na altura de dar um contributo para a gasolina. Da mesma forma que o mitra quer sempre obter algum benefício às nossas custas, o xamã tenta aproveitar-se da inocência dos narcóticos para criar a sua própria agenda.


Se quando estiverem todos colados não vos apetecer brincar aos gurus da natureza, tentem antes aos Power Rangers, é altamente!

E aqui é que me sinto verdadeiramente indignada. Tentar retirar benesses quântico-cósmicas de químicos que não têm a capacidade de fazer valer os seus pontos de vista é tão reprovável como distribuir frigoríficos para encher os corações dos membros de autarquias ou como fazer batota a jogar à batalha naval com um puto de dez anos com uma capacidade lógico dedutiva capaz de triturar o ego do Miguel Sousa Tavares.

Portanto, se tens amigos que gostam de transformar as suas fugas da realidade num enredo siamês do Inception e que, surpreendentemente, consegue ultrapassar a falta de lógica e interesse do original, dá-lhe um beijinho. E se ele for daqueles que passou, subitamente, a utilizar dois sobrenomes no Facebook dá-lhe dois, pois, no fundo, trata-se de um acto revolucionário anti-capitalista para obrigar o Zuckerberg a gastar mais uns trocos em servidores potentes que aguentem esta overdose nominal.


Saiam da frente que precisamos de arranjar um lugar com sombra no Boom Festival.

Facebook, trips quânticas e nomes made in Cascais. Está-se bem no século XXI, Senhor Steiner.